quinta-feira, 17 de abril de 2025

Julia Steinberger: Trump e Musk inauguraram a era do capitalismo cataclísmico

Tudo está se movendo muito rápido. A administração Trump-Musk está executando um desmonte do estado estadunidense, das universidades e das organizações de saúde, demitindo dezenas de milhares de empregados e eliminando bilhões em fundos humanitários. O propósito e a velocidade destes ataques são vertiginosos. É quase impossível acompanhar a destruição em curso, muito menos organizar a resistência. Nada disso é acidental.

Nós precisamos compreender as origens deste “ataque relâmpago” de Trump para combatê-lo nos Estados Unidos e prevenir para que não se espalhe pelo mundo. A velocidade deste ataque pode ser de responsabilidade do estrategista e “aceleracionista” de Trump, Steve Bannon, que se alinha com sua tática de guerra da informação, chamada “zona de inundação”, utilizada para confundir, causar desorientação e abandono da participação social.

Seja sobre temas como a crise climática ou a COVID-19, rumores, mentiras e teorias da conspiração são criados para gerar uma cacofonia caótica, deixando o público desorientado, amedrontado e à mercê de uma simplificação excessiva de temas complexos. A mensagem de Trump é: Culpe a cultura da inclusão, imigrantes, pessoas trans, muçulmanos, doutores, cientistas. Neste sentido, a compra do Twitter/X por Musk, apoia a agenda de Bannon.

O que estamos vendo é a junção de duas grandes forças políticas em torno de Trump: A Heritage Foundation – think tank que impulsiona iniciativas conservadoras financiada pela indústria do petróleo – e o ramo da tecnologia. O antigo autor do ‘Projeto 2025’, um plano para o primeiro ano da administração de Trump, é de Curtis Yarvin - teórico favorito do bilionário e dono do Paypal, Peter Thiel – que expressa o desejo de “reiniciar” o país inteiro, substituindo o modelo de democracia supostamente ultrapassado por algo bem menos ligado à uma noção de responsabilidade social e mais favorável aos interesses do mercado. Juntos, estes setores da indústria, de tecnologia e combustíveis fósseis investiram centenas de milhões na campanha de Trump.

Até agora, regulamentações estão sendo eliminadas, a criptomoeda poderá circular contornando a supervisão democrática, orçamentos estão sendo cortados para permitir que Musk redirecione recursos para contratos das suas empresas, SpaceX e Starlink, além de funcionários do governo que estão sendo substituídos por ferramentas de inteligência artificial.

Muitos setores do mercado estão sentindo a mudança dos ventos e deixado de se preocupar com compromissos ambientais, assim abandonam qualquer pretensão de responsabilidade com a manutenção de um planeta habitável. As implicações climáticas e ecológicas desta mudança são tão desastrosas quanto deliberadas. Precisamos dar um nome apropriado a esta nova era de aliança entre a indústria de combustíveis fósseis e de tecnologia que acelera os ataques contra a democracia e o planeta: Capitalismo Cataclísmico.

O capitalismo de cataclismo é o verdadeiro herdeiro do neoliberalismo e do seu capitalismo de desastre. Como Naomi Klein descreveu em seu livro A doutrina do choque, a ideologia neoliberal aproveitou as vantagens das crises econômicas para destruir regulamentações e privatizar serviços públicos, fragilizar sindicatos de trabalhadores e organizações da sociedade civil, criando as condições ideais para a acumulação de riqueza privada, desastrosas para as políticas de promoção da igualdade, do trabalho digno e bem-estar.

O capitalismo cataclísmico faz tudo isso e vai além. O ritmo da mudança tem se acelerado, o desmantelamento das instituições públicas tem sido total e o ataque à democracia se tornado mais evidente. Talvez o aspecto mais preocupante é que as indústrias tem desafiado o perigo de destruição social e planetária, fazendo o nítido cálculo: eles não precisam de uma economia próspera para lucrar. Até o momento, o neoliberalismo afirmava que servia ao interesse do bem comum através da competição de mercado, já o capitalismo cataclísmico dispensa todas estas ilusões.

As companhias de combustíveis fósseis, os magnatas da tecnologia de extrema-direita e as companhias financeiras se convenceram rapidamente de que não precisam de uma economia próspera para progredirem. Aprenderam que podem lucrar através da ruptura e da destruição. Sabem pelas experiências das crises econômicas que pessoas empobrecidas são capazes de suportar condições de trabalho exploratórias e se endividar profundamente para manter a si mesmas e suas famílias vivas.

Paradoxalmente, a criação desta vasta insegurança econômica favorece a política de extrema-direita. Os eleitores ficam em um estado constante de medo e estresse. Sem uma compreensão objetiva deste sistema que cria dificuldades, tornam-se presas fáceis da retórica da extrema-direita que culpa imigrantes, a cultura de inclusão e pessoas trans. Infelizmente, desde quando a ideologia neoliberal devorou os partidos de centro-esquerda (o Partido Trabalhista, na Inglaterra, e os Democratas, nos Estados Unidos), ficamos com pouquíssimas organizações de oposição, restando apenas um canal para a aceleração do desastre.

O cenário é sombrio. Estamos diante de uma tomada hostil e organizada da democracia, associada ao desmantelamento da economia, em favor de setores da indústria, especialmente a dos combustíveis fósseis e de tecnologia, em detrimento de nós mesmas e em detrimento da vida na terra. O que podemos fazer? Proponho um plano de três pontos - curto e sistemático –, suficientes para começarmos.

Primeiro, conhecimento é poder. Precisamos apresentar mais sobre os devoradores do nosso mundo, dos think tanks da indústria de combustíveis fósseis aos aceleracionistas da extrema-direita. Precisamos explicar aos nossos cidadãos quem de fato estamos enfrentando e qual o seu plano, substituindo o medo impotente pela raiva consciente.

Segundo, precisamos nos organizar, nos juntar em sindicatos, em grupos de bairro ou em qualquer organização coletiva que pudermos, pois, neste ponto, fomos todos criados em uma cultura neoliberal do individualismo e do isolamento. Organizarmo-nos parece estranho e difícil, no entanto, a dificuldade que temos em nos organizar é essencial para a manutenção do capitalismo de desastre

Somos uma espécie com comportamento excecionalmente cooperativo, na realidade, todos nós temos essa capacidade inata, literalmente. Como animais sociais, nascemos para nos organizar. Desde as formas mais básicas, organizar-se consiste em aglutinar pessoas promovendo a consciência das causas de nossos problemas em comum, discutindo possíveis ações e colocando-as em prática. Para deixar claro: precisamos tornar a cooperação uma prática que seja parte de nossas vidas, do nosso trabalho e de nossas afinidades.

Terceiro, precisamos responder ao projeto de Trump-Musk no nível estratégico, não apenas golpe a golpe. Sabemos que não podemos esperar nada deles além de destruição e corrupção. Precisamos pôr à frente uma visão positiva de que vale a pena lutar. Com base em minha pesquisa, descreveria isto como uma tomada de decisão democrática cientificamente informada, para o bem comum. Isto também significa criar nossas próprias organizações para a ajuda humanitária e a proteção de pessoas em situações de vulnerabilidade. Nós temos tudo a perder se não agirmos, e tudo a ganhar se agirmos.

¨      Raúl Zibechi: O que devemos proteger da tempestade

A onda de tarifas impostas pelo governo de Donald Trump nos mergulha em um mundo que se desconhecia há pelo menos um século, mas, acima de tudo, acelera a tempestade sistêmica contra os povos do mundo, apagando as fronteiras nacionais e mantendo as de classe, cor da pele, gênero e geração. Em suma, a guerra dos de cima contra os de baixo.

EZLN vem falando da tempestade há mais de uma década, explicando o que ela é e quem afetará, mas também destacando a necessidade de organizar e construir espaços e territórios “arcas” para sobreviver coletivamente. Portanto, não devemos nos surpreender que a tempestade já esteja sobre nós, e menos ainda pensar que ela afetará os outros, mas não os nossos.

É evidente que para aqueles que estão em baixo não há salvação individual, como há para aqueles que estão no topo, que têm recursos suficientes e construíram seus outros mundos em ilhas remotas ou montanhas inacessíveis, refúgios dourados com água abundante, comida de qualidade e pessoal armado para cuidar deles. Falamos sobre tudo isso na década que nos separa do seminário “Pensamento Crítico diante da Hidra Capitalista”, realizado em maio de 2015, há dez anos.

Em momentos críticos como o atual, podemos nos perguntar o que devemos proteger em meio ao caos sistêmico, à violência e aos desastres naturais. A questão não é puramente especulativa, pois vimos que em naufrágios ou quedas de avião, as pessoas muitas vezes tentam salvar objetos de prestígio ou valores, como dinheiro ou coisas semelhantes que consideram essenciais. É o modo capitalista de pensar e agir, de estabelecer prioridades e hierarquias.

Como comunidades e coletivos, corremos o risco de perder a terra e os espaços que recuperamos, tudo o que construímos com tanto esforço – nossas casas, escolas e clínicas –, seja porque os governos, seus paramilitares e traficantes de drogas os destroem e ocupam, ou porque a Mãe Terra, em sua furiosa reação à agressão, desencadeia furacões e inundações devastadores. É por isso que a história dos vários submundos é repleta de êxodos, marchas coletivas em busca de novas terras para evitar monstros e tempestades.

Não podemos perder os seres humanos, as comunidades e os grupos que formamos, o vínculo coletivo, porque as coisas materiais podem ser reparadas ou reconstruídas se continuarmos a viver juntos. Não é a propriedade da terra que a torna comum, mas os trabalhos coletivos (mingas, tequios) realizados por pessoas organizadas em um determinado espaço/território. Acredito que essa seja a chave para o bem comum e que sua essência seja o trabalho comunitário compartilhado, que pode salvar vidas mesmo durante uma tempestade.

Porque o que está se desintegrando, mesmo em nossos corpos, é muito mais do que um governo, um líder ou uma nação. Se o sistema-mundo está colapsando, toda uma civilização capitalista, patriarcal e colonial está se desintegrando, incapaz de suportar a combinação de pressões vindas de baixo e a ganância impaciente e sem fim dos de cima. A tempestade, como o EZLN sugere repetidamente, não é o desaparecimento do planeta Terra ou dos seres humanos que o habitam, mas uma mutação profunda que provocará o fim do mundo como o conhecemos.

Os poderosos estão destruindo tudo para preservar seu poder e suas riquezas, abrindo caminho para um sistema que pode ser diferente do capitalismo, mas certamente mais hierárquico e despótico, onde os povos serão escravizados pelos poderosos. Este futuro em desenvolvimento é muito mais do que a guerra comercial ou material entre os EUA e a China; é outra coisa que às vezes temos dificuldade de entender, porque estamos no fim de um longo período da história em que havia um certo equilíbrio entre os seres humanos e a natureza, certos direitos que o Estado-nação respeitava, mesmo que apenas para domesticar as rebeliões.

Eles vêm por causa das nossas terras, querem nos eliminar como povos e como setores sociais, transformar-nos em meros consumidores para continuar acumulando. Nossa resistência é evitar isso de maneira coletiva. Para isso, precisamos salvar o coletivo, muito antes das coisas materiais que nos cercam.

E mais uma coisa: salvar-nos, para os de baixo, só é possível juntos, com os outros, para que, quando nada mais estiver de pé, possamos seguir em frente, seguindo os passos dos nossos antepassados para reconstruir um planeta para todos e todas.

<><> Agora que sabemos

Agora que sabemos - porque todos os véus caíram e já nem sequer almejam esconder o horror - que as classes dominantes estão dispostas a massacrar povos inteiros para permanecerem no poder, sem encontrar grandes resistências nas chamadas democracias, do Norte ou do Sul, de modo que podem agir com total impunidade.

Agora que sabemos que os crematórios funcionam em plena democracia eleitoral, tendo-se tornado o novo paradigma da civilização ocidental, capitalista, colonial e patriarcal; uma realidade que extrapolou a afirmação do filósofo Giorgio Agamben, para quem o paradigma da modernidade é o campo de concentração e extermínio, e não a cidade com suas luminárias, filhas do progresso.

Agora que sabemos que o genocídio e o campo de concentração a céu aberto são a estrutura central da dominação, substituindo o panóptico que durante muito tempo moldou os corpos para o controle social e a exploração; agora, podemos reconhecer o triunfo do nazismo como uma forma de impor autoridade. Por isso, chamar de “fascista” qualquer autoritarismo pode até mesmo invisibilizar o que é central: a violência nua e crua dos de cima para conter os de baixo.

Agora que sabemos que a dominação não tem limites e que os estados se dedicam a limpar a cena do crime para disfarçar os horrores, não podemos pensar que os direitos, as leis e as constituições podem nos servir para cuidar da vida, nos defender e confiar que os governantes fazem algo pelos povos. Qual é o sentido de nos mobilizarmos para defender direitos, enquanto os poderosos os ignoram quando querem?

Agora que vemos imagens do tratamento humilhante aos detidos nas prisões salvadorenhas de Bukele e aos deportados por Trump - torturados pelo único crime de serem pobres da cor da terra -, podemos ligar os pontos e observar como o sistema age de forma muito semelhante em Gaza, nas fronteiras Norte-Sul, nas comunidades negras e indígenas e nos bairros operários de nossas cidades.

Os massacres, os genocídios e as torturas são elos do mesmo modo de dominação que exige nos esmagar e retirar de nossos territórios para seguir acumulando. Estaríamos errados se pensássemos que são desvios pontuais deste ou daquele governante, porque estaríamos perdendo de vista a mutação sistêmica que levou a esse estado de coisas. Um novo modelo começou a despontar, no final dos anos 1960, para se contrapor ao que Immanuel Wallerstein chamou de “revolução mundial de 1968”, quando os mais diversos no planeta convergiram para derrotá-lo.

Agora que sabemos tudo isso e muito mais, que dia a dia vamos decifrando através de nossas resistências. Agora, o que vamos fazer?

Não adianta olhar para outro lado, rezando para que a tempestade não passe por cima de nós, com a esperança vã de que atinja só aqueles que estão apenas meio degrau abaixo de nós. É um absurdo esperar passivamente que caiam primeiro os mais frágeis, as crianças, os idosos, os povos negros e indígenas, porque é só uma questão de tempo até que a tempestade atinja todos nós que não fazemos parte do 1% mais rico e poderoso.

Nos anos 1970, pelo menos na América do Sul, nós, rebeldes, cultivamos um lema que sintetizava os desejos de lutar por uma mudança radical, pela revolução: “ser como o Che”. Não era uma linha, nem um programa político, mas um modo de encarar a vida, algo que hoje chamamos de ética. Em suma, uma ética de vida que incluía colocar o próprio corpo, dar tudo para mudar este mundo.

Passado mais de meio século, sinto que as perguntas são outras, no formal, embora idênticas em seu sentido profundo. Estaremos à altura dos pais e das famílias que procuram seus filhos desaparecidos? Conseguiremos seguir o seu exemplo de firmeza implacável? Estamos dispostos, pelo menos, a acompanhá-los em sua tremenda jornada?

Anos atrás, em uma Argentina onde a dignidade recebia o nome de Mães da Praça de Maio e de Avós da Praça de Maio, surgiu um lema que dizia: “lute como uma avó”, muitas vezes, acompanhado pelo rosto de Nora Cortiñas, que com mais de 90 anos nunca deixou de comparecer a todas as reuniões e manifestações onde sua mera presença galvanizava os ânimos e estimulava as rebeldias.

Como aponta um comunicado recente do Exército Zapatista de Libertação Nacional, “aqueles que buscam não são silêncio, são sementes”. Não é uma utopia, nem um desejo, mas uma simples leitura da realidade. A fenomenal insurreição argentina de 19 e 20 de dezembro de 2001, que fissurou o neoliberalismo, é filha da resistência de mães e avós. Sem elas, não teria existido memória, nem organização. Foram escola para milhares de jovens que não se submeteram à lógica da derrota.

Essas mãos que aram a terra buscando vão parir as dignidades que iluminarão o futuro das gerações que seguirão abrindo sulcos de vida, desafiando a indiferença e o desprezo de outros.

<><> Profissionais do Pentágono pedem demissão em massa nos EUA

Quase todos os profissionais do Serviço Digital de Defesa (DDS) – o braço de desenvolvimento tecnológico avançado do Pentágono – estão se desligando de seus cargos no próximo mês, em meio à pressão do DOGE (Departamento de Eficiência Governamental) de Elon Musk.

Segundo fontes ouvidas pelo site Politico.com, as demissões levarão ao encerramento efetivo do programa criado em 2015 para ajudar o Pentágono a adotar soluções tecnológicas rápidas em meio a crises de segurança nacional, além de impulsionar a inovação dentro do Pentágono ao estilo do Vale do Silício – levando o programa a ser conhecido internamente como “equipe SWAT de nerds”.

Com o fim desse programa, os esforços para otimizar o uso de talentos ligados ao setor de tecnologia dentro do Departamento de Defesa e o combate a drones adversários serão interrompidos. Segundo porta-voz do Pentágono, as funções do escritório seriam absorvidas pelo Escritório Chefe de Inteligência Digital e Artificial, do qual o DDS faz parte.

Entre outros pontos, o departamento desenvolveu ferramentas de resposta rápida durante a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão; criou bancos de dados para transferência de ajuda militar e humanitária à Ucrânia; e preparou tecnologias de detecção de drones.

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Um ex-alto funcionário do Pentágono entrevistado pelo site descreveu a incursão do DOGE dentro do Departamento de Defesa como “prejudicial e improdutiva”.

 

Fonte: The Guardian/La Jornada

 

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