Guerra
comercial: a China diz não a Trump
Na
segunda-feira (7/4), o poderoso Japão, até então impávido, pareceu ceder.
Diante das tarifas impostas Making China Great Again,sobre seus produtos
por Donald Trump (24%) e da queda abrupta da bolsa de valores de Tóquio (-20%,
em três dias), o primeiro-ministro Shighero Ishiba chamou Donald Trump ao
telefone e, após 25 minutos, concordou em enviar a Washington uma delegação que
tentará uma barganha. O presidente dos EUA esnobou recorrendo às
maiúsculas, em sua rede social: “Eles não compram nossos carros, mas nós
compramos MILHÕES dos deles. Tudo tem que mudar, mas especialmente com a
CHINA”.
Ishiba
não foi o único a ceder. A revista Economist relata que, segundo a
Casa Branca, 70 governos – entre eles o do Brasil – procuraram os EUA para
abrir negociações desde que Trump exibiu, em 2/4, um placar com números
esotéricos e decretou seu grande tarifaço. A exceção é, precisamente, o alvo
prioritário de Trump: a China.
Em 4/4,
depois de ser atingido por três rodadas de sobretaxas aduaneiras, o governo
chinês reagiu e impôs – além de outras medidas dolorosas, porém discretas – uma
vistosa alíquota de 34% sobre todos os produtos norte-americanos. Trump
retrucou em poucas horas, “exigindo” a retirada da medida e ameaçando impor, em
caso de não haver recuo, mais 50%. Deu prazo: zero hora de 8/4. Os chineses
reagiram 24 antes, e o fizeram com calculado desdém. A resposta ao presidente
dos EUA veio por meio de uma mera nota do Ministério do Comércio chinês. Ela
apontava, na atitude de Washington, “um erro em cima de outro erro”,
qualificava o gesto de “extorsivo” e alertava que a China “lutará até o fim”
contra tal tipo de prática. Os 50% suplementares entrarão em vigor em 9/4.
Espera-se para breve um novo lance de Pequim.
Há
menos de duas décadas, as economias chinesa e norte-americana estavam tão
integradas entre si que havia quem falasse na existência de “G-2”, que –
protagonizado evidentemente por Washington… – influenciava fortemente a
política internacional. Que mudanças deram a Pequim a margem de manobra de que
parece desfrutar agora? Outra matéria, na última edição
de Economist, ajuda a compreender. A revista, espécie de
porta-voz do liberalismo e do eurocentrismo ilustrados, é insuspeita de
simpatias pela China. Seu texto revela, com base em fatos, como a autonomia
chinesa foi alcançada; e como a chantagem de Trump poderá surtir efeito oposto
ao esperado, tanto no terreno econômico quanto no geopolítico.
A China
agiu diligentemente para defender-se dos EUA, mostra a Economist. As
primeiras sobretaxas a suas importações vieram no primeiro governo Trump, e
foram agravadas por seu sucessor, Joe Biden. Produziram efeito considerável –
redução de cerca de 0,8% no PIB chinês. E não houve apenas restrições
comerciais. Em agosto de 2018, Washington proibiu a venda de equipamentos e
softwares a duas empresas chinesas, Huawey e ZTE. A primeira, então a maior
fabricante mundial de celulares, foi forçada a retirar-se por anos deste
mercado. Salvou-se da falência graças ao apoio de Pequim. A Casa Branca voltou
à carga, já com Biden. Em 2022, tentou-se estrangular o rápido desenvolvimento
de inteligência artificial na China. Foram banidas as exportações, para o país,
tanto de chips avançados quanto das máquinas utilizadas para fabricá-los. As
sanções têm caráter extraterrritorial: atingem também empresas estrangeiras,
que, caso forneçam a Pequim, sofrem punições em Washington.
A China
adotou um conjunto de medidas para livrar-se desta dependência. Os EUA, que
eram o destino de mais de 20% de suas exportações, agora compram menos de 15%
dos produtos chineses. Mas mais importantes foram os passos tecnológicos.
Lançado ainda antes das sanções (em 2015), o plano estratégico Made in China 2025 procurou transformar a indústria do
país. A China já era, então, a “fábrica do mundo”, mas parte considerável de
sua produção era intensiva em trabalho, e de baixo valor agregado. A ênfase foi
desenvolver as chamadas “novas forças produtivas”: apostar em setores
industriais e de serviços de alta tecnologia – como semicondutores,
farmacêutica avançada, robótica, Making China Great Again,biomedicina, novos
materiais, inteligência artificial, equipamento ferroviário de última geração.
Enormes somas foram destinadas a universidades e centros de pesquisa. O Estado
estimulou – e direcionou a ação – tanto de grandes laboratórios públicos como
de startups privadas.
Os
resultados já surgiram. Há quase um ano, a Economist avaliou
que o ataque à Huawey foi um tiro no pé. Outra publicação
liberal, Foreign Affairs, reconheceu à mesma época
que o banimento das vendas de chips terminaria ajudando Pequim, que os
desenvolveria autonomamente. O lançamento do DeepSeek, no início deste ano,
confirmou estes temores. Talvez o mais relevante seja, porém, o que a China
prepara-se para fazer, diante das sobretaxas estratosféricas de Trump.
As
medidas vão terminar Making China Great Again, adverte Economist, numa
blague com MAGA, o mote central do presidente. É que, diante inevitável redução
das exportações para os EUA, o Estado chinês já se prepara para adotar um
conjunto de medidas para ampliar o consumo interno. Há muito espaço para
isso, mostra a revista. O
gasto das famílias corresponde a menos de 40% do PIB – contra quase 70% nos
EUA, mais de 60% no Brasil e entre 50% e 60% na França e Alemanha.
A
aposta no consumo interno já começou a ser feita, aliás. Há anos, Pequim
trabalha para enfrentar a crise que atingiu o setor imobiliário, autorizado a
funcionar por cerca de uma década segundo lógicas capitalistas. As empresas do
setor sofreram intervenção do Estado. Recursos públicos foram destinados à
compra de apartamentos, vendidos à população com subsídios. Há sinais de que o
pior passou, reconhece a Economist. E
vem aí uma espécie de “pacote de bondades”.
O
Estado emitiu moeda de modo farto (o equivalente a US$ 830 bilhões) para livrar
os governos provinciais e locais de dívida. A medida está permitindo-lhes
ampliar políticas de transferência de renda à população e investimentos em
infraestrutura (muito decentralizados no país). Os salários dos servidores
públicos e as aposentadorias foram elevados. Há estímulos à alta do salário
mínimo (também definido regionalmente). O economista brasileiro Elias Jabbour
frisa a relevância de outra virada: concentrar o desenvolvimento urbano não
mais em grandes obras, mas na garantia de serviços públicos de Saúde e Educação
de alta qualidade.
É
provável que a arrogância de Trump abra mais espaço para Pequim também no
terreno geopolítico. Como as sanções dos EUA atingem dezenas de países, e a
Casa Branca parece pouco disposta a estabelecer diálogo franco com a maior
parte deles (vide os comentários acerca do Japão), a China poderá ter meios
para ensaiar parcerias inclusive com aliados tradicionais de Washington. Pequim
não está perdendo tempo. Em 22/3, o chanceler Wang Yi encontrou-se em Tóquio com seu colega
sul-coreano e com o primeiro-ministro do Japão. Reuniões do mesmo caráter não
ocorriam há seis anos. Se voltaram a ter lugar é porque os dois países, vistos
como os principais anteparos da ordem liberal ao poder chinês na Ásia, podem
não estar se sentindo tão confortáveis nesta posição.
Igualmente
significativo foi um longo telefonema trocado, nesta terça-feira
(8/3), pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen e o
primeiro-ministro chinês, Li Qiang. Segundo o jornal chinês Global
Times, eles debateram meios de garantir a “estabilidade e
previsibilidade” das relações comerciais e modos para redirecionar as
respectivas exportações aos EUA, após a imposição do tarifaço. Sinais dos
tempos… – e de que Trump terá dificuldades para impor sua agenda aos
governantes que espera receber em Washington.
Chama
atenção, em todo o episódio, o vácuo aberto para uma parceria Sul-Sul. Os
governantes chineses têm declarado seguidamente que se veem neste lado do
planeta e que suas alianças prioritárias tendem a se dar por aqui. Por sua
relevância geoestratégica e econômica, o Brasil teria amplas condições de ser
parte deste arranjo, e talvez de ajudar a liderá-lo. Infelizmente, sob Lula 3 a
diplomacia do país já não parece ser nem ativa, nem altiva…
¨
O que guerra comercial entre EUA e China significa para o
mundo
Uma guerra comercial de grandes proporções
entre a China e os Estados Unidos está no horizonte com a escalada de tensão em torno
das tarifas impostas pelo presidente americano, Donald Trump, sobre as importações de produtos chineses e da
retaliação do país asiático.
Após anunciar, em 2 de abril, tarifa adicional
de 34% sobre os importados chineses, o
republicano havia elevado a alíquota a 104%, com vigência a partir desta
quarta-feira (9/4), em reação à resposta chinesa, que havia, por sua vez,
estabelecido tarifa de 34% sobre todos os produtos americanos que entrassem no
país a partir de quinta-feira.
Menos de 24 horas depois do salto para 104%,
contudo, Trump divulgou um novo acréscimo e elevou o percentual a 125%.
Ele também afirmou ter autorizado uma
"pausa" de 90 dias na aplicação de tarifas aos países que não
retaliaram os EUA, mas não está claro como será o mecanismo e quais países,
especificamente, serão beneficiados. O Brasil, taxado em 10%, não anunciou
retaliações.
Horas antes, a China havia anunciado novo
revide, subindo a tarifa imposta dos produtos americanos para 84%.
O país afirmou que "vai lutar até o
fim" em vez de se render ao que considera coerção americana.
Mas, afinal, o que a escalada deste conflito
comercial significa para a economia mundial?
<><> Qual o volume das transações
comerciais entre eles?
O comércio de mercadorias entre as duas
potências econômicas somou cerca de US$ 585 bilhões no ano passado.
Os EUA importaram consideravelmente mais da
China (US$ 440 bilhões) do que os chineses importaram dos americanos (US$ 145
bilhões).
Isso deixou os EUA com um déficit comercial
em relação à China — a diferença entre o que importa e o que exporta — de US$
295 bilhões em 2024. Um déficit considerável, equivalente a cerca de 1% da
economia americana.
Mas é menor do que o valor de US$ 1 trilhão
que Trump alegou repetidamente nesta semana.
Trump já impôs tarifas significativas sobre a
China em seu primeiro mandato como presidente. Estas tarifas foram mantidas e
ampliadas por seu sucessor, Joe Biden.
Juntas, essas barreiras comerciais ajudaram a
reduzir a participação dos produtos chineses no total de importações dos EUA,
que caiu de 21% em 2016 para 13% no ano passado.
Portanto, a dependência comercial dos EUA em
relação à China diminuiu na última década.
No entanto, analistas destacam que algumas
exportações de produtos chineses para os EUA foram redirecionadas por meio de
países do Sudeste Asiático.
Por exemplo, o governo Trump impôs tarifas de
30% sobre painéis solares importados da China em 2018.
Mas o Departamento de Comércio dos EUA
apresentou evidências em 2023 de que os fabricantes chineses de painéis solares
haviam transferido suas operações de montagem para países como Malásia,
Tailândia, Camboja e Vietnã — e estavam enviando os produtos finais para os EUA
a partir destes países, driblando assim as tarifas.
As novas tarifas "recíprocas" a
serem impostas a estes países vão aumentar, portanto, o preço nos EUA de uma
ampla variedade de produtos que, no fim das contas, têm origem na China.
<><> O que os EUA e a China
importam um do outro?
Em 2024, a principal categoria de exportação
dos EUA para a China foi a soja — usada principalmente para alimentar os cerca
de 440 milhões de porcos do país.
Os EUA também exportaram produtos
farmacêuticos e petróleo para a China.
No sentido oposto, da China para os EUA,
foram exportados grandes volumes de eletrônicos, computadores e brinquedos. Uma
grande quantidade de baterias, que são vitais para veículos elétricos, também
foi exportada.
A principal categoria de importação dos EUA
da China foi a de smartphones, representando 9% do total. Uma grande parte
destes dispositivos é fabricada na China para a Apple, multinacional com sede
nos EUA.
As tarifas dos EUA sobre a China foram um dos
principais fatores que contribuíram para a queda do valor de mercado da Apple
nas últimas semanas, com o preço de suas ações caindo 20% no último mês.
Todos estes produtos importados da China
pelos EUA já estavam fadados a se tornar consideravelmente mais caros para os
americanos devido à tarifa de 20% que o governo Trump já havia imposto a
Pequim.
Se a tarifa subir para 104% — para todas as
mercadorias —, o impacto pode ser cinco vezes maior.
E os produtos americanos importados pela
China também vão ficar mais caros devido às tarifas retaliatórias chinesas
anunciadas nesta quarta-feira, de 84%, o que vai acabar prejudicando os
consumidores de forma semelhante no país asiático.
Mas, além das tarifas, há outras maneiras
pelas quais estas duas nações podem tentar se prejudicar mutuamente por meio do
comércio.
A China tem um papel central no refino de
muitos metais vitais para a indústria, desde cobre e lítio até terras raras.
Pequim poderia colocar obstáculos para que
estes metais cheguem aos EUA — algo que já foi feito no caso de dois elementos,
germânio e gálio, que são usados pelas Forças Armadas em mapeamento térmico de
imagens e radar.
Já os EUA poderiam tentar reforçar o bloqueio
tecnológico contra a China iniciado por Joe Biden, dificultando a importação de
microchips avançados — vitais para aplicações como inteligência
artificial —, que a China ainda não consegue
produzir sozinha.
Peter Navarro, assessor comercial de Donald
Trump, sugeriu nesta semana que os EUA poderiam pressionar outros países,
incluindo Camboja, México e Vietnã, a não negociar com a China se quiserem
continuar exportando para os EUA.
<><> Como isso pode afetar outros
países?
Os EUA e a China juntos representam uma
enorme parcela da economia global, cerca de 43% neste ano, de acordo com o
Fundo Monetário Internacional (FMI).
Se eles prolongarem a guerra comercial total
que desacelere seu crescimento, ou leve até mesmo à recessão, isso
provavelmente vai prejudicar as economias de outros países na forma de um
crescimento global mais lento.
O investimento global também irá sofrer.
E há outras possíveis consequências.
A China é a maior nação manufatureira do
mundo, e está produzindo muito mais do que sua população consome internamente.
O país já tem um superávit comercial de quase
US$ 1 trilhão — o que significa que está exportando mais produtos para o resto
do mundo do que importando.
E, muitas vezes, está produzindo estas
mercadorias abaixo do custo real de produção, graças a subsídios domésticos e
apoio financeiro do Estado, como empréstimos baratos para empresas favorecidas.
O aço é um exemplo disso.
Há um risco de que, se esses produtos não
puderem entrar nos EUA, as empresas chinesas podem tentar praticar "dumping"
(prática comercial desleal que consiste na venda de um produto abaixo de seu
custo para prejudicar a concorrência) no exterior.
Embora isso possa ser benéfico para alguns
consumidores, também poderia prejudicar produtores locais em outros países,
ameaçando empregos e salários.
O grupo de lobby UK Steel já alertou sobre o
perigo de o excesso de aço ser potencialmente redirecionado para o mercado do
Reino Unido.
Os efeitos colaterais de uma guerra comercial
total entre a China e os EUA seriam sentidos globalmente — e a maioria dos
economistas avalia que o impacto seria extremamente negativo.
Fonte:
Por Antonio Martins , em Outras Palavras/BBC News Brasil

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