Julia Steinberger: Trump e Musk inauguraram a
era do capitalismo cataclísmico
Tudo
está se movendo muito rápido. A administração Trump-Musk está
executando um desmonte do estado estadunidense, das universidades e das
organizações de saúde, demitindo dezenas de milhares de empregados e eliminando
bilhões em fundos humanitários. O propósito e a velocidade destes ataques são
vertiginosos. É quase impossível acompanhar a destruição em curso, muito menos
organizar a resistência. Nada disso é
acidental.
Nós
precisamos compreender as origens deste “ataque relâmpago”
de Trump para combatê-lo nos Estados Unidos e prevenir para que não
se espalhe pelo mundo. A velocidade deste ataque pode ser de responsabilidade
do estrategista e “aceleracionista” de Trump, Steve Bannon, que se
alinha com sua tática de guerra da informação, chamada “zona de inundação”,
utilizada para confundir, causar desorientação e abandono da participação
social.
Seja
sobre temas como a crise climática ou a COVID-19, rumores,
mentiras e teorias da conspiração são criados para gerar uma cacofonia caótica,
deixando o público desorientado, amedrontado e à mercê de uma simplificação
excessiva de temas complexos. A mensagem de Trump é: Culpe a cultura
da inclusão, imigrantes, pessoas trans, muçulmanos, doutores, cientistas. Neste
sentido, a compra do Twitter/X por Musk, apoia a agenda
de Bannon.
O que
estamos vendo é a junção de duas grandes forças políticas em torno
de Trump: A Heritage Foundation – think tank que
impulsiona iniciativas conservadoras financiada pela indústria do petróleo – e
o ramo da tecnologia. O antigo autor do ‘Projeto 2025’, um plano para o
primeiro ano da administração de Trump, é de Curtis Yarvin -
teórico favorito do bilionário e dono do Paypal, Peter Thiel –
que expressa o desejo de “reiniciar” o país inteiro, substituindo o modelo de
democracia supostamente ultrapassado por algo bem menos ligado à uma noção de
responsabilidade social e mais favorável aos interesses do mercado. Juntos,
estes setores da indústria, de tecnologia e combustíveis fósseis investiram
centenas de milhões na campanha de Trump.
Até
agora, regulamentações estão sendo eliminadas, a criptomoeda poderá circular
contornando a supervisão democrática, orçamentos estão sendo cortados para
permitir que Musk redirecione recursos para contratos das suas
empresas, SpaceX e Starlink, além de funcionários do governo que
estão sendo substituídos por ferramentas de inteligência artificial.
Muitos
setores do mercado estão sentindo a mudança dos ventos e deixado de se
preocupar com compromissos ambientais, assim abandonam qualquer pretensão de
responsabilidade com a manutenção de um planeta habitável. As implicações
climáticas e ecológicas desta mudança são tão desastrosas quanto deliberadas.
Precisamos dar um nome apropriado a esta nova era de aliança entre a indústria
de combustíveis fósseis e de tecnologia que acelera os ataques contra a
democracia e o planeta: Capitalismo Cataclísmico.
O capitalismo
de cataclismo é o verdadeiro herdeiro do neoliberalismo e do
seu capitalismo de desastre. Como Naomi Klein descreveu em
seu livro A doutrina do choque, a ideologia neoliberal aproveitou
as vantagens das crises econômicas para destruir regulamentações e privatizar
serviços públicos, fragilizar sindicatos de trabalhadores e organizações da
sociedade civil, criando as condições ideais para a acumulação de riqueza
privada, desastrosas para as políticas de promoção da igualdade, do trabalho
digno e bem-estar.
O capitalismo
cataclísmico faz tudo isso e vai além. O ritmo da mudança tem se
acelerado, o desmantelamento das instituições públicas tem sido total e o
ataque à democracia se tornado mais evidente. Talvez o aspecto mais preocupante
é que as indústrias tem desafiado o perigo de destruição social e planetária,
fazendo o nítido cálculo: eles não precisam de uma economia próspera para
lucrar. Até o momento, o neoliberalismo afirmava que servia ao
interesse do bem comum através da competição de mercado, já o capitalismo
cataclísmico dispensa todas estas ilusões.
As
companhias de combustíveis fósseis, os magnatas da
tecnologia de extrema-direita e as companhias
financeiras se convenceram rapidamente de que não precisam de uma economia
próspera para progredirem. Aprenderam que podem lucrar através da ruptura e da
destruição. Sabem pelas experiências das crises econômicas que pessoas empobrecidas
são capazes de suportar condições de trabalho exploratórias e se endividar
profundamente para manter a si mesmas e suas famílias vivas.
Paradoxalmente,
a criação desta vasta insegurança econômica favorece a política de
extrema-direita.
Os eleitores ficam em um estado constante de medo e estresse. Sem uma
compreensão objetiva deste sistema que cria dificuldades, tornam-se presas
fáceis da retórica da extrema-direita que culpa imigrantes, a cultura de
inclusão e pessoas trans. Infelizmente, desde quando a ideologia
neoliberal devorou
os partidos de centro-esquerda (o Partido Trabalhista, na Inglaterra, e os
Democratas, nos Estados Unidos), ficamos com pouquíssimas organizações de
oposição, restando apenas um canal para a aceleração do desastre.
O
cenário é sombrio. Estamos diante de uma tomada hostil e organizada da
democracia, associada ao desmantelamento da economia, em favor de setores
da indústria, especialmente a dos combustíveis fósseis e de tecnologia, em
detrimento de nós mesmas e em detrimento da vida na terra. O que podemos fazer?
Proponho um plano de três pontos - curto e sistemático –, suficientes para
começarmos.
Primeiro,
conhecimento é poder. Precisamos apresentar mais sobre os devoradores do nosso
mundo, dos think tanks da indústria de combustíveis
fósseis aos aceleracionistas da extrema-direita. Precisamos explicar aos
nossos cidadãos quem de fato estamos enfrentando e qual o seu plano,
substituindo o medo impotente pela raiva consciente.
Segundo,
precisamos nos organizar, nos juntar em sindicatos, em grupos de bairro ou em
qualquer organização coletiva que pudermos, pois, neste ponto, fomos todos
criados em uma cultura neoliberal do individualismo e do isolamento.
Organizarmo-nos parece estranho e difícil, no entanto, a dificuldade que temos
em nos organizar é essencial para a manutenção do capitalismo de desastre
Somos
uma espécie com comportamento excecionalmente cooperativo, na realidade, todos
nós temos essa capacidade inata, literalmente. Como animais sociais, nascemos
para nos organizar. Desde as formas mais básicas, organizar-se consiste em
aglutinar pessoas promovendo a consciência das causas de nossos problemas em
comum, discutindo possíveis ações e colocando-as em prática. Para deixar claro:
precisamos tornar a cooperação uma prática que seja parte de nossas vidas, do
nosso trabalho e de nossas afinidades.
Terceiro,
precisamos responder ao projeto de Trump-Musk no nível estratégico,
não apenas golpe a golpe. Sabemos que não podemos esperar nada deles além de
destruição e corrupção. Precisamos pôr à frente uma visão positiva de que vale
a pena lutar. Com base em minha pesquisa, descreveria isto como uma tomada de
decisão democrática cientificamente informada, para o bem comum. Isto também
significa criar nossas próprias organizações para a ajuda humanitária e a
proteção de pessoas em situações de vulnerabilidade. Nós temos tudo a perder se
não agirmos, e tudo a ganhar se agirmos.
¨
Raúl Zibechi: O que devemos proteger da tempestade
A onda
de tarifas impostas pelo
governo de Donald Trump nos mergulha em
um mundo que se desconhecia há pelo menos um século, mas, acima de tudo,
acelera a tempestade sistêmica contra os povos do mundo, apagando as fronteiras
nacionais e mantendo as de classe, cor da pele, gênero e geração. Em suma, a guerra
dos de cima contra os de baixo.
O EZLN vem falando da
tempestade há mais de uma década, explicando o que ela é e quem afetará, mas
também destacando a necessidade de organizar e construir espaços e territórios
“arcas” para sobreviver
coletivamente. Portanto, não devemos nos surpreender que a tempestade já esteja
sobre nós, e menos ainda pensar que ela afetará os outros, mas não os nossos.
É
evidente que para aqueles que estão em baixo não há salvação individual, como
há para aqueles que estão no topo, que têm recursos suficientes e construíram
seus outros mundos em ilhas remotas ou montanhas inacessíveis, refúgios
dourados com água abundante, comida de qualidade e pessoal armado para cuidar
deles. Falamos sobre tudo isso na década que nos separa do seminário “Pensamento
Crítico diante da Hidra Capitalista”, realizado em maio de 2015, há dez anos.
Em
momentos críticos como o atual, podemos nos perguntar o que devemos proteger em
meio ao caos sistêmico, à violência e aos desastres naturais. A questão não é
puramente especulativa, pois vimos que em naufrágios ou quedas de avião, as
pessoas muitas vezes tentam salvar objetos de prestígio ou valores, como
dinheiro ou coisas semelhantes que consideram essenciais. É o modo capitalista
de pensar e agir, de estabelecer prioridades e hierarquias.
Como comunidades
e coletivos, corremos o risco de perder a terra e os espaços que recuperamos,
tudo o que construímos com tanto esforço – nossas casas, escolas e clínicas –,
seja porque os governos, seus paramilitares e traficantes de drogas os destroem
e ocupam, ou porque a Mãe Terra, em sua furiosa reação à agressão, desencadeia
furacões e inundações devastadores. É por isso que a história dos vários
submundos é repleta de êxodos, marchas coletivas em busca de novas terras para
evitar monstros e tempestades.
Não
podemos perder os seres humanos, as comunidades e os grupos que formamos, o
vínculo coletivo, porque as coisas materiais podem ser reparadas ou
reconstruídas se continuarmos a viver juntos. Não é a propriedade da terra que
a torna comum, mas os trabalhos coletivos (mingas, tequios) realizados por
pessoas organizadas em um determinado espaço/território. Acredito que essa seja
a chave para o bem comum e que sua essência seja o trabalho comunitário
compartilhado, que pode salvar vidas mesmo durante uma tempestade.
Porque
o que está se desintegrando, mesmo em nossos corpos, é muito mais do que um
governo, um líder ou uma nação. Se o sistema-mundo está colapsando, toda uma
civilização capitalista, patriarcal e colonial está se desintegrando, incapaz
de suportar a combinação de pressões vindas de baixo e a ganância impaciente e
sem fim dos de cima. A tempestade, como o EZLN sugere repetidamente,
não é o desaparecimento do planeta Terra ou dos seres humanos que o habitam,
mas uma mutação profunda que provocará o fim do mundo como o conhecemos.
Os
poderosos estão destruindo tudo para preservar seu poder e suas riquezas,
abrindo caminho para um sistema que pode ser diferente do capitalismo, mas
certamente mais hierárquico e despótico, onde os povos serão escravizados pelos
poderosos. Este futuro em desenvolvimento é muito mais do que a guerra comercial ou material
entre os EUA e a China; é outra coisa que às vezes temos
dificuldade de entender, porque estamos no fim de um longo período da história
em que havia um certo equilíbrio entre os seres humanos e a natureza, certos
direitos que o Estado-nação respeitava, mesmo que apenas para domesticar as
rebeliões.
Eles
vêm por causa das nossas terras, querem nos eliminar como povos e como setores
sociais, transformar-nos em meros consumidores para continuar acumulando. Nossa
resistência é evitar isso de maneira coletiva. Para isso, precisamos salvar o
coletivo, muito antes das coisas materiais que nos cercam.
E mais
uma coisa: salvar-nos, para os de baixo, só é possível juntos, com os outros,
para que, quando nada mais estiver de pé, possamos seguir em frente, seguindo
os passos dos nossos antepassados para reconstruir um planeta para todos e
todas.
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Agora que sabemos
Agora
que sabemos - porque todos os véus caíram e já nem sequer almejam esconder o
horror - que as classes dominantes estão dispostas a massacrar povos inteiros
para permanecerem no poder, sem encontrar grandes resistências nas chamadas
democracias, do Norte ou do Sul, de modo que podem agir com total impunidade.
Agora
que sabemos que os crematórios funcionam em plena democracia eleitoral,
tendo-se tornado o novo paradigma da civilização
ocidental, capitalista, colonial e patriarcal; uma realidade que
extrapolou a afirmação do filósofo Giorgio Agamben, para quem
o paradigma da modernidade é o campo de concentração e
extermínio, e não a cidade com suas luminárias, filhas do progresso.
Agora
que sabemos que o genocídio e o campo
de concentração a céu aberto são a estrutura central da dominação,
substituindo o panóptico que durante muito tempo moldou os corpos para o
controle social e a exploração; agora, podemos reconhecer o triunfo
do nazismo como uma forma de impor autoridade. Por isso, chamar de
“fascista” qualquer autoritarismo pode até mesmo
invisibilizar o que é central: a violência nua e crua dos de cima para conter
os de baixo.
Agora
que sabemos que a dominação não tem limites e que os estados se dedicam a
limpar a cena do crime para disfarçar os horrores, não podemos pensar que os
direitos, as leis e as constituições podem nos servir para cuidar da vida, nos
defender e confiar que os governantes fazem algo pelos povos. Qual é o sentido
de nos mobilizarmos para defender direitos, enquanto os poderosos os ignoram
quando querem?
Agora
que vemos imagens do tratamento humilhante aos detidos nas prisões
salvadorenhas de Bukele e aos deportados
por Trump -
torturados pelo único crime de serem pobres da cor da terra -, podemos ligar os
pontos e observar como o sistema age de forma muito semelhante em Gaza, nas fronteiras
Norte-Sul, nas comunidades negras e indígenas e nos bairros operários
de nossas cidades.
Os
massacres, os genocídios e as torturas são elos do mesmo modo de dominação que
exige nos esmagar e retirar de nossos territórios para seguir acumulando.
Estaríamos errados se pensássemos que são desvios pontuais deste ou daquele
governante, porque estaríamos perdendo de vista a mutação
sistêmica que levou a esse estado de coisas. Um novo modelo começou a
despontar, no final dos anos 1960, para se contrapor ao que Immanuel
Wallerstein chamou de “revolução mundial de 1968”, quando os mais diversos
no planeta convergiram para derrotá-lo.
Agora
que sabemos tudo isso e muito mais, que dia a dia vamos decifrando através de
nossas resistências. Agora, o que vamos fazer?
Não
adianta olhar para outro lado, rezando para que a tempestade não passe por cima
de nós, com a esperança vã de que atinja só aqueles que estão apenas meio
degrau abaixo de nós. É um absurdo esperar passivamente que caiam primeiro os
mais frágeis, as crianças, os idosos, os povos negros e indígenas, porque
é só uma questão de tempo até que a tempestade atinja todos nós que não fazemos
parte do 1% mais rico e poderoso.
Nos
anos 1970, pelo menos na América do Sul, nós, rebeldes,
cultivamos um lema que sintetizava os desejos de lutar por uma mudança radical,
pela revolução: “ser como o Che”. Não era uma linha, nem um programa
político, mas um modo de encarar a vida, algo que hoje chamamos de ética. Em
suma, uma ética de vida que incluía colocar o próprio corpo, dar tudo para
mudar este mundo.
Passado
mais de meio século, sinto que as perguntas são outras, no formal, embora
idênticas em seu sentido profundo. Estaremos à altura dos pais e das famílias
que procuram seus filhos desaparecidos? Conseguiremos seguir o seu exemplo de
firmeza implacável? Estamos dispostos, pelo menos, a acompanhá-los em sua
tremenda jornada?
Anos
atrás, em uma Argentina onde a dignidade recebia o nome de Mães
da Praça de Maio e de Avós da Praça de Maio, surgiu um lema que
dizia: “lute como uma avó”, muitas vezes, acompanhado pelo rosto de Nora Cortiñas, que com mais de 90
anos nunca deixou de comparecer a todas as reuniões e manifestações onde sua
mera presença galvanizava os ânimos e estimulava as rebeldias.
Como
aponta um comunicado recente do Exército Zapatista de Libertação Nacional,
“aqueles que buscam não são silêncio, são sementes”. Não é uma utopia, nem um
desejo, mas uma simples leitura da realidade. A fenomenal insurreição argentina
de 19 e 20 de dezembro de 2001, que fissurou o neoliberalismo, é filha da
resistência de mães e avós. Sem elas, não teria existido memória, nem
organização. Foram escola para milhares de jovens que não se submeteram à
lógica da derrota.
Essas
mãos que aram a terra buscando vão parir as dignidades que iluminarão o futuro
das gerações que seguirão abrindo sulcos de vida, desafiando a indiferença e o
desprezo de outros.
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Profissionais do Pentágono pedem demissão em massa nos EUA
Quase
todos os profissionais do Serviço Digital de Defesa (DDS) – o braço de
desenvolvimento tecnológico avançado do Pentágono – estão se desligando de seus
cargos no próximo mês, em meio à pressão do DOGE (Departamento de Eficiência
Governamental) de Elon Musk.
Segundo fontes ouvidas pelo site Politico.com, as demissões
levarão ao encerramento efetivo do programa criado em 2015 para ajudar o
Pentágono a adotar soluções tecnológicas rápidas em meio a crises de segurança
nacional, além de impulsionar a inovação dentro do Pentágono ao estilo do Vale
do Silício – levando o programa a ser conhecido internamente como “equipe SWAT
de nerds”.
Com o
fim desse programa, os esforços para otimizar o uso de talentos ligados ao
setor de tecnologia dentro do Departamento de Defesa e o combate a drones
adversários serão interrompidos. Segundo porta-voz do Pentágono, as funções do
escritório seriam absorvidas pelo Escritório Chefe de Inteligência Digital e
Artificial, do qual o DDS faz parte.
Entre
outros pontos, o departamento desenvolveu ferramentas de resposta rápida
durante a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão; criou bancos de
dados para transferência de ajuda militar e humanitária à Ucrânia; e preparou
tecnologias de detecção de drones.
Um
ex-alto funcionário do Pentágono entrevistado pelo site descreveu a incursão do
DOGE dentro do Departamento de Defesa como “prejudicial e improdutiva”.
Fonte: The Guardian/La Jornada

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