sábado, 1 de julho de 2023

Inelegibilidade de Bolsonaro fragiliza extrema-direita mundial

Quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência em 2019, sua vitória não significou apenas a existência de um chefe de estado ligado à extrema direita mundial no comando de um dos maiores países do mundo.

Para movimentos em diferentes locais, grupos ultraconservadores e lobistas, era a oportunidade que muitos tanto esperavam para que a máquina de um estado fosse usada para fazer avançar sua agenda e redefinir até mesmo a estrutura internacional.

Agora, a decisão de afastar Bolsonaro da vida política é visto entre os movimentos de extrema direita e observadores como um divisor de águas para grupos que operam nos bastidores para garantir que a ideologia ultraconservadora possa ter influência.

Para pessoas ligadas ao movimentos na Europa, o momento é o de repensar estratégias e usar a situação do brasileiro como “alerta”. Se oficialmente partidos e aliados de Bolsonaro se dizem dispostos a emitir comentários lamentando a decisão do julgamento, nos bastidores a ordem é de “aprender a lição”.

Fontes consultadas em algumas das principais capitais europeias destacam que não há qualquer sinal de que o movimento ultraconservador esteja desaparecendo. Nas eleições regionais espanholas, há dois meses, o partido de extrema direita Vox triplicou o número de eleitores Na Itália, a líder ultraconservadora Giorgia Meloni chegou ao poder e hoje governa abandonando em parte um discurso violento.

Na França, Marine Le Pen moderou o tom e busca ser presidente nas próximas eleições com uma plataforma que visa falar da renda do trabalhador, e não mais de questões apenas de imigração. Para alguns dos estrategistas desses grupos, Bolsonaro serve de “alerta”.

O movimento de extrema direita via na existência de Donald Trump e Jair Bolsonaro uma possibilidade real de desmonte do multilateralismo e de agendas progressistas. E, de fato, foi isso que ocorreu ao longo de quatro anos.

Durante o período em que esteve no poder, Bolsonaro:

# Rompeu consenso sobre termos que eram já consolidados, como gênero. Promoveu e deu apoio político para partidos e grupos de extrema direita pela Europa Questionou a OMS, a ciência e a questão climática

# Agiu nos bastidores para enfraquecer decisões internacionais e criticou ONU O governo Bolsonaro seria ainda alçado à posição de protagonista da extrema direita mundial quando Donald Trump perdeu as eleições, nos EUA em 2021.

Naquele momento, o movimento ultraconservador americano repassou o bastão ao Brasil, para que a agenda internacional fosse mantida e liderada pelos bolsonaristas.

Num email enviado a apoiadores de todo o mundo, a então secretária responsável pela questão da defesa da Família e das Mulheres, Valerie Huber, indicou que o movimento deveria passar a procurar a embaixada do Brasil e Washington para manter viva a coalizão ultraconservadora.

Como resultado, nos fóruns da extrema direita europeia, os principais nomes do bolsonarismo passaram a figurar como verdadeiras estrelas e referências.

Mas a operação não seria apenas simbólica.

Com a estrutura do Itamaraty, Forças Armadas e demais órgãos do estado, o bolsonarismo usou as redes criadas ao longo de décadas por parte do país para promover o projeto ultraconservador.

Segundo pessoas que serviram durante o governo Bolsonaro, a derrota para Lula foi um primeiro abalo importante.

O movimento ficou órfão da estrutura do estado brasileiro para que temas fossem debatidos ou vetados nos organismos internacionais.

Assim que assumiu, Lula retirou o Brasil das alianças ultraconservadores e reposicionou o país junto aos blocos que defendem visões progressistas dos direitos humanos.

Mas a versão ainda era a de que a eleição havia sido fraudada e que, portanto, haveria uma chance real de voltar a disputar o poder.

Agora, a inelegibilidade transforma o debate.

Para esses grupos, há um sentimento de que a estratégia de disseminação de mentiras será confrontada pelas estruturas legais e pelas instituições democráticas.

Se por anos os grupos conseguiram fazer avançar suas agendas, propostas e candidatos sem ter de recorrer a fator reais ou a projetos políticos sólidos, a constatação é de que, nos EUA, Brasil e outros países, as forças democráticas caminharam para fechar um cerco, ainda que frágil.

Também ficou evidenciado para a extrema direita que democracias vão dar respostas coordenadas, como aconteceu quando lideres se perfilaram para saudar a eleição de Lula, reconhecer o processo de votação no Brasil e não dar espaço para qualquer questionamento da legitimidade do petista.

REPERCUSSÃO NA IMPRENSA INTERNACIONAL

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formou maioria nesta sexta-feira (30) a favor da inelegibilidade eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A defesa ainda pode recorrer da decisão.

Jornais internacionais estão destacando a prévia da decisão do TSE. Entre eles o “The New York Times” que descreve a decisão como um ‘baque considerável na extrema direita'”.

O norteamericano “The Washington Post” é mais direto e diz que a decisão pode “alterar o futuro político de Bolsonaro e provavelmente apagará suas chances de recuperar o poder”.

A rede britânica BBC destaca o fato de que Bolsonaro “nunca reconheceu publicamente sua derrota nas eleições e trocou o Brasil pela Flórida dias antes da posse de Lula”.

O portal econômico estadunidense “The Wall Street Journal” enaltece que a decisão “pode deixar ainda mais tenso o cenário político na maior nação da América Latina.”

Em outro portal econômico norteamericano, o Financial Times, a maioria alcançada na votação do TSE “acaba com a vontade do populista de direita voltar rapidamente ao poder.”

·         Deputados de esquerda comemoram inelegibilidade de Bolsonaro

Após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter formado maioria para deixar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível, nomes como Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Rogério Correia (PT-MG), que integram a base do governo Lula (PT), festejam nas redes sociais.

O vice-líder do governo na Câmara, Rogério Correia, publicou um vídeo. De acordo com ele, é “o início da justiça sendo feita”.

— Estou aqui no TSE e como já era esperado, Bolsonaro não pode ser candidato até 2030 — disse, afirmando que o ex-mandatário tem responsabilidade pelos atos do 8 de janeiro.

A deputada Sâmia Bomfim resgatou um tuíte antigo do ex-mandatário. Em 24 de janeiro de 2019, Bolsonaro escreveu “Grande dia”. A parlamentar legendou sua publicação com a informação: “Bolsonaro inelegível”.

Colega de bancada, Guilherme Boulos acompanhou o movimento e chamou o ex-presidente de “miliciano vagabundo”: “Pelo menos 8 anos sem o miliciano vagabundo nas urnas. O Brasil respira!”, escreveu.

Parlamentar do PT, Maria do Rosário, publicou um trecho da música “Apesar de Você”, de Chico Buarque. No passado, ela protagonizou momentos de impasse com o ex-presidente.

Em 2014, quando era deputado federal, Bolsonaro disse em discurso do plenário que só não estupraria a deputada porque “ela não merecia”.

 

Ø  Inelegibilidade de Bolsonaro ocorre sem sucessor à altura

 

Se já era possível argumentar que a campanha de 2026 começou com a proclamação da vitória de Lula (PT) no segundo turno de 2022, a fragorosa derrota de seu rival Jair Bolsonaro (PL) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dá a largada oficial da corrida.

É a natureza da política, acentuada pela natureza do instituto da reeleição, que Lula testa de forma inédita ao voltar ao cargo pela terceira vez. Sua aprovação mediana e rejeição expressiva, que podem ou não serem revertidas se a economia melhorar, são sintomas do desgaste inerente da fórmula.

Mas não é só isso, ou as agruras naturais de um país com muitas cordas esticadas.

O antipetismo que amalgamou-se com a antipolítica de 2013 a 2018, abrindo a porta para a aventura que foi o governo Bolsonaro, está vivíssimo, como a resiliente parcela da população que se declara bolsonarista —raiz ou não— prova.

Com isso, a didática aula de compostura institucional ministrada pelo TSE a Bolsonaro, na formação de maioria por sua inelegibilidade por oito anos, traz sinais dúbios para os planos do petista para a campanha daqui a pouco mais de três anos.

Assim como a reabilitação dos direitos políticos de Lula pelo Supremo Tribunal Federal, em 2021, foi um bálsamo para um Bolsonaro acossado pela má-gestão da pandemia e o sentimento de crise sem fim que se vivia sob sua Presidência, o derrota do presidente por seu golpismo tira de Lula um ativo importante.

Como na dinâmica dos quadrinhos, heróis precisam de vilões que os definam. E, sem aqui escolher quem está de qual lado, Lula e Bolsonaro se completam por ofertar exatamente o que sua posição retórica tem de melhor na visão do adversário: um demônio a culpar.

Se há dúvidas acerca dessa lógica, basta ver a exígua margem de 2.139.645 votos em favor de Lula no dia 30 de outubro passado. As adesões de lado a lado refluíram, e as pesquisas mostram que, refeitas as margens naturais das fronteiras ideológicas e pragmáticas, o país segue bastante cindido.

Isso favorece tanto o presidente quanto o antecessor, adeptos de retóricas incendiárias quando o tema é fustigar o inimigo. Por evidente, não se equivale a disposição de Lula em relação às tais instituições democráticas: por mais que ele se esforce em falar disparates, não atentou de forma objetiva contra elas como Bolsonaro.

A abertura do campo sem Bolsonaro, é preciso ressalvar, se fará com ele em estridência máxima. Até com mulheres jornalistas da Folha ele passou a falar, tal a necessidade de não encarar o oblívio. Como elemento único da direita nacional nas últimas décadas, um populista popular como Lula, o ex-presidente ficará na paisagem, mas a falta de palanque tende a fazê-lo esmaecer aos poucos.

Aqui, vale o “hedge” atribuído ao ex-ministro Pedro Malan (Fazenda) sobre o Brasil, país onde o futuro é duvidoso e até o passado, incerto. Para ficar em Lula, sua carreira parecia encerrada quando adentrou a carceragem da Polícia Federal em 2018. Olhe onde ele dorme hoje, isso para não falar no criação da figura do mártir político, que Bolsonaro explora habilmente desde a facada naquele mesmo ano.

Há também a particularidade da seita bolsonarista, que evidentemente já equivale o julgamento finalizado nesta sexta (30) ao juízo de Pôncio Pilatos. Para esse segmento, não existe nada além da verdade revelada pelo Messias, no caso Jair.

Mas o ex-presidente não é nenhum Fernando Collor, basicamente um pária público quando teve sua elegibilidade cassada em 1992, e retém um capital cuja resistência à erosão ainda tem de ser testada.

Considerando que tudo fique onde está, a falta de horizonte político de Bolsonaro tende a lhe custar caro.

Ele nunca teve grupo: havia a família e os agregados, todos pouquíssimo profissionais do ramo até hoje. Quem o é, a parcela do centrão que tomou de assalto (sem trocadilhos, claro, ou não) seu governo para salvá-lo da implosão após a apoplexia golpista de 2021, está neste momento fazendo contas.

As eleições do ano que vem não são uma boa régua. O PL pode até executar seu plano de engorda, mas ele terá pouco a ver com faniquitos ideológicos. Basta apelar a lógicas municipais e temperá-las, onde isso cola mais como centros urbanos densos, com antipetismo.

Pleitos locais são deveras peculiares, indicam uma tendência aqui e outra ali, mas não são bússolas certeiras.

Daí que as casas de apostas da política já estão em pleno vapor, buscando o nome que irá substituir Bolsonaro. Novamente: a antipolítica que levou o deputado irrelevante e radical ao poder não existe neste momento como força, e é possível especular que mesmo o eleitorado bolsonarista raiz possa abraçar nomes mais moderados.

O resto é o que se sabe: o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem a gravidade de liderar São Paulo a seu favor, nomes como Romeu Zema (Novo-MG) e Eduardo Leite (PSDB-RS) têm difíceis pretensões nacionais, fora especulações que vão de Ratinho Jr. (PSD-PR) a Michelle Bolsonaro (PL).

Há até espaço para fantasiar, como brinca um dirigente partidário, como pensar numa chapa conservadora encabeçada pelo atual vice de Lula, Geraldo Alckmin (PSB), secundado pelo algoz de Bolsonaro, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes.

Mas isso é conversa fiada a essa altura. O que é certo é que Lula terá trabalho para modular sua persona pública sem um Bolsonaro para lhe fazer altura em decibéis. O ativo de “salvador da democracia”, aspas compulsórias, não conseguiu sobreviver ao crédito extra que lhe foi dado pela crise do 8 de janeiro. Isso, claro, se ele for o candidato em 2026, como a lógica supõe.

Um nome que vendesse moderação, perfil que está sendo trabalhado por Fernando Haddad (PT), talvez tivesse menos problemas nesse quesito —o que faltou até agora para o ministro da Fazenda foi voto desde que deixou a prefeitura paulistana.

Outra aposta evidente é que o centrão, seja na nova versão montada com o PSD e o MDB à frente, ou no sabor tradicional Arthur Lira (PP-AL), será o fiel de qualquer balança apresentada. E que ela estará assentada no binômio desempenho da economia-popularidade do presidente, já que parecem abandonados planos mais ambiciosos de governo em si.

 

Ø  TCU pode cobrar de Bolsonaro fuga para os EUA

 

Documentos encaminhados pela Presidência da República ao Tribunal de Contas da União (TCU) reforçam a tese de desvio de finalidade praticado por Jair Bolsonaro no uso de dinheiro público para ir aos Estados Unidos, após ser derrotado por Lula.

O TCU havia solicitado explicações à Presidência depois de representação feita por Elias Vaz, quando ainda era deputado federal, em 31 de dezembro passado. Após a análise da documentação, o tribunal deve definir pela legalidade ou não das despesas da viagem de Bolsonaro.

Um dos documentos enviados à corte de contas é o relatório da viagem presidencial, que aponta a “atividade privada” da agenda.

O documento informa que, antes mesmo de Bolsonaro embarcar, “a viagem do Escalão Avançado (EscAv) foi realizada no período de 28 de dezembro de 2022 a 1º de janeiro de 2023 e destinou-se a preparar a viagem do Senhor Presidente da República à cidade de Orlando, Estados Unidos da América, a fim de participar de ‘Atividade Privada’, realizada nos dias 30 e 31 de dezembro de 2022”.

Faz parte do relatório uma lista de 35 funcionários públicos, a maioria das Forças Armadas, que viajaram a serviço do ex-presidente, incluindo cargos como de diretor de segurança, coordenador de viagem, assessores especiais, médicos, comissários, ajudantes de ordem e despachante. O relatório é assinado pelo coronel Ivan Dias Fernandes Júnior.

Na equipe estavam Sérgio Cordeiro e Max Guilherme, assessores especiais do então presidente que hoje estão presos, após serem alvos da Polícia Federal por envolvimento num esquema de fraude de certificados de vacina.

A Presidência também enviou ao TCU a solicitação de recursos públicos para viagem, que reforça se tratar de uma atividade privada. O documento, de 26 de dezembro do ano passado, é do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e pede a liberação de US$ 5 mil para o “pagamento de despesas de apoio de solo, taxas aeroportuárias e serviços especiais na missão do Senhor Presidente da República, na atividade privada do senhor Presidente da República, prevista para o período de 28 a 31 de dezembro de 2022”.

— Uma equipe inteira foi mobilizada para assessorar o ex-presidente em uma viagem sem nenhum compromisso oficial, com a finalidade de atividade privada, como informam os próprios ex-assessores nos documentos. É mais um indício de uso indevido de dinheiro público — diz Elias Vaz. O ex-deputado é hoje secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

 

Fonte: UOL/g1

 

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