Marcelo
Zero: Caos e burrice não geram empregos. Planejamento inteligente gera
O que
Trump está fazendo não tem precedente histórico equivalente.
Sua
atuação brutal, improvisada, bisonha e errática, principalmente na área
econômica, estende um manto obscuro de perplexidade e incerteza em todo o
mundo.
Suas
intermináveis “idas e vindas” em torno do “tarifaço” ou dos vários tarifaços e
sua obsessão em torno de um protecionismo primário, exacerbado e sem uma
estratégia racional mergulharam o planeta numa Era do Caos, segundo a sisuda e
conservadora The Economist.
Ao
contrário do que se possa acreditar, a recentemente anunciada pausa de 90 dias
no tarifaço, está longe de resolver o caos instalado e não significa que Trump
desistiu de sua desvairada e improvisada agenda protecionista.
Em
primeiro lugar, porque ninguém sabe o que Trump fará daqui a 90 dias. Nem mesmo
ele.
Em
segundo, porque as tarifas de 10% continuam para todo mundo, além das outras
tarifas específicas, como as do aço e as dos automóveis, por exemplo. Pode parecer pouco, mas é preciso considerar
que as tarifas médias estadunidenses estavam em 2,5%. Portanto, aumentá-las
linearmente em 10% para todos os produtos significa quadruplicá-las.
Em
terceiro, porque o embate entre as duas maiores economias do mundo (EUA E
CHINA), responsáveis por cerca de 50% do PIB mundial, continua a escalar, com
tarifas que alcançam 125%., além de outras medidas protecionistas.
Evidentemente, o comércio internacional e a economia planetária serão afetados,
mesmo no caso de uma guerra comercial restrita a esses dois países.
Os
apoiadores de Trump continuam a argumentar que tudo isso estava previsto, que
há um plano muito inteligente por trás desse caos e dessa oligofrenia
generalizada.
Mas não
há, de fato, estratégia racional ou um plano bem-elaborado. Não há uma teoria
econômica que sustente essa, por assim dizer, porca lambança tarifária e
econômica.
É tudo
improvisado, de maneira tosca.
Na
mentalidade dele, todo país que tem superávit comercial com Washington, “rouba
e “explora” os EUA. Ele confunde, propositalmente, déficit com tarifa.
Ressalte-se
que a OMC não permite, pelo princípio da nação mais favorecida que as tarifas
possam ser impostas a países diferenciados. As tarifas só podem ser aplicadas,
de forma não discriminatória, a produtos e serviços. Assim, se um país aplica
15% de tarifa de importação para automóveis, tal tarifa tem de ser aplicada aos
automóveis provenientes de quaisquer partes do mundo.
Portanto,
a fórmula trumpista de se calcular e impor “tarifas” impede qualquer negociação
racional sobre o tema. E revela total improviso analítico e falta de estratégia
racional, por parte de Trump. Como negociar ou conversar com base em argumentos
oligofrênicos e mentirosos?
O que
há um desejo político atabalhoado e improvisado de se atingir alguns objetivos
míticos.
O
primeiro e principal deles é o de reindustrializar os EUA e reduzir
significativamente seus déficits comerciais de bens, que, no ano passado
chegaram a US$ 1, 2 trilhão. Na década de 1950, a indústria dos EUA era
responsável por mais de 60% da produção mundial de bens. Hoje, responde por
cerca de 15%, enquanto a China responde por ao redor de 32%.
Contudo,
não há uma política industrial e de investimentos bem -estudada e de longo
prazo para se chegar a esses objetivos, que jamais serão alcançados com um
protecionismo raso e desvairado de curto prazo. Ninguém se reindustrializa com
simples tarifaços e em 4 anos. Seriam necessárias políticas multidimensionais
(econômicas, educacionais, tecnológicas, industriais, de investimentos etc.) de
longo prazo para se tentar conseguir tais objetivos.
Mas
será que a China, e outros países emergentes, são responsáveis pela queda
relativa da indústria manufatureira dos EUA? Será que a China é responsável
pela grande redução dos empregos da indústria manufatureira dos EUA?
Não,
não é.
A
chamada “globalização” é claramente responsável por algumas importantes perdas
de empregos nos EUA. Particularmente o comércio com a China durante os anos
2000, levou à rápida perda de 2 a 2,4 milhões de empregos líquidos, de acordo
com pesquisas de economistas como Daron Acemoglu e David Autor, do M.I.T.
Contudo,
o principal culpado histórico pela perda de empregos na indústria
estadunidense, segundo a maior parte dos analistas econômicos, não é a
“globalização” ou a China.
Uma
análise, muito citada, da Ball State University, feita em 2015, atribuiu apenas
cerca de 13% das perdas de empregos na indústria dos EUA ao comércio
internacional, durante a primeira década deste século. O restante das perdas
teria sido ocasionado, predominantemente, pelo aumento da produtividade,
devido, essencialmente, à automação. A indústria de vestuário e de calçados foi
a mais afetada pelo comércio internacional, enquanto a indústria de
computadores e eletrônicos teria sido mais afetada pelos avanços tecnológicos.
Portanto,
tal estudo revelou que quase 88% das perdas de empregos na indústria
estadunidense, entre 2000 e 2010, foram devidas à automação e ao aumento da
produtividade.
Alguns
casos são muito claros.
Vejamos
o exemplo da indústria siderúrgica, objeto de tanta reclamação, por parte de
Trump. Ela perdeu mais de 400.000 empregos diretos, 75% de sua força de
trabalho, entre 1962 e 2005.
Porém,
sua produção não diminuiu, de acordo com um estudo publicado na American
Economic Review, em 2017. O motivo maior da perda de empregos foi uma nova
tecnologia chamada de “mini-mill”, caracterizada por aciaria com fornos a arco
elétrico (EAF) e lingotamento contínuo.
Os efeitos da nova tecnologia predominaram, mesmo após o controle de
práticas de gestão; o comércio internacional; e taxas de sindicalização,
constataram os autores do estudo, Allan Collard-Wexler, de Duke, e Jan De
Loecker, da Universidade de Princeton.
Por
conseguinte, a criação do chamado “Rust Belt” não tem muita relação com a China
ou outros países. Tem mais relação com o desejo dos próprios capitalistas
estadunidenses de investirem em automação para reduzir custos e aumentar
lucros. Secundariamente, muito secundariamente, esse empenho em reduzir custos
e aumentar lucros também deslocou muitas indústrias estadunidenses, europeias e
japonesas para a China.
Ironicamente,
China é, hoje, o país que mais investe em automação e no aumento da
produtividade de sua indústria e da sua economia, de um modo geral.
De 1995
a 2021, o investimento total em P&D da China saltou de US$ 18,2 bilhões
para US$ 620,1 bilhões — um aumento de 3.299% em comparação com os 277% dos
EUA, segundo o Instituto Rathenau, da Holanda. A China se tornou o mais
importante polo global de pesquisa científica avançada. Segundo a The
Economist, cientistas chineses lideram o mundo na produção de artigos de alto
impacto e na contribuição para publicações científicas famosas, selecionadas
após rigorosa revisão por pares.
Esse
movimento vem sendo ocasionado, entre outros motivos, pelo envelhecimento da
população chinesa e pela redução crescente da oferta de mão-de-obra, antes
amplamente elástica. A mão-de obra chinesa está encarecendo. A mão de obra mais
barata está, hoje, no Sudeste Asiático.
Mas
qual a diferença desse processo chinês, em relação ao estadunidense? Ele também
não vai gerar desemprego e precariedade laboral na China, como nos EUA e outros
países?
A
diferença da China está no planejamento inteligente de longo prazo e nas
prioridades políticas.
De
acordo com a diretriz estrutural divulgada, ao final de 2024, pelo Comitê
Central do Partido Comunista da China e pelo Conselho de Estado, a China deverá
implementar uma estratégia que vai priorizar a geração de empregos
(“job first Iniciative”), fortalecerá as políticas de emprego,
enfrentará as contradições estruturais, aprofundará as reformas institucionais,
e que também vai proteger o mercado
contra o risco de desemprego em larga escala e promover uma melhoria
efetiva na qualidade do emprego e um crescimento líquido suficiente de postos
de trabalho.
Segundo
a diretriz: “o emprego é o meio de vida mais básico e está relacionado aos
interesses vitais da população, ao desenvolvimento sólido da economia e da
sociedade e à estabilidade do país a longo prazo”.
A ideia
é a de que os investimentos em novas tecnologia, no bem-estar da população
(educação e saúde) e no crescimento do consumo interno vão permitir à China
gerar uma quantidade significativa de bons empregos líquidos, mesmo com a
implantação das chamadas “indústrias escuras”, fábricas baseadas em IA,
totalmente automatizadas, sem luz, sem calefação, sem ar-condicionado, sem
pausas e com máquinas e robôs que se coordenariam apenas com luz infravermelha.
Neste
ano, prevê-se a geração líquida de cerca de 12 milhões de novos e bons empregos
urbanos na China.
A
China, uma autocracia ou suposta autocracia, coloca o bom emprego e o ser
humano como prioridade da sua estratégia econômica. Essa é uma decisão política
de um país, no qual as forças do mercado estão submetidas ao interesse público
e social.
Já os
EUA, tanto em administrações de Democratas ou de Republicanos, são uma
democracia, ou uma suposta democracia, no qual o bem público e os interesses
sociais estão submetidos às necessidades do mercado, isto é, aos desejos e
interesses de uma dúzia de bilionários.
Não
surpreende, portanto, que uma “democracia” desse tipo gere desemprego,
desigualdade, pobreza e precariedade laboral digital.
Não
surpreende, também, que se coloque a culpa de tudo em emigrantes e
estrangeiros.
Fonte:
Brasil 247

Nenhum comentário:
Postar um comentário