Por que o real vive dia de 'gangorra' em
relação ao dólar em meio a vai e vem de tarifas de Trump
O dólar à vista chegou a R$ 6,09 na máxima
desta quarta-feira (9/4), mas passou a ser negociado abaixo de R$ 5,90 no meio
da tarde, numa verdadeira "gangorra", em meio à escalada da guerra comercial
entre Estados Unidos e China, depois do
"tarifaço" de Trump.
Já na terça-feira, o real ocupava o terceiro
lugar entre as moedas que mais perderam valor em relação ao dólar, atrás apenas
do dinar líbio e do peso colombiano, segundo ranking elaborado pela agência de
avaliação de risco Austing Rating, com base em dados do Banco Central.
A forte volatilidade cambial teve início em 2
de abril, quando Trump anunciou
uma tarifa básica de 10% para todos os
países que exportam bens aos EUA e tarifas recíprocas adicionais de até 50%
para aqueles com maior déficit comercial com os americanos, com a China taxada
em 34%.
Dois dias depois, em 4 de abril, o governo
chinês respondeu a Trump, retaliando com tarifas de 34% sobre todos os produtos
importados dos Estados Unidos.
Na terça-feira, 8 de abril, Trump dobrou a
aposta, elevando as
tarifas contra a China a 104%, ao que a o
país asiático respondeu nesta quarta-feira com uma taxa de 84% sobre os
produtos americanos.
Rapidamente, Trump novamente subiu o
tom, prometendo taxar
a China em 125%, mas paralisando a taxação sobre os demais
países por 90 dias, o que levou a alta do dólar a perder força em relação ao
real.
Ao mesmo tempo, divisas fortes como o franco
suíço, o iene e o euro estão se valorizando fortemente na comparação com a
moeda americana.
Entenda por que esses movimentos no mercado
de câmbio estão acontecendo.
·
Por que real vive 'sobe
e desce' frente ao dólar
Os mercados financeiros buscam antecipar
acontecimentos futuros para tentar minimizar perdas ou maximizar ganhos, lembra
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
"Nesse momento, essa mudança da ordem
macroeconômica global por meio da aplicação de tarifas indica para os
investidores que há risco de recessão à frente", diz Agostini.
Esse risco decorre do aumento esperado do
custo de produção nos Estados Unidos, o que deve elevar a inflação no país,
levando os juros a serem mantidos em nível alto por mais tempo, o que mais à
frente pode resultar em retração da atividade econômica, já que os juros altos
tornam mais caro consumir e investir.
Com o aumento da percepção de risco, os
investidores deixam mercados mais arriscados, como os emergentes, em busca da
segurança dos mercados maduros.
No caso do Brasil, pesa ainda o fato de que o
país tem uma entrada e saída de fluxo de capitais muito fácil (ou seja, pouco
taxada e sem muitas travas regulatórias), observa Agostini.
Então muitos investidores que estavam
aproveitando os juros altos por aqui para obter ganhos, com a piora de cenário
global redirecionam seus recursos para investimentos considerados mais seguros.
"Agora, a preocupação do investidor não
é ganhar, é perder o menos possível", diz o analista.
Além da alta liquidez do mercado brasileiro,
há ainda outros dois fatores que pesam para que o real seja sempre uma das
moedas que mais se desvaloriza quando acontece qualquer evento global de
aversão ao risco, segundo Luciano Sobral, economista-chefe da Neo
Investimentos.
Um deles é o fato de o Brasil ser um país com
problemas estruturais, com a questão do equilíbrio das contas públicas como
principal preocupação em anos recentes.
O outro motivo é termos uma economia muito
exposta à China, cujo crescimento pode ser afetado em meio à guerra comercial,
prejudicando a demanda pelas commodities brasileiras.
"Todas as moedas que operam em função do
yuan e da economia da China se desvalorizaram [até a terça-feira], e o real
entrou nesse meio, por ter uma economia bastante exposta", diz Sobral.
·
Por que o dólar perde
valor em relação a outras moedas fortes
No entanto, o movimento de desvalorização de
diversas moedas em relação ao dólar não é generalizado, e divisas fortes como o
franco suíço, o iene e o euro estão ganhando valor ante a moeda americana.
Agostini, da Austin Rating, explica que,
normalmente, os títulos do tesouro americano são considerados um "porto
seguro" por investidores em momentos de percepção de piora do risco
global.
Mas, no cenário atual, com o temor de
recessão ou "estagflação" (inflação com economia estagnada) nos EUA,
os investidores estão vendendo títulos do tesouro americano e indo para outros
países considerados mais seguros.
·
E o que esperar para o
dólar à frente
Nesse cenário volátil, é difícil ter
visibilidade sobre o que esperar para o câmbio no restante do ano, dizem os
economistas.
"Enquanto houver essa queda de braço
[entre EUA e China], o mercado deve ficar volátil, com tendência de
desvalorização [do real em relação ao dólar]", diz Agostini, da Austin
Rating.
O economista, no entanto, não mudou sua
projeção de um câmbio a R$ 5,80 ao fim de 2025.
"Isso dependeria de uma acomodação dos
ânimos, com algum entendimento entre as partes. Pode até ter tarifas, mas não
no patamar que estamos vendo hoje, de mais de 100% de um lado e mais de 80% do
outro lado", afirma o analista.
"Ou seja, precisaria de um recuo da Casa
Branca e outro recuo de Pequim, que beneficiaria a todos."
Sobral, da Neo Investimentos, também mantém
sua projeção para o dólar no fim do ano em R$ 5,90, mas observa que é difícil
fazer previsões num mundo que não para de surpreender.
"Primeiro, eu não achava que as tarifas
do 'Liberation Day' seriam aquela loucura completa, depois, eu não achava que a
China retaliaria tão rápido, ou que os Estados Unidos iriam levar a cabo
tarifas de mais de 100% contra a China", enumera Sobral.
"Então já estamos no território de três
camadas de coisas inesperadas que aconteceram e elas não param de acontecer,
então não dá para ter convicção nenhuma quanto a cenários futuros."
Segundo Sobral, se China e EUA chegarem a um
acordo, deve haver uma descompressão rápida do mercado cambial, com o real
voltando para o patamar de R$ 5,80 ou R$ 5,90.
Mas também pode ser que a situação piore e
vejamos uma crise à semelhança da ocorrida em 2008, com duração mais longa, e
que gere mais danos à economia global, desvalorizando o real.
"Ninguém achava que uma economia
desenvolvida tinha potencial para causar tanto estrago na economia global por
conta da vontade de uma pessoa. Estamos nos deparando com uma fragilidade do
sistema inédita", afirma Sobral.
"Todos os freios que se achava que Trump
iria ter, de Congresso, tecnocracia, popularidade, por enquanto não estão
valendo. Então é um elefante desgovernado. Fica difícil fazer conta."
¨
Como as tarifas de Trump
afetam o bolso dos brasileiros
O Brasil escapou do pior cenário na guerra
comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após o governo
americano aplicar a tarifa recíproca mínima de 10% sobre os produtos do país na semana passada.
O quadro coloca o mercado local em vantagem
competitiva em relação aos principais concorrentes no sistema de comércio
global, como a União Europeia (UE), alvo de uma
sobretaxa de 20%.
Ainda assim, economistas esperam algum
impacto no bolso do consumidor brasileiro, sobretudo se houver uma deterioração
da economia mundial.
"Se houver uma queda brutal da demanda
em função de recessão global, é possível que nenhum país saia ganhando, nem
sobre o aspecto setorial", alerta Lucas Ferraz, coordenador do Centro de
Estudos de Negócios Globais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e secretário de
comércio exterior entre 2019 e 2022.
Uma eventual retaliação do governo brasileiro
e a instabilidade do dólar podem ainda encarecer produtos importados e
impulsionar a inflação, que já está em alta. Por outro lado, em um horizonte de
longo prazo, o fechamento do mercado americano deve redirecionar os fluxos
comerciais para o Brasil. O resultado seria o aumento da oferta e a consequente
queda dos preços.
"É um equilíbrio ainda muito difícil de
se prever", explica Ferraz. "Mas certamente é um cenário muito
preocupante para a economia mundial", reforça.
<><> Como o Brasil foi alvo
Os EUA costumam acusar o Brasil de impor
tarifas relativamente altas e outros tipos de barreiras a importações,
particularmente nos setores de etanol, automotivo, químico e siderúrgico.
No entanto, a balança comercial entre as duas maiores economias da América é
superavitária em favor dos americanos há 15 anos – ou seja, eles exportam mais
do que importam.
Como o tarifaço de Trump foi calculado com
base no déficit dos EUA com os outros países, o Brasil acabou alvo da tarifa
mínima de 10%. O valor é bem inferior à taxa cobrada de pares como Japão
(24%), Índia (26%) e China (34%).
"Se colocarmos no relativo, o Brasil não ficou tão mal", ressalta
Ferraz.
Além das recíprocas, Trump já havia
imposto, no mês passado, tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio importado, que também atingem as
exportações brasileiras. As repercussões econômicas ao país, porém, tendem a
ser mais brandas, afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
"A economia brasileira vai crescer
menos, terá um pouco mais de desemprego, mas a guerra tarifária não tem um
impacto tão dramático assim no nosso cenário econômico", diz.
De qualquer forma, o ambiente global mais
adverso impõe pressão sobre economias emergentes, como é o caso do Brasil. Nos
últimos dias, os mercados
financeiros enfrentaram nervosismo em
meio aos anúncios tarifários, o que derrubou bolsas de valores em todo o mundo.
O movimento reflete o temor de que uma piora
no ambiente de negócios debilite a atividade econômica americana. O banco de
investimentos Goldman Sachs, inclusive, aumentou de 35%
para 45% a chance de que os EUA entrem em uma recessão – geralmente caracterizada como um período de dois
trimestres consecutivos de encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB).
<><> Tarifaço deve atingir
inflação
Para o Brasil, a crise internacional chegaria
em um momento em que as condições domésticas já estão se agravando. No mês
passado, o Banco Central elevou os juros básicos em 1 ponto porcentual, para
14,25%, maior nível desde 2016. Uma das justificativas para a decisão foi a
incerteza tarifária. "O ambiente externo permanece desafiador em
função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos", destacou
o Comitê de Política Monetária.
Somada à desaceleração dos setores de
comércio, serviço e indústria, a guerra comercial contribuirá para um aumento
da taxa de desemprego, atualmente em 6,5%, diz Vale, da MB Associados. "A
economia vai crescer entre 1,5% e 2%, cerca de metade do crescimento do ano
passado. Isso vai ter implicações no mercado de trabalho", prevê.
Outro fator que complica as perspectivas é a
resposta dos países afetados. A China já
reagiu a Trump com o anúncio de uma tarifa de 34%. A
União Europeia (UE) discute um pacote mais amplo de retaliação, embora tenha
sinalizado abertura ao diálogo.
No Brasil, o Congresso
aprovou um projeto de reciprocidade que oferece instrumentos para uma reação ao
tarifaço de Trump. Se o país responder com sobretaxas de
nível similar às dos EUA, a inflação brasileira tende a subir, afirma Vale.
"Não acho que o Brasil vai querer entrar em uma guerra comercial, porque a
nossa inflação não está baixa”, especula.
O economista vê riscos relacionados ao setor
de alimentos. Neste caso, a posição protecionista dos EUA pode levar o
agronegócio brasileiro a exportar mais soja, milho, carne e outros produtos
para a China, com objetivo de suprir essa demanda. No curto prazo, o movimento
reduziria a produção para consumo doméstico. No longo prazo, porém, o efeito
seria revertido.
Fechamento do mercado americano pode gerar
oportunidades ao agronegócio brasileiroFoto: SILVIO AVILA/AFP/Getty Images
A volatilidade do dólar, como consequência
das medidas, também pode levar a ajustes nos preços. Em meio aos eventos mais
recentes, o dólar se desvalorizou diante de expectativas pessimistas para a
economia dos EUA. Mas a guerra comercial ainda pode gerar uma corrida de
investidores em direção à segurança da divisa americana, o que encareceria o
dólar, segundo análise do banco holandês ING.
<><> Oportunidades para o Brasil
Por outro lado, a escalada do protecionismo
americano também abre uma janela de oportunidades ao Brasil, que poderia afetar
positivamente as finanças das famílias. Tarifas americanas mais altas contra
concorrentes diretos ajudam a abrir o mercado brasileiro nos setores mais
fortes da economia nacional. A China, por exemplo, anunciou retaliação focada
no agronegócio dos EUA.
"Olhando para a guerra
comercial que está vindo por aí, temos uma economia com um potencial
positivo justamente nos setores em que nós mais produzimos, que são as
commodities agropecuárias, a mineração e o petróleo", ressalta Vale.
Para o economista André Valério, do Banco
Inter, o Brasil tende a ganhar participação em mercados como o chinês, diante
do redirecionamento da demanda dos países afetados. "O fato de o Brasil
ter sido menos taxado tornará os nossos produtos relativamente mais
competitivos em relação aos outros países, o que pode permitir maiores
exportações aos Estados Unidos", avalia.
Fonte: DW Brasil
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