Como
fascínio do matemático Alan Turing por manchas de leopardos o fez resolver um
enigma
Muitos
de nós nos maravilhamos ao ver a pele manchada dos leopardos ou as listras que
adornam as zebras.
No
entanto, poucos se perguntam se existe uma ordem nessa aparente aleatoriedade
da natureza.
E são
ainda menos os que tentam encontrá-la valendo-se da matemática.
Mas
houve alguém que transformou esse fascínio em uma teoria que resolveu um antigo
enigma.
Essa
pessoa foi o pioneiro da informática Alan Turing, que, em uma mudança de
enfoque notável, desviou sua atenção para as matemáticas ocultas da natureza.
O único
artigo que publicou sobre o tema — e o último de sua vida — intitulado "A
base química da morfogênese", foi publicado na revista da Royal Society of
London em 1952, dois anos antes de Turing se suicidar com uma maçã embebida em
cianeto.
Esse
trabalho viria a se tornar um dos mais citados da ciência, embora sua teoria
estivesse tão à frente de seu tempo que levaria décadas para que seu valor
fosse reconhecido.
Talvez
surpreenda que algo escrito por um cientista com manto de herói — por ter sido
fundamental na decifração das mensagens enviadas pelas complexíssimas máquinas
Enigma alemãs durante a Segunda Guerra Mundial — não tenha chamado mais atenção
na época de sua publicação.
Mas,
naquele tempo, e até 1974, essa história era secreta. Assim, embora Turing
fosse reconhecido como um matemático brilhante, ainda não gozava do status que
viria a ter postumamente.
Da
mesma forma que seu artigo "Sobre números computáveis", de 1936, que
só passou a ser amplamente considerado como essencial para a teoria da
computação na década de 1960, este também demorou a ser apreciado.
Além
disso, eram necessários avanços científicos para comprovar que sua incursão na
biologia era mais do que uma distração engenhosa — porém irrelevante — de uma
mente inquieta.
• O enigma
Sem
leopardos nem zebras por perto em Manchester (Inglaterra), onde vinha
trabalhando desde 1948, Turing percorria o interior de Cheshire fascinado,
detectando rastros matemáticos em várias plantas notavelmente simétricas.
As
margaridas, por exemplo, tinham 34, 55 ou 89 pétalas — números que fazem parte
da sequência de Fibonacci, em que cada número é igual à soma dos dois
anteriores.
Ele
intuiu, então, que os organismos biológicos deviam ter uma lógica interna.
Talvez
o mecanismo que produzia maravilhas como o mosaico na pele das girafas ou as
folhas dispostas em espiral ao longo do caule de uma planta pudesse ser
explicado por meio da matemática.
O ponto
de partida era um mistério.
Nas
primeiras fases do desenvolvimento, a maioria dos seres vivos — fossem
vegetais, animais ou humanos — apresentava uma aparência muito semelhante:
embriões que, no início, eram esferas uniformes compostas por células
idênticas.
Mas, em
algum momento, iniciava-se um processo que fazia com que aquela bola de células
se transformasse em uma palmeira de coco, uma estrela-do-mar ou em um de nós.
Como
algo tão fenomenal podia acontecer?
Turing
raciocinou que esse processo era semelhante aos que produziam os padrões de
coloração nos animais, as formas das plantas que tanto o fascinavam — e até
mesmo os formatos dos dedos das mãos.
Ao
observar esses padrões com atenção, ele começou a desenvolver equações e, pouco
a pouco, sua "teoria matemática da embriologia", como ele a chamava,
começou a tomar forma.
• Uma teoria da vida
Turing
postulou que os padrões eram resultado da interação de substâncias químicas que
se espalhavam entre grupos de células, por outro lado, idênticas — como explica
Matilda Battersby na BBC Earth.
Ele
cunhou o termo morfógeno (morfo, do grego para "forma", e
"gen", do grego para "gerar"), que significa geradores de
forma.
Esses
morfógenos, argumentou ele, se difundem e reagem entre si em um processo que
chamou de reação-difusão intercelular, hoje também conhecido como Mecanismo de
Turing.
Sua
teoria, apresentada com matemática fascinante, propunha que dentro dos tecidos
ou células existem dois morfógenos que atuam um sobre o outro.
Ambos
se difundem em ritmos diferentes e trabalham de forma simultânea, mas
independente, como se estivessem competindo entre si.
Para
entender, vale imaginar uma situação entre predador e presa:
Quando
os predadores têm muitas presas disponíveis, sua população cresce — mas isso
faz com que a população de presas diminua. Com menos alimento, o número de
predadores também começa a cair, e, com o tempo, as presas voltam a se
multiplicar.
No
nível molecular, Turing explicou que, quando um dos morfógenos desencadeia uma
reação e se espalha por um grupo de células, o outro age para impedir essa
difusão.
Essas
reações químicas dão início à diferenciação celular que origina os padrões
físicos que observamos nos seres vivos — desde os dedos das mãos até as manchas
de um guepardo.
Um
morfógeno chega primeiro, por exemplo, tingindo de escuro as células da pele de
uma zebra — até que o segundo chega para interrompê-lo, criando assim as faixas
pretas e brancas.
Além de
propor uma explicação para o enigma de como os seres vivos se tornam o que são,
Turing desenvolveu equações que modelavam os padrões produzidos pela interação
dos morfógenos.
Eram
equações muito complexas para os computadores da época, mas, apesar de exigir
um trabalho árduo, ele conseguiu criar um padrão manchado semelhante ao da pele
de uma vaca.
Turing
concluiu seu trabalho, publicou-o e voltou a contar pétalas de flores. A ideia
ficou suspensa entre as páginas da revista científica.
Para
ser justo, ele mesmo admitiu desde o início que "este modelo será uma
simplificação e uma idealização, e, consequentemente, uma falsificação".
Ele se
perguntara como surgiam os padrões que observava na natureza — e encontrou a
resposta sem olhar através de um microscópio.
Foi
impreciso ao definir o que seriam exatamente os morfógenos de que falava,
substâncias cuja natureza química ainda estava por ser desvendada.
Além
disso, no ano seguinte, James Watson e Francis Crick — sem mencionar o trabalho
pioneiro de Rosalind Franklin — revelaram a estrutura do DNA, que parecia ser
um caminho promissor para resolver o mistério que ocupara Turing.
Mas, na
década de 1960, seu escrito sobre morfogênese foi redescoberto.
E, com
a chegada de computadores potentes e o surgimento da biologia celular molecular
moderna, duas gerações de cientistas que levaram sua teoria a sério a partir
dos anos 1980 demonstraram que ela estava correta.
O
artigo se tornou uma das teorias fundadoras da biologia matemática, uma
disciplina dedicada a entender como os mecanismos da natureza funcionam,
encontrando equações que os descrevem.
E
embora Turing não fosse biólogo nem químico, sua teoria teve um impacto
substancial em ambos os campos, bem como em outras áreas tão diversas quanto
geomorfologia e criminologia, de acordo com o editor da revista Nature.
Seus
padrões explicaram tudo, desde a ativação neuronal no cérebro até a estrutura
das conchas, e foram usados para entender melhor os assentamentos humanos e
projetar filtros de água, para citar apenas alguns exemplos.
0, 1,
1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89...
A
teoria de Turing teve mais aplicações do que se imaginava, como foi e continua
sendo demonstrado.
Isso o
teria agradado.
Concluindo
seu artigo, após admitir limitações nos exemplos biológicos que deu, combinados
com a "matemática relativamente elementar" que utilizou, ele
escreveu:
"Acredito,
no entanto, que os sistemas biológicos imaginários e os princípios discutidos
devem ser de alguma ajuda na interpretação de formas biológicas reais."
Depois
desse ponto final, e durante os dois últimos anos de sua vida, ele se dedicou
aos girassóis.
Ele
permaneceu fascinado pela filotaxia, o arranjo de pétalas, folhas e caules nas
plantas, algo que cativou muitos desde os tempos antigos, incluindo Leonardo da
Vinci, por ser um assunto complexo e misterioso.
Pétalas
e sementes de girassol não estão apenas dispostas em duas espirais
contraditórias, mas também parecem seguir sequências de Fibonacci.
Turing
reconheceu o trabalho do cientista holandês J.C. Schoute, que estudou os
padrões em 319 cabeças de girassol pouco antes da Segunda Guerra Mundial.
E então
ele desenvolveu uma teoria para explicar por que as sequências de Fibonacci
apareceram nas plantas.
No
entanto, ele nunca teve a oportunidade de experimentá-lo antes de morrer.
Mais de
60 anos após sua morte, a Royal Society publicou novas evidências apoiando sua
explicação matemática dos padrões nas pétalas de girassol.
Um
grupo de cientistas do mundo todo, incentivados pela Universidade de
Manchester, plantou centenas de girassóis e contou suas pétalas para testar sua
precisão em relação à sequência de Fibonacci, como Kiona N. Smith relatou na
revista Forbes.
Suas
descobertas apoiaram a ideia de Turing, mas o censo de girassóis também revelou
novos padrões, que as equações de Turing também parecem explicar.
Fonte:
BBC News Mundo
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