quinta-feira, 10 de abril de 2025

Guerra comercial: a China diz não a Trump

Na segunda-feira (7/4), o poderoso Japão, até então impávido, pareceu ceder. Diante das tarifas impostas Making China Great Again,sobre seus produtos por Donald Trump (24%) e da queda abrupta da bolsa de valores de Tóquio (-20%, em três dias), o primeiro-ministro Shighero Ishiba chamou Donald Trump ao telefone e, após 25 minutos, concordou em enviar a Washington uma delegação que tentará uma barganha. O presidente dos EUA esnobou recorrendo às maiúsculas, em sua rede social: “Eles não compram nossos carros, mas nós compramos MILHÕES dos deles. Tudo tem que mudar, mas especialmente com a CHINA”.

Ishiba não foi o único a ceder. A revista Economist relata que, segundo a Casa Branca, 70 governos – entre eles o do Brasil – procuraram os EUA para abrir negociações desde que Trump exibiu, em 2/4, um placar com números esotéricos e decretou seu grande tarifaço. A exceção é, precisamente, o alvo prioritário de Trump: a China.

Em 4/4, depois de ser atingido por três rodadas de sobretaxas aduaneiras, o governo chinês reagiu e impôs – além de outras medidas dolorosas, porém discretas – uma vistosa alíquota de 34% sobre todos os produtos norte-americanos. Trump retrucou em poucas horas, “exigindo” a retirada da medida e ameaçando impor, em caso de não haver recuo, mais 50%. Deu prazo: zero hora de 8/4. Os chineses reagiram 24 antes, e o fizeram com calculado desdém. A resposta ao presidente dos EUA veio por meio de uma mera nota do Ministério do Comércio chinês. Ela apontava, na atitude de Washington, “um erro em cima de outro erro”, qualificava o gesto de “extorsivo” e alertava que a China “lutará até o fim” contra tal tipo de prática. Os 50% suplementares entrarão em vigor em 9/4. Espera-se para breve um novo lance de Pequim.

Há menos de duas décadas, as economias chinesa e norte-americana estavam tão integradas entre si que havia quem falasse na existência de “G-2”, que – protagonizado evidentemente por Washington… – influenciava fortemente a política internacional. Que mudanças deram a Pequim a margem de manobra de que parece desfrutar agora? Outra matéria, na última edição de Economist, ajuda a compreender. A revista, espécie de porta-voz do liberalismo e do eurocentrismo ilustrados, é insuspeita de simpatias pela China. Seu texto revela, com base em fatos, como a autonomia chinesa foi alcançada; e como a chantagem de Trump poderá surtir efeito oposto ao esperado, tanto no terreno econômico quanto no geopolítico.

A China agiu diligentemente para defender-se dos EUA, mostra a Economist. As primeiras sobretaxas a suas importações vieram no primeiro governo Trump, e foram agravadas por seu sucessor, Joe Biden. Produziram efeito considerável – redução de cerca de 0,8% no PIB chinês. E não houve apenas restrições comerciais. Em agosto de 2018, Washington proibiu a venda de equipamentos e softwares a duas empresas chinesas, Huawey e ZTE. A primeira, então a maior fabricante mundial de celulares, foi forçada a retirar-se por anos deste mercado. Salvou-se da falência graças ao apoio de Pequim. A Casa Branca voltou à carga, já com Biden. Em 2022, tentou-se estrangular o rápido desenvolvimento de inteligência artificial na China. Foram banidas as exportações, para o país, tanto de chips avançados quanto das máquinas utilizadas para fabricá-los. As sanções têm caráter extraterrritorial: atingem também empresas estrangeiras, que, caso forneçam a Pequim, sofrem punições em Washington.

A China adotou um conjunto de medidas para livrar-se desta dependência. Os EUA, que eram o destino de mais de 20% de suas exportações, agora compram menos de 15% dos produtos chineses. Mas mais importantes foram os passos tecnológicos. Lançado ainda antes das sanções (em 2015), o plano estratégico Made in China 2025 procurou transformar a indústria do país. A China já era, então, a “fábrica do mundo”, mas parte considerável de sua produção era intensiva em trabalho, e de baixo valor agregado. A ênfase foi desenvolver as chamadas “novas forças produtivas”: apostar em setores industriais e de serviços de alta tecnologia – como semicondutores, farmacêutica avançada, robótica, Making China Great Again,biomedicina, novos materiais, inteligência artificial, equipamento ferroviário de última geração. Enormes somas foram destinadas a universidades e centros de pesquisa. O Estado estimulou – e direcionou a ação – tanto de grandes laboratórios públicos como de startups privadas.

Os resultados já surgiram. Há quase um ano, a Economist avaliou que o ataque à Huawey foi um tiro no pé. Outra publicação liberal, Foreign Affairs, reconheceu à mesma época que o banimento das vendas de chips terminaria ajudando Pequim, que os desenvolveria autonomamente. O lançamento do DeepSeek, no início deste ano, confirmou estes temores. Talvez o mais relevante seja, porém, o que a China prepara-se para fazer, diante das sobretaxas estratosféricas de Trump.

As medidas vão terminar Making China Great Againadverte Economist, numa blague com MAGA, o mote central do presidente. É que, diante inevitável redução das exportações para os EUA, o Estado chinês já se prepara para adotar um conjunto de medidas para ampliar o consumo interno. Há muito espaço para isso, mostra a revista. O gasto das famílias corresponde a menos de 40% do PIB – contra quase 70% nos EUA, mais de 60% no Brasil e entre 50% e 60% na França e Alemanha.

A aposta no consumo interno já começou a ser feita, aliás. Há anos, Pequim trabalha para enfrentar a crise que atingiu o setor imobiliário, autorizado a funcionar por cerca de uma década segundo lógicas capitalistas. As empresas do setor sofreram intervenção do Estado. Recursos públicos foram destinados à compra de apartamentos, vendidos à população com subsídios. Há sinais de que o pior passou, reconhece a Economist. E vem aí uma espécie de “pacote de bondades”.

O Estado emitiu moeda de modo farto (o equivalente a US$ 830 bilhões) para livrar os governos provinciais e locais de dívida. A medida está permitindo-lhes ampliar políticas de transferência de renda à população e investimentos em infraestrutura (muito decentralizados no país). Os salários dos servidores públicos e as aposentadorias foram elevados. Há estímulos à alta do salário mínimo (também definido regionalmente). O economista brasileiro Elias Jabbour frisa a relevância de outra virada: concentrar o desenvolvimento urbano não mais em grandes obras, mas na garantia de serviços públicos de Saúde e Educação de alta qualidade.

É provável que a arrogância de Trump abra mais espaço para Pequim também no terreno geopolítico. Como as sanções dos EUA atingem dezenas de países, e a Casa Branca parece pouco disposta a estabelecer diálogo franco com a maior parte deles (vide os comentários acerca do Japão), a China poderá ter meios para ensaiar parcerias inclusive com aliados tradicionais de Washington. Pequim não está perdendo tempo. Em 22/3, o chanceler Wang Yi encontrou-se em Tóquio com seu colega sul-coreano e com o primeiro-ministro do Japão. Reuniões do mesmo caráter não ocorriam há seis anos. Se voltaram a ter lugar é porque os dois países, vistos como os principais anteparos da ordem liberal ao poder chinês na Ásia, podem não estar se sentindo tão confortáveis nesta posição.

Igualmente significativo foi um longo telefonema trocado, nesta terça-feira (8/3), pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen e o primeiro-ministro chinês, Li Qiang. Segundo o jornal chinês Global Times, eles debateram meios de garantir a “estabilidade e previsibilidade” das relações comerciais e modos para redirecionar as respectivas exportações aos EUA, após a imposição do tarifaço. Sinais dos tempos… – e de que Trump terá dificuldades para impor sua agenda aos governantes que espera receber em Washington.

Chama atenção, em todo o episódio, o vácuo aberto para uma parceria Sul-Sul. Os governantes chineses têm declarado seguidamente que se veem neste lado do planeta e que suas alianças prioritárias tendem a se dar por aqui. Por sua relevância geoestratégica e econômica, o Brasil teria amplas condições de ser parte deste arranjo, e talvez de ajudar a liderá-lo. Infelizmente, sob Lula 3 a diplomacia do país já não parece ser nem ativa, nem altiva…

¨      O que guerra comercial entre EUA e China significa para o mundo

Uma guerra comercial de grandes proporções entre a China e os Estados Unidos está no horizonte com a escalada de tensão em torno das tarifas impostas pelo presidente americano, Donald Trump, sobre as importações de produtos chineses e da retaliação do país asiático.

Após anunciar, em 2 de abril, tarifa adicional de 34% sobre os importados chineses, o republicano havia elevado a alíquota a 104%, com vigência a partir desta quarta-feira (9/4), em reação à resposta chinesa, que havia, por sua vez, estabelecido tarifa de 34% sobre todos os produtos americanos que entrassem no país a partir de quinta-feira.

Menos de 24 horas depois do salto para 104%, contudo, Trump divulgou um novo acréscimo e elevou o percentual a 125%.

Ele também afirmou ter autorizado uma "pausa" de 90 dias na aplicação de tarifas aos países que não retaliaram os EUA, mas não está claro como será o mecanismo e quais países, especificamente, serão beneficiados. O Brasil, taxado em 10%, não anunciou retaliações.

Horas antes, a China havia anunciado novo revide, subindo a tarifa imposta dos produtos americanos para 84%.

O país afirmou que "vai lutar até o fim" em vez de se render ao que considera coerção americana.

Mas, afinal, o que a escalada deste conflito comercial significa para a economia mundial?

<><> Qual o volume das transações comerciais entre eles?

O comércio de mercadorias entre as duas potências econômicas somou cerca de US$ 585 bilhões no ano passado.

Os EUA importaram consideravelmente mais da China (US$ 440 bilhões) do que os chineses importaram dos americanos (US$ 145 bilhões).

Isso deixou os EUA com um déficit comercial em relação à China — a diferença entre o que importa e o que exporta — de US$ 295 bilhões em 2024. Um déficit considerável, equivalente a cerca de 1% da economia americana.

Mas é menor do que o valor de US$ 1 trilhão que Trump alegou repetidamente nesta semana.

Trump já impôs tarifas significativas sobre a China em seu primeiro mandato como presidente. Estas tarifas foram mantidas e ampliadas por seu sucessor, Joe Biden.

Juntas, essas barreiras comerciais ajudaram a reduzir a participação dos produtos chineses no total de importações dos EUA, que caiu de 21% em 2016 para 13% no ano passado.

Portanto, a dependência comercial dos EUA em relação à China diminuiu na última década.

No entanto, analistas destacam que algumas exportações de produtos chineses para os EUA foram redirecionadas por meio de países do Sudeste Asiático.

Por exemplo, o governo Trump impôs tarifas de 30% sobre painéis solares importados da China em 2018.

Mas o Departamento de Comércio dos EUA apresentou evidências em 2023 de que os fabricantes chineses de painéis solares haviam transferido suas operações de montagem para países como Malásia, Tailândia, Camboja e Vietnã — e estavam enviando os produtos finais para os EUA a partir destes países, driblando assim as tarifas.

As novas tarifas "recíprocas" a serem impostas a estes países vão aumentar, portanto, o preço nos EUA de uma ampla variedade de produtos que, no fim das contas, têm origem na China.

<><> O que os EUA e a China importam um do outro?

Em 2024, a principal categoria de exportação dos EUA para a China foi a soja — usada principalmente para alimentar os cerca de 440 milhões de porcos do país.

Os EUA também exportaram produtos farmacêuticos e petróleo para a China.

No sentido oposto, da China para os EUA, foram exportados grandes volumes de eletrônicos, computadores e brinquedos. Uma grande quantidade de baterias, que são vitais para veículos elétricos, também foi exportada.

A principal categoria de importação dos EUA da China foi a de smartphones, representando 9% do total. Uma grande parte destes dispositivos é fabricada na China para a Apple, multinacional com sede nos EUA.

As tarifas dos EUA sobre a China foram um dos principais fatores que contribuíram para a queda do valor de mercado da Apple nas últimas semanas, com o preço de suas ações caindo 20% no último mês.

Todos estes produtos importados da China pelos EUA já estavam fadados a se tornar consideravelmente mais caros para os americanos devido à tarifa de 20% que o governo Trump já havia imposto a Pequim.

Se a tarifa subir para 104% — para todas as mercadorias —, o impacto pode ser cinco vezes maior.

E os produtos americanos importados pela China também vão ficar mais caros devido às tarifas retaliatórias chinesas anunciadas nesta quarta-feira, de 84%, o que vai acabar prejudicando os consumidores de forma semelhante no país asiático.

Mas, além das tarifas, há outras maneiras pelas quais estas duas nações podem tentar se prejudicar mutuamente por meio do comércio.

A China tem um papel central no refino de muitos metais vitais para a indústria, desde cobre e lítio até terras raras.

Pequim poderia colocar obstáculos para que estes metais cheguem aos EUA — algo que já foi feito no caso de dois elementos, germânio e gálio, que são usados pelas Forças Armadas em mapeamento térmico de imagens e radar.

Já os EUA poderiam tentar reforçar o bloqueio tecnológico contra a China iniciado por Joe Biden, dificultando a importação de microchips avançados — vitais para aplicações como inteligência artificial —, que a China ainda não consegue produzir sozinha.

Peter Navarro, assessor comercial de Donald Trump, sugeriu nesta semana que os EUA poderiam pressionar outros países, incluindo Camboja, México e Vietnã, a não negociar com a China se quiserem continuar exportando para os EUA.

<><> Como isso pode afetar outros países?

Os EUA e a China juntos representam uma enorme parcela da economia global, cerca de 43% neste ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Se eles prolongarem a guerra comercial total que desacelere seu crescimento, ou leve até mesmo à recessão, isso provavelmente vai prejudicar as economias de outros países na forma de um crescimento global mais lento.

O investimento global também irá sofrer.

E há outras possíveis consequências.

A China é a maior nação manufatureira do mundo, e está produzindo muito mais do que sua população consome internamente.

O país já tem um superávit comercial de quase US$ 1 trilhão — o que significa que está exportando mais produtos para o resto do mundo do que importando.

E, muitas vezes, está produzindo estas mercadorias abaixo do custo real de produção, graças a subsídios domésticos e apoio financeiro do Estado, como empréstimos baratos para empresas favorecidas.

O aço é um exemplo disso.

Há um risco de que, se esses produtos não puderem entrar nos EUA, as empresas chinesas podem tentar praticar "dumping" (prática comercial desleal que consiste na venda de um produto abaixo de seu custo para prejudicar a concorrência) no exterior.

Embora isso possa ser benéfico para alguns consumidores, também poderia prejudicar produtores locais em outros países, ameaçando empregos e salários.

O grupo de lobby UK Steel já alertou sobre o perigo de o excesso de aço ser potencialmente redirecionado para o mercado do Reino Unido.

Os efeitos colaterais de uma guerra comercial total entre a China e os EUA seriam sentidos globalmente — e a maioria dos economistas avalia que o impacto seria extremamente negativo.

 

Fonte: Por Antonio Martins , em Outras Palavras/BBC News Brasil

 

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