Crise
de prisão de ventre veio antes da ação do STF
Muita
gente acredita na teoria de que o corpo humano tem manifestações premonitórias.
O que aconteceu com o ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, no Rio
Grande do Norte, foi sintomático. Na madrugada de quinta para sexta-feira, após
um dia de campanha pelo interior do Estado, ele passou mal com prisão
intestinal e, após um primeiro atendimento em Santa Cruz, precisou da ajuda de
um helicóptero do governo do RN, comandado pela petista Fátima Bezerra, que
colocou todos os efetivos oficiais à disposição, conforme solicitação do
senador Rogério Marinho (PL-RN), para levá-lo a um hospital mais aparelhado da
capital. A situação piorou e o ex-presidente seria removido sábado à noite numa
UTI aérea para ser operado neste domingo (13) à tarde, em Brasília.
Enquanto
os apoiadores de Bolsonaro passaram a manhã de sexta-feira apreensivos, em
Brasília, o Supremo Tribunal Federal abriu uma ação penal contra os réus do
núcleo 1 da trama golpista para manter Bolsonaro no poder após as eleições de
2022. O processo que poderá levar Bolsonaro e mais sete figuras do alto escalão
de seu governo à prisão será de relatoria do ministro Alexandre de Moraes e
tramitará na Primeira Turma da Corte.
- 'Dura lex sed
lex'
A lei é
dura, mas é a lei. Além de ignorar a situação aflitiva de Bolsonaro, que
poderia ser usada pelos apoiadores do requerimento de anistia para colher mais
assinaturas de deputados federais na Câmara, o relator do processo no STF,
ministro Alexandre de Moraes, aceitou na íntegra a denúncia da Procuradoria
Geral da República, na tarde de sexta-feira. A Primeira Turma do STF acatou a
denúncia em 26 de março, no segundo dia de exame do parecer da PGR, por 5 a 0.
Moraes foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e
Cristiano Zanin. Formalizada a denúncia, foi instaurado o processo criminal,
registrado sob o número 2.668.
Os
crimes imputados contra Bolsonaro e mais sete réus são: Organização criminosa
armada; Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; Golpe
de Estado [no julgamento, as duas acusações podem ser fundidas numa só, para
diminuir as penas, pressionam os advogados de defesa] e ainda dano qualificado
pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável
prejuízo para a vítima; e Deterioração de patrimônio tombado.
Bolsonaro
será intimado tão logo deixe Natal (RN), com retorno a Brasília, onde reside.
Mesmo que a Justiça não encontre Bolsonaro e os outros réus nos endereços após
sucessivas tentativas, o processo não será interrompido. Neste caso, haverá a
citação por edital, a ser publicada no Diário de Justiça. Quando for intimado e
receber o documento para responder à acusação, Bolsonaro terá cinco dias de
prazo para apresentar defesa prévia no processo. As defesas poderão arrolar
testemunhas para depor a favor dos denunciados, sendo permitido até oito nomes
por crime imputado. Ou seja, como Bolsonaro e os demais respondem por cinco
crimes, eles poderão indicar até 40 testemunhas. Com o passaporte apreendido,
Bolsonaro está impedido de deixar o país, mas pode mudar-se para outro estado
ou região de Brasília, desde que informe à Justiça para evitar problemas com
intimações.
Após
toda essa fase, terá início, de fato, a etapa de instrução e julgamento. Nessa
fase, Bolsonaro e os demais acusados terão contato direto com os ministros da
Primeira Turma, quando serão apresentadas alegações de defesa, colhidas provas
e ouvidas testemunhas e os próprios réus. Os réus, também, poderão apresentar
embargos para questionar alguma dúvida que, porventura, possa aparecer no
processo.
Além de
Bolsonaro, são réus: Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira
de Inteligência (Abin); Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do
Distrito Federal; general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança
Institucional; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência; Paulo Sérgio
Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da
Casa Civil.
- A paternidade do
socorro a Bolsonaro
Desde
que levou facadas no abdômen, em 6 de setembro de 2018, desferidas por Adélio
Bispo quando fazia campanha eleitoral, em Juiz de Fora (MG), Jair Bolsonaro já
passou por várias cirurgias. E os médicos que salvaram a sua vida e o deixaram
com uma bolsa de colostomia (já retirada) o aconselharam a seguir uma dieta
leve, sem abuso de comidas pesadas e gordurosas. Mas, Bolsonaro, um glutão, já
sofreu muitas agruras por comer muito e rápido. Ele não resiste a uma picanha.
Em janeiro de 2022, foi internado com uma obstrução intestinal por ter comido
camarão sem mastigar o bastante.
Agora,
no interior do Rio Grande do Norte, numa caravana pela anistia dos envolvidos
no 8 de janeiro de 2023 e preparatória da campanha eleitoral de 2026, não se
sabe do que abusou em Santa Cruz, onde começou a passar mal de madrugada.
Transferido às pressas de helicóptero no começo da manhã para a capital Natal,
o ex-presidente chegou ao Hospital Rio Grande a bordo de ambulância do Samu. No
hospital, o uso de uma sonda nasogástrica deu um alívio imediato, adiando a
viagem em UTI aérea para o Sírio e Libanês, em São Paulo, onde tudo já estava
preparado para operação de emergência. Bolsonaro, que ainda não está fora de
perigo, já foi transferido para Brasília para uma nova cirurgia. Não se
sabe se explicou ao novo cirurgião, se provou uma indigesta buchada de bode ou
se abusou de carne de sol, com baião de dois.
De
qualquer forma, o simples fato de estar a bordo de ambulância do Samu levou o
recém-empossado ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que é médico, a postar
foto da ambulância com a porta traseira aberta e Bolsonaro deitado em uma maca,
já com atendimento de emergência, para elogiar o Serviço de Atendimento Móvel
de Urgência (Samu), criado pelo presidente Lula em seu primeiro mandato, em
2003.
“Todo
mundo sabe: na hora da emergência, chama o Samu 192! Atendimento de urgência
para salvar vidas de norte a sul. Criado pelo presidente @LulaOficial, para
todos os brasileiros, cada vez maior e mais rápido! Viva o SUS!", escreveu
Padilha.
Na
verdade, o SAMU é uma cópia do sistema introduzido na França, em 1986 – o
“Service d'aide médicale urgente” — que faz uso da mesma sigla
"Samu", considerado por especialistas como o melhor do mundo. O
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - Samu 192 é um dos componentes da
Política Nacional de Atenção às Urgências do Ministério da Saúde, e faz parte
da Rede Assistencial Pré-Hospitalar Móvel de atendimento às urgências. Mas,
como dizia o grande químico francês Antoine-Laurent Lavoisier, que viveu no século
XVIII, “na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Ou se
copia.
Antes
do Samu francês, o Brasil teve o pioneiro “Serviço de Assistência Médica
Domiciliar e de Urgência da Previdência Social”, mais conhecido como Samdu, que
tinha ambulâncias para socorro de pacientes em casa. Criado no Distrito
Federal, em 1949, no governo do marechal Eurico Dutra, o serviço funcionou até
1966, mesmo depois da transferência da capital para Brasília e o município do
Rio de Janeiro virar o Estado da Guanabara. Lembro de que, certa vez, meu tio
Carlos Horta da Costa foi socorrido por ambulância do Samdu em sua casa, na
Tijuca. Tio Carlito, engenheiro da Light, tinha crises de asma mais terríveis
que as minhas (me livrei delas ao banir o leite da minha vida, em 2005, quando
vendi as vacas do sítio e deixei de trazer o leite puro e gorduroso para o
Rio). Ele morreu aos 90 anos, em novembro de 1999, muito próximo do sonho de
viver no ano 2000.
- Noivado com dote
do Tesouro Nacional
O
deputado federal Covatti Filho (PP-RS) é um homem apaixonado. Para conquistar
definitivamente a noiva, que também é presidente da Câmara de Vereadores de
Santa Cruz do Sul (RS), Nicole Weber (Podemos), destinou uma emenda parlamentar
para garantir a reforma da rede elétrica do Hospital Santa Cruz, que atende a
população local e moradores de cidades vizinhas. Para quem não sabe, Santa Cruz
do Sul, uma bela e arborizada cidade de 140 mil habitantes (estive lá há 15
anos), é a capital brasileira da indústria do fumo, cujas lavouras se espalham
por municípios da Serra Geral, situados abaixo da região vinícola de Bento
Gonçalves, Flores da Cunha e Caxias do Sul.
Uma
contribuição das grandes indústrias fumageiras seria suficiente para garantir o
atendimento a boa parte dos colonos que contraem doenças causadas pelo contato
diário nas lavouras e nas estufas de secagem das folhas de fumo. Mas Covatti
Filho quis fazer bonito e, como adiantou o vídeo publicado pela loura Nicole
Weber nas suas redes sociais, ela recebeu de “presente” do noivo uma emenda
parlamentar de R$ 1,3 milhão do Orçamento Secreto. Só que o dinheiro é o seu, o
meu, o nosso dinheirinho do Tesouro Nacional. A lua de mel está garantida e
todo o enxoval do casamento.
Por
isso, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, faz muito bem em
exigir transparência nas verbas que cabem ao Congresso no Orçamento Secreto,
com indicação de quem (deputado ou senador) destina os recursos, o município
destinatário e a finalidade do repasse. O ex-ministro das Comunicações,
deputado Juscelino Filho (União-MA), renunciou esta semana ao governo Lula,
depois que a Procuradoria Geral da União o denunciou por desvio de verbas de
mais de R$ 800 mil, quando não estava no governo. As verbas eram referentes ao
quinhão da Codevasf (a Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São
Francisco, cuja abrangência territorial se estendeu para o vale do rio
Parnaíba, na divisa dos estados do Piauí e Maranhão). Só que as verbas ficaram
em família. Foram destinadas ao município maranhense de Vitorino Freire, então
comandado pela prefeita Luana Rezende (União), que vem a ser irmã de Juscelino
Filho. E parte das máquinas da Codevasf e dos recursos foram usados para
asfaltar uma estrada que dava acesso a uma fazenda. Bingo para quem acertar: de
propriedade de Juscelino Filho. Lula o aturou enquanto as suspeitas e denúncias
não foram formalizadas. Quando a PGR formalizou o indiciamento, a posição do
ministro ficou insustentável.
A saída
de um quadro do União Brasil do Ministério do governo Lula abriu espaço para
pressões por uma reforma ministerial maior que a simples entrada da
ex-presidente do PT, Gleisi Hoffmann, na pasta de Relações Institucionais (a
articulação política do governo com o Congresso), na vaga do médico e deputado
(PT-SP) Alexandre Padilha, que assumiu o Ministério da Saúde após a demissão de
Nísia Trindade. O próprio substituto de Juscelino, o também deputado federal
maranhense Pedro Lucas, líder do União Brasil na Câmara, prefere acertar a
substituição na liderança do União na Câmara (pleiteada por Juscelino) e
preferiu adiar a posse para depois da Páscoa, esperando a poeira assentar na
Câmara, agitada pelo lobby da anistia.
Em meio
às marchas e contramarchas de assinaturas em torno da emenda para a anistia dos
condenados no 8 de janeiro de 2023, dois nomes despontam para integrar o
Ministério: os dos ex-presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado e
do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mas vejam como são
delicadas as destinações de verbas do Orçamento Secreto: Lira e Pacheco estão
sob suspeita de terem comandado um total de R$ 460 milhões em Emendas de
Comissão nas duas casas sem muita transparência também.
Flávio
Dino fez jogo duro com as emendas pix para as universidades e pelo menos as de
três estados (Acre, Pernambuco e Piauí) tiveram os recursos liberados
sexta-feira, após prestarem todos os esclarecimentos solicitados. As emendas
pix caem diretamente no caixa dos beneficiários e precisam de rastreio
especial. As universidades de Alagoas, Maranhão, Paraíba, Rondônia e Sergipe
continuam com os repasses bloqueados. Universidades da Bahia, Espírito Santo,
Goiás, Pará, Paraná, Rio de Janeiro e Tocantins, apresentaram informações
consideradas incompletas ou insuficientes, e Dino deu mais 15 dias de prazo
para envio dos dados. O levantamento do ministro encontrou mais de 6 mil
repasses sem transparência.
- A rápida
frustração com Trump
Meus
poucos leitores são testemunhas de que, desde a campanha eleitoral, pus em
dúvida a proposta de Donald Trump de “Make America Great Again”, de tentar
fazer a economia americana ser poderosa novamente, atraindo a produção
industrial para o território americano, após impor pesadas tarifas às economias
concorrentes, em especial à China. Em primeiro lugar porque foram as
multinacionais americanas que decidiram, há mais de três décadas, transferir as
linhas de produção para a China e países de baixo custo de mão de obra. Os EUA
iriam liderar a economia de serviços (financeiros, royalties e patentes e
rendas dos investimentos das filiais) em terceiros países. Nesta configuração,
trocaram o antigo GATT (acordo geral de tarifas e comércio), criado em 1947, na
reorganização do pós-guerra junto com a ONU e seus organismos multilaterais,
como o Fundo Monetário Internacional, a Organização Internacional do Trabalho e
a Organização Mundial de Saúde pela Organização Mundial do Comércio, em 1986,
com supervisão de comércio e serviços. Como previ, são os próprios líderes
empresariais americanos que perceberam que os planos de Trump estão fazendo
água rápido.
Segundo
o “Wall Street Journal”, executivos de Wall Street alertaram, na sexta-feira,
que as tarifas do presidente Trump estavam levando a economia dos EUA para o
desconhecido, e que a incerteza já estava prejudicando consumidores e empresas.
O chefe executivo do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, disse à Fox Business que
acredita que os mercados estão certos em precificar a incerteza causada pelas
tarifas do presidente Trump.
O WSJ
lembra que “os financistas entraram no ano animados com a posse do presidente
Trump, esperando que cortes de impostos corporativos e regulamentação mais
branda elevassem as ações, os negócios e a confiança corporativa. Passado um
trimestre, o tom é completamente diferente e os executivos estão preocupados
com as tarifas e seu impacto, especialmente após as oscilações do mercado neste
mês. Alguns economistas preveem uma recessão no segundo semestre de 2025”. A
menos que Washington e Pequim entrem em acordo de tarifas mútuas antes do fim
da trégua de 90 dias aos demais.
Com a
guerra comercial com a China (seria melhor que Trump e XI Jinping entrassem num
ringue para uma luta de sumô para resolver as diferenças), o grande temor é de
que os estilhaços levem os EUA a demorar a reconstruir suas fábricas (o modo de
produção foi substituído pela robótica e a automação, no mercado das cadeias
produtivas de valor, que não deixa espaço para o emprego no trabalho
tradicional) e ainda ameacem os mercados dos países emergentes, como o Brasil,
com a invasão de quinquilharias chinesas.
A
vantagem da idade é a experiência de vida. Meus 53 anos de jornalismo econômico
me ensinaram muita coisa. É possível tirar o gênio da garrafa. Mas devolver o
gênio à garrafa, ninguém conseguiu. Trump está sendo forçado a perceber isso
pelos desastres que já causou nos mercados. Além da pressão dos grandes
magnatas do mercado financeiro e dos “tycons” da indústria e dos serviços, os
abalos na confiança mundial em relação aos Estados Unidos e ao dólar como moeda
de reserva começaram a doer no bolso de Tio Sam: o Tesouro americano percebeu
descartes de investidores peso pesado – países soberanos – em “bonds” do
Tesouro.
Por
isso, na sexta-feira à noite, além de excluir da lista de bens “made in China”
e de países da Ásia altamente taxados smartphones, eletrônicos, chips e
computadores da Apple, Dell, Nvidia – que ficaram com apenas 20%, em vez do
teto de 145% -, o presidente Trump insistiu em dizer, a bordo do Air Force One
que o dólar "é uma moeda forte e continuaria sendo a moeda preferida por
muitos anos”. Falta combinar com os Brics e os europeus. Estes, desde o calote
de Nixon no acordo de paridade do dólar ao ouro, em 1971, ficaram ressabiados e
acabaram criando moeda própria comum, o euro.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, no JB
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