Por
que o BNDES não financia o Brasil sustentável?
Por que
o governo ainda investe menos na economia verde, enquanto empresta bilhões a
setores que destroem o futuro do Brasil? Todo governo tem a obrigação de
ajustar a rota de colisão e planejar o futuro fundamentado na promoção do bem
de todos, construindo uma sociedade justa e solidária e reduzindo as
desigualdades sociais. E as urgências do nosso tempo estão escancaradas: crise
climática, crise hídrica, insegurança alimentar, colapso sanitário e a
histórica falta de moradia, agora agravada pelo aumento acelerado de deslocados
do clima.
Sérgio
Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, apontou que o BNDES destinou
menos de 25% dos seus desembolsos à economia verde em 2023. “A atual gestão tem
méritos: aumentou os recursos para a agenda, que estavam rebaixados a 14% em
2021. Ainda assim, é pouco. Se o plano do ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
é a ‘transformação ecológica’ da economia, são os negócios sustentáveis que
devem abocanhar 75% do montante.”
Para
mudar esse cenário, o Projeto de Lei Complementar nº 176/2024, em tramitação na
Câmara dos Deputados, propõe:
(1)
democratizar os conselhos de administração dos bancos públicos, incluindo
cientistas, representantes de povos tradicionais e comunidades afetadas por
eventos extremos;
(2)
aprimorar a transparência sobre os desembolsos, com divulgação obrigatória das
emissões financiadas, por setor e região; e
(3)
definir metas para redirecionamento de recursos, com percentuais claros para
atividades de baixa emissão.
Está na
Constituição Federal: o Estado não pode usar a economia apenas para gerar lucro
privado. A ordem econômica, segundo o Artigo 170, deve ser “fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com o fim de assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. E isso deve ser
feito, segundo a letra da lei, observando princípios como a defesa do meio
ambiente (VI) e a redução das desigualdades regionais e sociais (VII). Ou seja:
a Constituição já determina que o dinheiro público deve ser usado para
construir um país mais justo, equilibrado e ambientalmente responsável. Mas não
é isso que acontece.
Agora,
até o topo do mundo corporativo começa a dizer o mesmo: em 2024, o Fórum
Econômico Mundial apontou os riscos ambientais e climáticos como os maiores
desafios do século XXI. Afirmou que a transição para uma economia verde é
essencial para a estabilidade econômica global e que não fazer isso representa
um risco financeiro sistêmico. Mas são décadas de alertas científicos. Os
relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de
2001 e 2007, já deixavam isso claro: precisamos de transformações profundas nos
setores de energia, transporte, agricultura e indústria, ou seja, mudanças
estruturais nos pilares da economia global. Em 2007, o IPCC afirmou que
mudanças tecnológicas e políticas públicas não bastam sem uma reconfiguração dos
padrões de produção e consumo.
Como
justificar que o governo continue financiando os mesmos setores predatórios,
como se não houvesse amanhã?
Nesse
contexto, é preciso entender o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Segundo o Artigo 3º do estatuto da empresa pública,
criada em 1952, o BNDES “é o principal instrumento de execução da política de
investimento do Governo Federal e tem por objetivo primordial apoiar programas,
projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e
social do País”.
Mas por
que o BNDES ainda opera com uma visão de desenvolvimento tão ultrapassada?
Captura corporativa? Interferência do mercado nos rumos do país?
A
“estratégia” adotada há cinco décadas pelo BNDES moldou a estrutura econômica
do país ao direcionar investimentos públicos para setores altamente poluentes e
de grande impacto ambiental, como siderurgia, petróleo e papel e celulose.
Esses setores não cresceram sozinhos — foram impulsionados com dinheiro
público. Essa lógica contribuiu para a baixa alocação de recursos em
iniciativas voltadas à economia verde, que, embora promissoras, apresentam
horizontes de retorno mais longos e exigem inovações tecnológicas
significativas. Mudar esse cenário exige alinhar os incentivos financeiros às
necessidades de um desenvolvimento sustentável e inclusivo, o que passa por
redefinir prioridades e romper com o vício histórico de financiar quem mais
devasta.
Se a
Constituição exige justiça social e equilíbrio ambiental, se a ciência aponta
há décadas a urgência da transição, e se o dinheiro público molda os rumos da
economia, então é dever do Estado investir onde está o futuro — e não onde
reside a destruição.
Fonte:
Por Patrícia Kalil, em Outras
Nenhum comentário:
Postar um comentário