70%
das pacientes com câncer passam por término de relacionamentos amorosos
Desde a
infância, mulheres são ensinadas a cuidar, seja dos maridos, dos filhos, da
casa ou da família, mas, ainda assim, são abandonadas em momentos de
fragilidade, como durante o tratamento de uma doença. O Correio conversou com
mulheres que, após o diagnóstico e durante o tratamento do câncer de mama,
foram rejeitadas, negligenciadas ou até mesmo abandonadas por seus parceiros.
Essa situação é mais comum do que se imagina, não só no câncer de mama, mas em
várias outras doenças. Esse abandono, além de doloroso, pode prejudicar
seriamente a recuperação, devido ao impacto emocional. A pergunta que não quer
calar: quando adoecem, quem cuida dessas mulheres?
Uma
pesquisa de 2023 da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) apontou que 70%
das mulheres em tratamento oncológico passam pelo término de uma relação
amorosa, ou seja, sete em cada 10 mulheres são impactadas pelo abandono quando
descobrem um câncer.
Fora do
Brasil, a situação é semelhante para as mulheres que adoecem. De acordo com um
estudo das universidades de Stanford e Utah, nos Estados Unidos, em conjunto
com o Centro de Pesquisas Seattle Cancer Care Alliance, mulheres têm seis vezes
mais chance de serem abandonadas pelos parceiros após descobrirem uma doença
grave e ameaçadora à vida.
"Ouvir
que ele não poderia cuidar de mim e que ele não dava conta de ficar com uma
mulher com um peito só foi mais forte do que o diagnóstico do câncer."
Lourdes Capitulino faz parte da estatística. Aos 42 anos, teve a vida
completamente abalada por um câncer de mama e pelo abandono emocional do
parceiro, com quem passou 25 anos e teve três filhos.
Quando
foi diagnosticada, em 2004, Lourdes conta que teve o apoio apenas dos filhos
para aguentar a mastectomia, as seis sessões de quimioterapia e outras 33
sessões de radioterapia. "Minha filha caçula ainda era adolescente, foram
eles que me ajudaram. O meu ex-marido nunca apareceu em nenhuma consulta, em
nenhuma sessão de quimio. Era uma vizinha que me levava para o Hospital de Base
para fazer as sessões. Eu pagava pelo combustível e ela me dava carona. Foi
muito duro", lembra. "Eu via aquelas mulheres no hospital, todas
parecidas comigo e com histórias parecidas, e aquilo me dava forças, pensava:
'Se elas estão vencendo, eu também vou".
Apenas
em 2011, Lourdes conseguiu a cirurgia de reconstrução da mama de maneira
gratuita pelo Hospital Regional da Asa Norte e, com isso, participou de um
ensaio fotográfico promovido pela ONG Recomeçar, para mulheres mastectomizadas.
"Quando as fotos saíram, ele me ligou pedindo para voltar. Ele disse que
na época estava com medo de eu morrer. Eu fiquei muito debilitada, parei tudo
na minha vida, mas fui forte para vencer apenas com o apoio dos meus
filhos", diz. "Hoje, eu consigo falar sobre isso, mas foi muito
sofrido", lamenta. Depois de 20 anos, Lourdes diz que perdoa o ex-marido
por toda a situação. "Eu perdoo ele, não guardo rancor, mas por mim, para
eu ficar em paz comigo".
• Recomeçar
A
fundadora da ONG Recomeçar, Joana Jeker, comenta que, durante os 14 anos do
projeto, diversas mulheres na mesma situação de Lourdes apareceram pedindo
ajuda. "Nossa atuação é, principalmente, nas articulações política e
públicas para garantir todos os processos que a mulher passa na jornada do
tratamento oncológico. Também oferecemos apoio emocional e psicológico para
essas mulheres que passam por situações similares à da Lourdes", explica.
Alessandra
José, de 45 anos, que trabalha com serviços gerais, também viveu o abandono.
"Eu recebi o diagnóstico em dezembro de 2024. Não tive o amparo do SUS.
Tive que correr e resolver tudo por conta própria. Eu queria fazer a cirurgia o
quanto antes", conta. Após a cirurgia, ela voltou para casa, mas se
deparou com um lar diferente. "Quando fiz a cirurgia, cheguei em casa e
não tinha nada, só um colchão, as minhas coisas e as da minha filha. Meu marido
desapareceu." A dor da doença se somou à ausência do marido, que, além de
abandonar a casa, deixou Alessandra sozinha para enfrentar o pior momento de
sua vida.
O
impacto emocional foi profundo para Alessandra, principalmente depois de
descobrir que o ex-marido já estava com outra mulher. "Fiquei sabendo que
ele estava com outra. Não fui negligenciada apenas pela ausência. Ele estava um
dia comigo na consulta e no outro sumiu", desabafa. Para ela, a situação
foi mais do que uma simples separação. "Eu era uma mulher extremamente
vaidosa. Foi um choque perder o cabelo, a sobrancelha. Ele me matou antes de
saber se eu poderia sobreviver ou não à doença."
Alessandra
ainda está em tratamento, tendo feito a última sessão de quimioterapia há
apenas algumas semanas. Ela continua firme, enfrentando não só a batalha contra
a doença, mas também o abandono e a solidão que se seguiram. "Minha vida
foi revirada de cabeça para baixo."
• Imaturidade
A
psicóloga Karine Figueiredo explica que o abandono em situações de doença tem a
ver com a falta de maturidade emocional. "Alguns homens não conseguem
lidar com a responsabilidade de apoiar uma parceira doente", afirma. Ela
também aponta que o medo da morte, associado ao sofrimento da doença, pode
gerar um afastamento, assim como o egoísmo e a falta de compromisso com o
relacionamento.
"A
doença pode despertar neles a insegurança sobre a própria finitude, levando-os
a se afastar para evitar o sofrimento. Em alguns casos, o relacionamento já era
frágil e a doença apenas revelou a falta de compromisso genuíno. O tratamento
pode alterar a aparência e a dinâmica do relacionamento e alguns homens, por
imaturidade ou machismo, não sabem lidar com isso."
Karine
sugere que, embora o impacto emocional machuque, a mulher precisa entender que
"a culpa não é dela". A ajuda da família, amigos e grupos de apoio é
necessária na recuperação física e emocional, assim como buscar suporte
psicológico para lidar com o luto da separação.
Para o
psicólogo e escritor Leandro Cunha, o comportamento dos homens que se
distanciam de suas mulheres doentes pode estar ligado a inseguranças.
"Alguns homens podem sentir-se inadequados ou distantes devido à dedicação
intensa das mulheres à família, mas isso nunca justifica ações que causem
sofrimento."
O
psicólogo enfatiza que cada caso é único. No entanto, o mais importante para a
mulher, diante do abandono, é priorizar o autocuidado e buscar apoio emocional.
"É de suma importância que ela possa estabelecer limites claros e jamais
permita que o comportamento do parceiro afete sua autoestima ou dignidade. A
mulher é completa em si, caso o cônjuge deseje não aceitar isso, então ela
precisa se priorizar", disse.
Ambos
os psicólogos concordam que, apesar da dor do abandono, muitas mulheres
conseguem se reerguer e encontrar força para superar o câncer e a separação.
Figueiredo, por exemplo, sugere que as mulheres devem sentir o luto, mas não se
deixar consumir por ele. "Muitas mulheres que passaram por essa situação
relatam que, no fim, foi uma libertação. A doença revelou quem estava ao lado
delas por amor e quem estava apenas por conveniência."
• Direitos
Advogados
de direito da família, Cláudia Rachid Machado e Bruno de Azevedo Machado
destacam a complexidade jurídica que envolve o abandono de um companheiro
diante de um diagnóstico de doença grave. "Não é apenas uma questão moral,
mas pode ter implicações jurídicas também. Embora muitos entendam o fim de um
relacionamento como um ato de liberdade pessoal, há circunstâncias em que essa
ruptura abrupta pode gerar consequências legais, sobretudo quando há um vínculo
sólido entre as partes, que justifique a busca por direitos, como pensão
alimentícia, especialmente quando a parte abandonada está em situação de
vulnerabilidade", explicam.
Os
advogados sublinham que, em determinados casos, é possível buscar compensações
jurídicas por danos morais. "Se comprovar que o casal mantinha uma relação
estável e duradoura, com convivência pública, contínua e com objetivos comuns,
é possível buscar o reconhecimento da união estável, mesmo após o
rompimento." Além disso, a falta de apoio emocional, financeiro ou mesmo o
abandono durante o enfrentamento de uma doença pode ser considerado um ato
ilícito. "O rompimento abrupto e insensível em um momento de fragilidade
extrema pode ser interpretado como um ato ilícito, passível de reparação."
• Algoritmo pode detectar tumores e
revolucionar tratamento contra câncer
Pesquisadores
analisaram a sequência completa de DNA de 4.775 tumores de sete tipos de câncer
para criar um algoritmo capaz de identificar tumores com falhas que os tornam
mais fáceis de tratar. Segundo a equipe de cientistas da Universidade de
Cambridge, futuramente o algoritmo poderá abrir caminho para planos de
tratamento mais personalizados, aumentando as chances de sobrevivência das
pessoas.
"O
sequenciamento genômico agora é muito mais rápido e barato do que nunca.
Estamos nos aproximando do ponto em que sequenciar seu tumor será tão rotineiro
quanto um exame de imagem ou de sangue", frisou Serena Nik-Zainal,
professora de medicina genômica e bioinformática.
Os
pesquisadores procuraram padrões no DNA criados pelas chamadas mutações
“indel”, nas quais letras são inseridas ou excluídas da sequência normal de
DNA.
"Cânceres
com reparo de DNA defeituoso têm maior probabilidade de serem tratados com
sucesso. O algoritmo PRRDetect nos ajuda a identificar melhor esses cânceres e,
à medida que sequenciamos cada vez mais cânceres rotineiramente na clínica, ele
pode, em última análise, ajudar os médicos a adaptar melhor os tratamentos a
cada paciente", explica Serena.
A
pesquisa ressalta que a criação do algoritmo demonstra o valor do
sequenciamento do genoma completo, não apenas na pesquisa, mas também na
clínica, promovendo o avanço do tratamento do câncer.
O
estudo detectou padrões incomuns de mutações "indel" em cânceres que
apresentavam mecanismos de reparo de DNA defeituosos – conhecidos como
"disfunção de reparo pós-replicativo" ou PRRd. Tumores PRRd são mais
sensíveis à imunoterapia, um tipo de tratamento contra o câncer que utiliza o
próprio sistema imunológico do corpo para atacar as células cancerígenas.
O
estudo Taxonomia indel redefinida revela insights sobre assinaturas
mutacionais, foi publicado na revista Nature Genetics.
Fonte:
Correio Braziliense
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