Inelegibilidade de
Bolsonaro fragiliza extrema-direita mundial
Quando
Jair Bolsonaro assumiu a presidência em 2019, sua vitória não significou apenas
a existência de um chefe de estado ligado à extrema direita mundial no comando
de um dos maiores países do mundo.
Para
movimentos em diferentes locais, grupos ultraconservadores e lobistas, era a
oportunidade que muitos tanto esperavam para que a máquina de um estado fosse
usada para fazer avançar sua agenda e redefinir até mesmo a estrutura
internacional.
Agora,
a decisão de afastar Bolsonaro da vida política é visto entre os movimentos de
extrema direita e observadores como um divisor de águas para grupos que operam
nos bastidores para garantir que a ideologia ultraconservadora possa ter
influência.
Para
pessoas ligadas ao movimentos na Europa, o momento é o de repensar estratégias
e usar a situação do brasileiro como “alerta”. Se oficialmente partidos e
aliados de Bolsonaro se dizem dispostos a emitir comentários lamentando a
decisão do julgamento, nos bastidores a ordem é de “aprender a lição”.
Fontes
consultadas em algumas das principais capitais europeias destacam que não há
qualquer sinal de que o movimento ultraconservador esteja desaparecendo. Nas
eleições regionais espanholas, há dois meses, o partido de extrema direita Vox
triplicou o número de eleitores Na Itália, a líder ultraconservadora Giorgia
Meloni chegou ao poder e hoje governa abandonando em parte um discurso
violento.
Na
França, Marine Le Pen moderou o tom e busca ser presidente nas próximas
eleições com uma plataforma que visa falar da renda do trabalhador, e não mais
de questões apenas de imigração. Para alguns dos estrategistas desses grupos,
Bolsonaro serve de “alerta”.
O
movimento de extrema direita via na existência de Donald Trump e Jair Bolsonaro
uma possibilidade real de desmonte do multilateralismo e de agendas progressistas.
E, de fato, foi isso que ocorreu ao longo de quatro anos.
Durante
o período em que esteve no poder, Bolsonaro:
#
Rompeu consenso sobre termos que eram já consolidados, como gênero. Promoveu e
deu apoio político para partidos e grupos de extrema direita pela Europa
Questionou a OMS, a ciência e a questão climática
#
Agiu nos bastidores para enfraquecer decisões internacionais e criticou ONU O
governo Bolsonaro seria ainda alçado à posição de protagonista da extrema
direita mundial quando Donald Trump perdeu as eleições, nos EUA em 2021.
Naquele
momento, o movimento ultraconservador americano repassou o bastão ao Brasil,
para que a agenda internacional fosse mantida e liderada pelos bolsonaristas.
Num
email enviado a apoiadores de todo o mundo, a então secretária responsável pela
questão da defesa da Família e das Mulheres, Valerie Huber, indicou que o
movimento deveria passar a procurar a embaixada do Brasil e Washington para
manter viva a coalizão ultraconservadora.
Como
resultado, nos fóruns da extrema direita europeia, os principais nomes do
bolsonarismo passaram a figurar como verdadeiras estrelas e referências.
Mas
a operação não seria apenas simbólica.
Com
a estrutura do Itamaraty, Forças Armadas e demais órgãos do estado, o bolsonarismo
usou as redes criadas ao longo de décadas por parte do país para promover o
projeto ultraconservador.
Segundo
pessoas que serviram durante o governo Bolsonaro, a derrota para Lula foi um
primeiro abalo importante.
O
movimento ficou órfão da estrutura do estado brasileiro para que temas fossem
debatidos ou vetados nos organismos internacionais.
Assim
que assumiu, Lula retirou o Brasil das alianças ultraconservadores e
reposicionou o país junto aos blocos que defendem visões progressistas dos
direitos humanos.
Mas
a versão ainda era a de que a eleição havia sido fraudada e que, portanto,
haveria uma chance real de voltar a disputar o poder.
Agora,
a inelegibilidade transforma o debate.
Para
esses grupos, há um sentimento de que a estratégia de disseminação de mentiras
será confrontada pelas estruturas legais e pelas instituições democráticas.
Se
por anos os grupos conseguiram fazer avançar suas agendas, propostas e
candidatos sem ter de recorrer a fator reais ou a projetos políticos sólidos, a
constatação é de que, nos EUA, Brasil e outros países, as forças democráticas
caminharam para fechar um cerco, ainda que frágil.
Também
ficou evidenciado para a extrema direita que democracias vão dar respostas
coordenadas, como aconteceu quando lideres se perfilaram para saudar a eleição
de Lula, reconhecer o processo de votação no Brasil e não dar espaço para
qualquer questionamento da legitimidade do petista.
REPERCUSSÃO
NA IMPRENSA INTERNACIONAL
O
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formou maioria nesta sexta-feira (30) a favor
da inelegibilidade eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A
defesa ainda pode recorrer da decisão.
Jornais
internacionais estão destacando a prévia da decisão do TSE. Entre eles o “The
New York Times” que descreve a decisão como um ‘baque considerável na extrema
direita'”.
O
norteamericano “The Washington Post” é mais direto e diz que a decisão pode
“alterar o futuro político de Bolsonaro e provavelmente apagará suas chances de
recuperar o poder”.
A
rede britânica BBC destaca o fato de que Bolsonaro “nunca reconheceu
publicamente sua derrota nas eleições e trocou o Brasil pela Flórida dias antes
da posse de Lula”.
O
portal econômico estadunidense “The Wall Street Journal” enaltece que a decisão
“pode deixar ainda mais tenso o cenário político na maior nação da América
Latina.”
Em
outro portal econômico norteamericano, o Financial Times, a maioria alcançada
na votação do TSE “acaba com a vontade do populista de direita voltar
rapidamente ao poder.”
·
Deputados
de esquerda comemoram inelegibilidade de Bolsonaro
Após
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter formado maioria para deixar o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível, nomes como Sâmia Bomfim
(PSOL-SP), Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Rogério Correia (PT-MG), que integram a
base do governo Lula (PT), festejam nas redes sociais.
O
vice-líder do governo na Câmara, Rogério Correia, publicou um vídeo. De acordo
com ele, é “o início da justiça sendo feita”.
—
Estou aqui no TSE e como já era esperado, Bolsonaro não pode ser candidato até
2030 — disse, afirmando que o ex-mandatário tem responsabilidade pelos atos do
8 de janeiro.
A
deputada Sâmia Bomfim resgatou um tuíte antigo do ex-mandatário. Em 24 de
janeiro de 2019, Bolsonaro escreveu “Grande dia”. A parlamentar legendou sua
publicação com a informação: “Bolsonaro inelegível”.
Colega
de bancada, Guilherme Boulos acompanhou o movimento e chamou o ex-presidente de
“miliciano vagabundo”: “Pelo menos 8 anos sem o miliciano vagabundo nas urnas.
O Brasil respira!”, escreveu.
Parlamentar
do PT, Maria do Rosário, publicou um trecho da música “Apesar de Você”, de
Chico Buarque. No passado, ela protagonizou momentos de impasse com o
ex-presidente.
Em
2014, quando era deputado federal, Bolsonaro disse em discurso do plenário que
só não estupraria a deputada porque “ela não merecia”.
Ø
Inelegibilidade
de Bolsonaro ocorre sem sucessor à altura
Se
já era possível argumentar que a campanha de 2026 começou com a proclamação da
vitória de Lula (PT) no segundo turno de 2022, a fragorosa derrota de seu rival
Jair Bolsonaro (PL) no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dá a largada oficial
da corrida.
É
a natureza da política, acentuada pela natureza do instituto da reeleição, que
Lula testa de forma inédita ao voltar ao cargo pela terceira vez. Sua aprovação
mediana e rejeição expressiva, que podem ou não serem revertidas se a economia
melhorar, são sintomas do desgaste inerente da fórmula.
Mas
não é só isso, ou as agruras naturais de um país com muitas cordas esticadas.
O
antipetismo que amalgamou-se com a antipolítica de 2013 a 2018, abrindo a porta
para a aventura que foi o governo Bolsonaro, está vivíssimo, como a resiliente
parcela da população que se declara bolsonarista —raiz ou não— prova.
Com
isso, a didática aula de compostura institucional ministrada pelo TSE a
Bolsonaro, na formação de maioria por sua inelegibilidade por oito anos, traz
sinais dúbios para os planos do petista para a campanha daqui a pouco mais de
três anos.
Assim
como a reabilitação dos direitos políticos de Lula pelo Supremo Tribunal Federal,
em 2021, foi um bálsamo para um Bolsonaro acossado pela má-gestão da pandemia e
o sentimento de crise sem fim que se vivia sob sua Presidência, o derrota do
presidente por seu golpismo tira de Lula um ativo importante.
Como
na dinâmica dos quadrinhos, heróis precisam de vilões que os definam. E, sem
aqui escolher quem está de qual lado, Lula e Bolsonaro se completam por ofertar
exatamente o que sua posição retórica tem de melhor na visão do adversário: um
demônio a culpar.
Se
há dúvidas acerca dessa lógica, basta ver a exígua margem de 2.139.645 votos em
favor de Lula no dia 30 de outubro passado. As adesões de lado a lado
refluíram, e as pesquisas mostram que, refeitas as margens naturais das
fronteiras ideológicas e pragmáticas, o país segue bastante cindido.
Isso
favorece tanto o presidente quanto o antecessor, adeptos de retóricas
incendiárias quando o tema é fustigar o inimigo. Por evidente, não se equivale
a disposição de Lula em relação às tais instituições democráticas: por mais que
ele se esforce em falar disparates, não atentou de forma objetiva contra elas
como Bolsonaro.
A
abertura do campo sem Bolsonaro, é preciso ressalvar, se fará com ele em
estridência máxima. Até com mulheres jornalistas da Folha ele passou a falar,
tal a necessidade de não encarar o oblívio. Como elemento único da direita
nacional nas últimas décadas, um populista popular como Lula, o ex-presidente
ficará na paisagem, mas a falta de palanque tende a fazê-lo esmaecer aos
poucos.
Aqui,
vale o “hedge” atribuído ao ex-ministro Pedro Malan (Fazenda) sobre o Brasil,
país onde o futuro é duvidoso e até o passado, incerto. Para ficar em Lula, sua
carreira parecia encerrada quando adentrou a carceragem da Polícia Federal em
2018. Olhe onde ele dorme hoje, isso para não falar no criação da figura do
mártir político, que Bolsonaro explora habilmente desde a facada naquele mesmo
ano.
Há
também a particularidade da seita bolsonarista, que evidentemente já equivale o
julgamento finalizado nesta sexta (30) ao juízo de Pôncio Pilatos. Para esse
segmento, não existe nada além da verdade revelada pelo Messias, no caso Jair.
Mas
o ex-presidente não é nenhum Fernando Collor, basicamente um pária público
quando teve sua elegibilidade cassada em 1992, e retém um capital cuja
resistência à erosão ainda tem de ser testada.
Considerando
que tudo fique onde está, a falta de horizonte político de Bolsonaro tende a
lhe custar caro.
Ele
nunca teve grupo: havia a família e os agregados, todos pouquíssimo
profissionais do ramo até hoje. Quem o é, a parcela do centrão que tomou de
assalto (sem trocadilhos, claro, ou não) seu governo para salvá-lo da implosão
após a apoplexia golpista de 2021, está neste momento fazendo contas.
As
eleições do ano que vem não são uma boa régua. O PL pode até executar seu plano
de engorda, mas ele terá pouco a ver com faniquitos ideológicos. Basta apelar a
lógicas municipais e temperá-las, onde isso cola mais como centros urbanos
densos, com antipetismo.
Pleitos
locais são deveras peculiares, indicam uma tendência aqui e outra ali, mas não
são bússolas certeiras.
Daí
que as casas de apostas da política já estão em pleno vapor, buscando o nome
que irá substituir Bolsonaro. Novamente: a antipolítica que levou o deputado
irrelevante e radical ao poder não existe neste momento como força, e é
possível especular que mesmo o eleitorado bolsonarista raiz possa abraçar nomes
mais moderados.
O
resto é o que se sabe: o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem a
gravidade de liderar São Paulo a seu favor, nomes como Romeu Zema (Novo-MG) e
Eduardo Leite (PSDB-RS) têm difíceis pretensões nacionais, fora especulações
que vão de Ratinho Jr. (PSD-PR) a Michelle Bolsonaro (PL).
Há
até espaço para fantasiar, como brinca um dirigente partidário, como pensar
numa chapa conservadora encabeçada pelo atual vice de Lula, Geraldo Alckmin
(PSB), secundado pelo algoz de Bolsonaro, o ministro do Supremo Alexandre de
Moraes.
Mas
isso é conversa fiada a essa altura. O que é certo é que Lula terá trabalho
para modular sua persona pública sem um Bolsonaro para lhe fazer altura em
decibéis. O ativo de “salvador da democracia”, aspas compulsórias, não
conseguiu sobreviver ao crédito extra que lhe foi dado pela crise do 8 de
janeiro. Isso, claro, se ele for o candidato em 2026, como a lógica supõe.
Um
nome que vendesse moderação, perfil que está sendo trabalhado por Fernando
Haddad (PT), talvez tivesse menos problemas nesse quesito —o que faltou até
agora para o ministro da Fazenda foi voto desde que deixou a prefeitura
paulistana.
Outra
aposta evidente é que o centrão, seja na nova versão montada com o PSD e o MDB
à frente, ou no sabor tradicional Arthur Lira (PP-AL), será o fiel de qualquer
balança apresentada. E que ela estará assentada no binômio desempenho da
economia-popularidade do presidente, já que parecem abandonados planos mais
ambiciosos de governo em si.
Ø
TCU
pode cobrar de Bolsonaro fuga para os EUA
Documentos
encaminhados pela Presidência da República ao Tribunal de Contas da União (TCU)
reforçam a tese de desvio de finalidade praticado por Jair Bolsonaro no uso de
dinheiro público para ir aos Estados Unidos, após ser derrotado por Lula.
O
TCU havia solicitado explicações à Presidência depois de representação feita
por Elias Vaz, quando ainda era deputado federal, em 31 de dezembro passado.
Após a análise da documentação, o tribunal deve definir pela legalidade ou não
das despesas da viagem de Bolsonaro.
Um
dos documentos enviados à corte de contas é o relatório da viagem presidencial,
que aponta a “atividade privada” da agenda.
O
documento informa que, antes mesmo de Bolsonaro embarcar, “a viagem do Escalão
Avançado (EscAv) foi realizada no período de 28 de dezembro de 2022 a 1º de
janeiro de 2023 e destinou-se a preparar a viagem do Senhor Presidente da
República à cidade de Orlando, Estados Unidos da América, a fim de participar
de ‘Atividade Privada’, realizada nos dias 30 e 31 de dezembro de 2022”.
Faz
parte do relatório uma lista de 35 funcionários públicos, a maioria das Forças
Armadas, que viajaram a serviço do ex-presidente, incluindo cargos como de
diretor de segurança, coordenador de viagem, assessores especiais, médicos,
comissários, ajudantes de ordem e despachante. O relatório é assinado pelo
coronel Ivan Dias Fernandes Júnior.
Na
equipe estavam Sérgio Cordeiro e Max Guilherme, assessores especiais do então
presidente que hoje estão presos, após serem alvos da Polícia Federal por
envolvimento num esquema de fraude de certificados de vacina.
A
Presidência também enviou ao TCU a solicitação de recursos públicos para
viagem, que reforça se tratar de uma atividade privada. O documento, de 26 de
dezembro do ano passado, é do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e pede
a liberação de US$ 5 mil para o “pagamento de despesas de apoio de solo, taxas
aeroportuárias e serviços especiais na missão do Senhor Presidente da
República, na atividade privada do senhor Presidente da República, prevista
para o período de 28 a 31 de dezembro de 2022”.
—
Uma equipe inteira foi mobilizada para assessorar o ex-presidente em uma viagem
sem nenhum compromisso oficial, com a finalidade de atividade privada, como
informam os próprios ex-assessores nos documentos. É mais um indício de uso
indevido de dinheiro público — diz Elias Vaz. O ex-deputado é hoje secretário
de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
Fonte:
UOL/g1
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