Tio Sam chora de barriga cheia
Além de incompetente, irracional e
estupidamente imprevisível, Donald Trump é um ingrato. Pior, é um tipo que
chora de barriga cheia.
Considerando apenas os bens, ou seja,
produtos físicos, a balança comercial dos EUA está de fato muito deficitária,
chegando a US$ 1,2 trilhão negativos em 2024. Não que isso seja um problema.
Não é.
Mas é importante recordar que os EUA são
também um grande exportador – o maior do mundo – de serviços.
Como serviços, entende-se a exportação de
assinaturas de serviços de streaming, turismo nos EUA, venda de patentes,
softwares, serviços tecnológicos variados.
Em 2024, por exemplo, os EUA exportaram US$
1,1 trilhão apenas em serviços.
No acumulado de janeiro a fevereiro de 2025,
as exportações americanas de serviços totalizaram US$ 193,4 bilhões, 8% de
aumento sobre o ano anterior – e um recorde histórico.
Se considerássemos apenas o comércio de
serviços, os EUA teriam um superávit de US$ 295 bilhões em 2024!
Entretanto, somando tudo, bens e serviços, os
EUA tiveram um déficit de US$ 917 bilhões em 2024. É muito, mas é bem menos que
o déficit de US$ 1,2 trilhão apenas em bens.
As exportações de serviços vem ganhando mais
peso nas exportações totais dos EUA. Em 2024, elas representaram quase 35% de
todos os bens e serviços exportados pelos EUA (contra apenas 17% em 1980).
Se os EUA também não estivessem importando
tanto em serviços, sua balança comercial geral seria muito mais equilibrada.
Um ponto curioso: a China é um dos principais
destinos das exportações de serviços dos Estados Unidos .
Em 2024, os EUA registraram superávit de US$
31,8 bilhões no comércio exterior de serviços com a China, um aumento
fortíssimo de quase 20% sobre o ano anterior.
Outros países e regiões com os quais os EUA
vem registrando enormes superávits no comércio de serviços são União Europeia,
Canadá e México.
O superávit do setor de serviços dos EUA com
a União Europeia, por exemplo, foi de US$ 75,6 bilhões em 2024.
Essa é mais uma prova da estupidez de Trump.
Ele está agredindo exatamente os países com os quais os produtores americanos
de serviços tem as melhores e mais prósperas relações!
As turbulências geopolíticas dos últimos
meses serviram para explicitar um preconceito profundo presente nas análises e
comentários na mídia ocidental.
O que assistimos em Gaza, por exemplo, é
racismo explícito. Se as crianças morrendo de fome, sede, doenças, bombas,
falta de remédios, mutiladas por bombas, operadas sem anestesia, fossem brancas
e europeias, há muito o Ocidente teria se decidido a sancionar pesadamente o
Estado de Israel, suas empresas e lideranças políticas.
Outro exemplo de preconceito – neste caso uma
mistura de racismo anti-asiático com sectarismo ideológico – pode ser visto em
algumas análises sobre a China, e mais especificamente sobre o comércio
exterior do país.
Dizem que a China “exporta demais”, que tem
“sobrecapacidade”, que vende muito mais do que compra.
De fato, os superávits chineses são
impressionantes, mas a explicação para eles não pode ser encontrada em nada de
bizarro ou excepcional na economia chinesa, mas refletem simplesmente o tamanho
da população.
Por exemplo, uma mentira que se ventilou
levianamente nos últimos dias é que a China dependia excessivamente em suas
exportações.
Não é verdade. Segundo dados do Banco
Mundial, o peso das exportações no PIB chinês vem declinando de maneira
expressiva há mais de 20 anos.
E as exportações sempre tiveram, na China, um
peso no PIB bem menor do que na Alemanha, na Coreia do Sul e no Japão.
As exportações representaram, em 2023, um
total de 19,7% do PIB chinês, contra 43,4% na Alemanha, 44% na Coréia do Sul e
21,81% no Japão.
Dentre os países desenvolvidos, são os
Estados Unidos que registram um percentual de participação das exportações
sobre o PIB abaixo da média, de apenas 11%.
Até mesmo o Brasil, a propósito, tem hoje um
percentual de exportação no PIB similar ao da China, de 18,11%.
Ah, alguém poderia então dizer que o problema
da China é comprar pouco do resto do mundo. Isso também não é verdade. Ainda
segundo o Banco Mundial, as importações chinesas correspondem a um percentual
do PIB de 18%, maior do que os 14% que elas representam nos EUA.
Ou seja, a China importa mais do que os EUA.
Em termos absolutos, a China importou, em 2024, um total de US$ 3,57 trilhões,
um valor superior aos US$ 3,26 trilhões das importações dos EUA, mesmo tendo um
PIB menor.
Agora, o que é realmente impressionante é a
presença da China no mercado americano de máquinas e eletrônicos.
Em 2024, os EUA importaram US$ 521 bilhões em
maquinários, e US$ 477 bilhões em eletrônicos (dos quais US$ 114 bilhões para
compra de celulares).
A China foi de fato o maior fornecedor desses
itens.
Em 2024, a China respondeu por 12% de todas
as importações americanas, mas se olharmos apenas para o setor de eletrônicos,
a participação chinesa foi de 24% em 2024.
Em 2016, a China chegou a responder por 46%
de todos os eletrônicos importados pelos EUA.
Os EUA vem reduzindo a participação da China
em suas importações de eletrônicos, mas para substituí-las por fornecedores da
Asean (sul da Ásia).
Ao examinarmos somente as importações de
celulares pelos EUA, o peso da China e da Asean são ainda mais
impressionantes: somados, esses países responderam por 65% de todos os
aparelhos que entraram nos EUA em 2024. Há poucos anos, esse percentual estava
perto de 80%.
Pelo gráfico, podemos ver que os EUA vem
reduzindo, porém, de maneira bastante acelerada, as importações de celulares
chineses, mas aumentando as compras da Asean.
Os países da ASEAN, uma aliança estratégica
no Sudeste Asiático, incluem Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura,
Tailândia, Brunei, Vietnã, Laos, Mianmar e Camboja.
Em 2024, a Asean forneceu mais de 30% de
todos os celulares importados pelos EUA.
A propósito, vale observar que a China
vem diversificando suas exportações para destinos alternativos aos EUA, e hoje
o principal destino dos produtos chineses é justamente a Asean, que respondeu
por 16% de todas as exportações chinesas em 2024, superando EUA e União
Europeia.
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Turismo estrangeiro nos
EUA desaba e pode gerar perdas de até US$ 90 bi à economia do país
A retração nas viagens internacionais aos
Estados Unidos e os boicotes a produtos norte-americanos podem provocar uma
perda de até 0,3% no Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2025, segundo
estimativa do Goldman Sachs Inc.
O valor representa aproximadamente US$ 90
bilhões e se soma a um conjunto de fatores que mantêm elevado o risco de
desaceleração econômica.
De acordo com dados divulgados nesta
segunda-feira pela Administração de Comércio Internacional (International Trade
Administration – ITA), as chegadas de passageiros estrangeiros por via aérea
aos EUA recuaram quase 10% em março na comparação anual.
O declínio ocorre após anos em que o turismo
internacional vinha contribuindo positivamente para a economia, sobretudo com o
fim das restrições impostas pela pandemia.
Os analistas atribuem parte do recuo ao
aumento de tensões diplomáticas, políticas tarifárias e à percepção de
endurecimento nos procedimentos de entrada no país.
Em março, a ITA havia projetado 77 milhões de
visitantes internacionais aos EUA em 2025, número próximo ao recorde registrado
em 2019. A previsão incluía a possibilidade de um novo pico em 2026. No
entanto, os indicadores mais recentes têm levado a revisões nas projeções.
Relatos sobre detenções de viajantes de
países como França e Alemanha em aeroportos norte-americanos impactaram
negativamente a imagem do país entre turistas.
No Canadá, principal origem de turistas
internacionais nos EUA, medidas recentes adotadas pelo presidente Donald Trump,
incluindo tarifas sobre produtos canadenses e declarações sobre anexação
territorial, têm influenciado decisões de viagem.
Curtis Allen, cinegrafista canadense, afirmou
ter cancelado suas férias nos Estados Unidos após as declarações de Trump e
mencionou também a suspensão de uma assinatura de serviço de streaming e a
recusa em adquirir produtos norte-americanos. “Vamos gastar o mesmo dinheiro em
outro lugar”, afirmou.
A Bloomberg Intelligence calcula que cerca de
US$ 20 bilhões em gastos de varejo de turistas internacionais nos EUA estão em
risco. No ano passado, viajantes estrangeiros deixaram um total de US$ 254
bilhões no país, segundo a ITA.
O Bureau of Labour Statistics (Departamento
de Estatísticas do Trabalho) informou que passagens aéreas, diárias de hotéis e
aluguéis de carros registraram queda em março, refletindo, em parte, a menor
demanda internacional.
A redução nos preços foi observada
especialmente na região nordeste, onde a queda nas tarifas de hospedagem chegou
a 11%, segundo Omair Sharif, presidente da consultoria Inflation Insights.
“Considerando o que sabemos sobre a queda nas
viagens para o Canadá, isso pode ser um pouco preocupante para a região”,
declarou Sharif.
A Rainbow Air Helicopter Tours, empresa
localizada nas Cataratas do Niágara, investiu US$ 25 milhões em nova estrutura
e equipamentos em preparação para a alta temporada. O gerente de vendas e
marketing da empresa, Patrick Keyes, afirmou que o momento é de expectativa.
“Estamos aguardando para ver os resultados”, disse.
Segundo relatório da OAG Aviation Worldwide,
as reservas de voos do Canadá para os Estados Unidos caíram 70% até setembro em
comparação com o mesmo período do ano anterior.
Já a rede hoteleira Accor SA apontou queda de
25% nas reservas de turistas europeus para o verão de 2025. O CEO da empresa,
Sébastien Bazin, relacionou a redução a episódios de detenções na fronteira,
que geram receio e direcionam os turistas a outros destinos.
Economistas do Goldman Sachs, Joseph Briggs e
Megan Peters, afirmaram que “os anúncios de tarifas dos EUA e uma postura mais
agressiva em relação aos aliados históricos prejudicaram as opiniões globais
sobre os EUA”.
Para eles, a retração no turismo representa
mais um fator que pode levar o crescimento econômico do país a ficar abaixo das
expectativas em 2025.
A Travel Oregon, comissão de turismo do
estado do Oregon, informou que continua promovendo o destino no exterior, mesmo
diante do cenário adverso.
O diretor-executivo da entidade, Todd
Davidson, disse que a equipe participou de uma conferência de turismo de
aventura em Vancouver e deve receber, nas próximas semanas, representantes de
vendas de países como Reino Unido, Índia e Brasil.
Apesar dos esforços internacionais, Davidson
indicou que a entidade já considera a possibilidade de realinhar o foco para o
público doméstico. “O Oregon não está e não desviará os olhos desses mercados
internacionais. Estaremos aqui quando nossos visitantes internacionais sentirem
que estão prontos para retornar”, declarou.
O impacto do turismo sobre o desempenho
econômico dos Estados Unidos é monitorado por diferentes instituições. Além da
contribuição direta para o consumo e o setor de serviços, o fluxo de visitantes
tem influência sobre as cadeias de fornecimento, emprego local e investimentos
regionais.
O agravamento das tensões diplomáticas e as
consequências das políticas comerciais em curso adicionam novos elementos de
risco à conjuntura econômica projetada para os próximos trimestres.
Fonte: O Cafezinho

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