quinta-feira, 10 de abril de 2025

Por que o BNDES não financia o Brasil sustentável?

Por que o governo ainda investe menos na economia verde, enquanto empresta bilhões a setores que destroem o futuro do Brasil? Todo governo tem a obrigação de ajustar a rota de colisão e planejar o futuro fundamentado na promoção do bem de todos, construindo uma sociedade justa e solidária e reduzindo as desigualdades sociais. E as urgências do nosso tempo estão escancaradas: crise climática, crise hídrica, insegurança alimentar, colapso sanitário e a histórica falta de moradia, agora agravada pelo aumento acelerado de deslocados do clima.

Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, apontou que o BNDES destinou menos de 25% dos seus desembolsos à economia verde em 2023. “A atual gestão tem méritos: aumentou os recursos para a agenda, que estavam rebaixados a 14% em 2021. Ainda assim, é pouco. Se o plano do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a ‘transformação ecológica’ da economia, são os negócios sustentáveis que devem abocanhar 75% do montante.”

Para mudar esse cenário, o Projeto de Lei Complementar nº 176/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe:

(1) democratizar os conselhos de administração dos bancos públicos, incluindo cientistas, representantes de povos tradicionais e comunidades afetadas por eventos extremos;

(2) aprimorar a transparência sobre os desembolsos, com divulgação obrigatória das emissões financiadas, por setor e região; e

(3) definir metas para redirecionamento de recursos, com percentuais claros para atividades de baixa emissão.

Está na Constituição Federal: o Estado não pode usar a economia apenas para gerar lucro privado. A ordem econômica, segundo o Artigo 170, deve ser “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. E isso deve ser feito, segundo a letra da lei, observando princípios como a defesa do meio ambiente (VI) e a redução das desigualdades regionais e sociais (VII). Ou seja: a Constituição já determina que o dinheiro público deve ser usado para construir um país mais justo, equilibrado e ambientalmente responsável. Mas não é isso que acontece.

Agora, até o topo do mundo corporativo começa a dizer o mesmo: em 2024, o Fórum Econômico Mundial apontou os riscos ambientais e climáticos como os maiores desafios do século XXI. Afirmou que a transição para uma economia verde é essencial para a estabilidade econômica global e que não fazer isso representa um risco financeiro sistêmico. Mas são décadas de alertas científicos. Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2001 e 2007, já deixavam isso claro: precisamos de transformações profundas nos setores de energia, transporte, agricultura e indústria, ou seja, mudanças estruturais nos pilares da economia global. Em 2007, o IPCC afirmou que mudanças tecnológicas e políticas públicas não bastam sem uma reconfiguração dos padrões de produção e consumo.

Como justificar que o governo continue financiando os mesmos setores predatórios, como se não houvesse amanhã?

Nesse contexto, é preciso entender o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo o Artigo 3º do estatuto da empresa pública, criada em 1952, o BNDES “é o principal instrumento de execução da política de investimento do Governo Federal e tem por objetivo primordial apoiar programas, projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do País”.

Mas por que o BNDES ainda opera com uma visão de desenvolvimento tão ultrapassada? Captura corporativa? Interferência do mercado nos rumos do país?

A “estratégia” adotada há cinco décadas pelo BNDES moldou a estrutura econômica do país ao direcionar investimentos públicos para setores altamente poluentes e de grande impacto ambiental, como siderurgia, petróleo e papel e celulose. Esses setores não cresceram sozinhos — foram impulsionados com dinheiro público. Essa lógica contribuiu para a baixa alocação de recursos em iniciativas voltadas à economia verde, que, embora promissoras, apresentam horizontes de retorno mais longos e exigem inovações tecnológicas significativas. Mudar esse cenário exige alinhar os incentivos financeiros às necessidades de um desenvolvimento sustentável e inclusivo, o que passa por redefinir prioridades e romper com o vício histórico de financiar quem mais devasta.

Se a Constituição exige justiça social e equilíbrio ambiental, se a ciência aponta há décadas a urgência da transição, e se o dinheiro público molda os rumos da economia, então é dever do Estado investir onde está o futuro — e não onde reside a destruição.

 

Fonte: Por Patrícia Kalil, em Outras 

 

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