Marielle Franco e Anderson Gomes: a linha de investigação que pode
levar aos mandantes do crime
Com o nome da deusa grega da esperança, a Operação
Élpis, realizada pela Polícia Federal (PF) em parceria com o Ministério Público
estadual trouxe à luz as investigações que há cinco anos se encontravam imersas
no obscuro submundo da política e das milícias no Rio de Janeiro.
Assassinados fria e covardemente no dia 14 de março
do fatídico ano de 2018, quando se chocava o ovo da serpente de Jair Bolsonaro
(PL), eleito presidente meses depois, a vereadora Marielle Franco e seu
motorista, Anderson Gomes, foram vítimas de uma maquinação secreta que, ao que
tudo indica, uniu a escória policial fluminense, aglutinada na atuação
miliciana, e seus representantes na politicalha, que povoam a Câmara carioca, a
Assembleia fluminense, o Tribunal de Contas do estado e que foram levados ao
Legislativo federal com a ascensão dos clãs Bolsonaro e Brazão.
O retorno à cadeia do ex-bombeiro Maxwell Simões
Corrêa, o Suel, que se encontrava em liberdade mesmo após ser condenado em 2021
a quatro anos de prisão por atrapalhar as investigações, e o cumprimento de
mandados de busca e apreensão com foco em outros seis alvos encerram a primeira
fase das investigações, que desvendou a mecânica do assassinato de Marielle e
Anderson e a tentativa de homicídio da
assessora Fernanda Chaves, que também estava no carro, mas que sobreviveu à
saraivada de tiros.
"A novidade é que as provas colhidas e
reanalisadas pela Polícia Federal confirmaram de modo inequívoco a participação
de Élcio [Queiroz, que dirigiu o carro] e Ronnie [Lessa, que efetuou os
disparos]", disse o ministro da Justiça, Flávio Dino. Suel retornou à
cadeia agora como cúmplice no planejamento da empreitada.
As novas informações foram obtidas após a
federalização, em fevereiro, das investigações – a segunda depois da frustrada
tentativa, em 2019, pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge. A
medida levou à delação de Élcio Queiroz, único do trio de assassinos que não
enriqueceu após o crime e que resolveu detalhar de forma calculista a atuação
dos comparsas.
O detalhamento do crime casou com as provas já
obtidas pelo Ministério Público do Rio, mesmo com inúmeras tentativas de
interferência e obstrução das apurações.
Em entrevista coletiva, Dino afirmou ainda que
agora se inicia uma nova fase da investigação, focada nos mandantes do crime.
O que foi revelado
Após elementos que comprovam a participação no
crime, o ex-PM Élcio Queiroz, até então acusado de dirigir o carro de onde
Lessa efetuou os disparos, confirmou a participação dos dois no assassinato de
Marielle e Anderson Gomes.
Élcio ainda implicou Maxwell Simões, que, segundo
ele, foi um dos articuladores do assassinato, atuando no planejamento do crime
antes e depois da execução.
Suel havia sido condenado a quatro anos de prisão
em 2021 apenas por obstruir as investigações, escondendo as armas após o crime
e depois as jogando ao mar. As novas informações revelam que ele também teria
feito campana para acompanhar os passos da vereadora desde 2017, quando o plano
de assassinato já estava em curso.
"Há convergência entre a narrativa do Élcio e
outros aspectos que já se encontravam em posse da polícia. O senhor Élcio narra
a dinâmica do crime, a participação dele próprio e do Ronnie Lessa e aponta o
Maxwell e outras pessoas como copartícipes", disse Dino.
Suel foi preso em casa, no Recreio dos
Bandeirantes, na Zona Oeste, e foi levado para a sede da PF, na Zona Portuária.
Ele foi preso na mesma casa onde havia sido detido em 2019. Além da mansão, ele
possui um apartamento de luxo na Barra da Tijuca, no valor de R$ 2 milhões.
Outras seis pessoas foram alvos da operação desta
segunda-feira (24), entre elas o irmão de Ronnie Lessa, Denis Lessa, que
prestou depoimento à PF.
Os outros cinco alvos são: Edilson Barbosa dos
Santos, o "Orelha"; João Paulo Vianna dos Santos Soares, o "Gato
do Mato"; Alessandra da Silva Farizote; Maurício da Conceição dos Santos
Júnior, o "Mauricinho"; e Jomar Duarte Bittencourt Junior, o
"Jomarzinho".
Segundo Queiroz, o intermediador do assassinato
teria sido o ex-PM Edimilson Oliveira da Silva, o "Macalé",
assassinado a tiros nos mesmos moldes do assassinato de Marielle em novembro de
2021. O crime também não foi esclarecido até o momento.
Sem Macalé, o PM Maurício da Conceição dos Santos
Júnior é o principal elo para se chegar ao mandante. Ainda na ativa, lotado no
Batalhão de Duque de Caxias, e "apto para promoção", Mauricinho
avisou Lessa sobre a ação que seria desencadeada pela polícia em 11 de março de
2019, quando o vizinho de Bolsonaro foi preso no condomínio Vivendas da Barra.
A informação foi vazada ao PM por Jomarzinho, filho
de um delegado da Polícia Civil. Na mensagem, Jomarzinho diz que "pelo que
me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa”.
Rivaldo Barbosa, citado na conversa, é o delegado e
ex-chefe da Polícia Civil do Rio, que foi associado pela PF a um suposto
pagamento de propina para impedir avanços na investigação sobre o assassinato.
O outro personagem da troca de mensagens é Domingos
Inácio Brazão, ex-deputado estadual por cinco mandatos. Em abril de 2015, em
sua última legislatura, Brazão foi eleito pela Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro (Alerj) para ser um dos sete conselheiros vitalícios do Tribunal de
Contas do Estado (TCE-RJ).
Brazão é o pioneiro do clã na política, já foi alvo
de investigação por homicídio em 1987 e chegou a ser preso em 29 de março de
2017 durante a operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato que
investigava uma organização criminosa que incluía o filho do ex-governador e
ex-prefeito do Rio Marcello Alencar, suspeita de corrupção e desvio de verbas
públicas.
Em setembro de 2019, a então procuradora-geral da
República Raquel Dodge pediu autorização ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)
para "apurar indícios de autoria intelectual de Domingos Brazão" na
primeira tentativa de federalização das investigações sobre o crime.
Segundo o promotor Fábio Cardoso, a delação
premiada de Élcio Queiroz fez com que "um pacto de silêncio fosse
rompido" entre os integrantes da organização criminosa que assassinou
Marielle e Anderson Gomes.
"Síntese do dia é que delação premiada do
Élcio permite informações que conduzam a esclarecimento de toda a dinâmica do
crime e evidentemente de outras participações", afirmou Dino.
• Os
próximos passos da investigação
Após desvendar a chamada "mecânica" do
crime, sobre como foi planejado e executado o assassinato, o Ministério Público
e a Polícia Federal agora vão focar nos mandantes.
Em entrevista ao Fórum Café, o advogado
criminalista Fernando Augusto Fernandes, doutor em ciência política pela Universidade
Federal Fluminense (UFF) e mestre em criminologia e direito penal pela
Universidade Cândido Mendes, afirmou ter ouvido há algum tempo de uma fonte
ligada ao "submundo" das investigações criminosas que um membro do
"Tribunal de Contas" teria sido o mandante do assassinato da
vereadora e do motorista.
"Um advogado criminalista, como os padres dos
confessionários, acaba escutando confissões de 'pecados'. E uma dessas
confissões, de uma pessoa bem ligada a essas questões vamos dizer ocultas desse
submundo, me comentou: olha, eu tenho informação segura de que quem mandou
matar Marielle foi um dos membros do Tribunal de Contas".
Em relatório dirigido a Raquel Dodge em 2019, os
investigadores teriam relatado que gravações mostram que o miliciano Jorge Alberto
Moreth teria dito ao ex-vereador Marcello Siciliano que Domingos Brazão é o
mandante e pagou R$ 500 mil pelo atentado.
A denúncia aponta ainda uma estratégia para
encobrir os mandantes. "Fazia parte da estratégia que alguém prestasse
falso testemunho sobre a autoria do crime e a notícia falsa chegasse à Polícia
Civil do Estado do Rio de Janeiro, desviando o curso da investigação em
andamento e afastando a linha investigativa que pudesse identificá-lo como
mentor intelectual dos crimes de homicídio".
As investigações cogitam a hipótese de que Brazão
mandou matar Marielle para se vingar de Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das
Milícias na Alerj – atualmente ele é presidente da Embratur na gestão Lula.
Marielle era uma das principais assessoras do então deputado estadual na
ocasião.
Freixo ajudou procuradores da Lava Jato do Rio em
denúncias que resultaram nas prisões de políticos do MDB, a exemplo do próprio
Brazão, e dos então deputados estaduais Jorge Picciani (já falecido), Paulo
Melo e Edson Albertassi.
Segundo o ministro Flávio Dino, parte da
investigação está em segredo de justiça, mas "o certo é que nas próximas
semanas provavelmente haverá novas operações derivadas desse conjunto de provas
colhidas no dia de hoje".
Dino disse ainda que é "indiscutível" a
participação de outras pessoas e que as investigações mostram envolvimento
"das milícias e do crime organizado do Rio de Janeiro no crime".
Marielle
foi assassinada por policiais
O sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro
(PMRJ) Maurício Júnior, o Mauricinho, até tentou esconder sua relação com os
acusados de executar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes,
só que uma captura de tela (print) de uma conversa comprometedora por WhatsApp
acabou revelando que ele vazou informações da investigação para os suspeitos.
Entre eles, o ex-PM Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos.
O apartamento de Mauricinho no condomínio Viva
Viver, no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, foi alvo de um mandado de
busca e apreensão na última segunda-feira (24/7), em uma operação do caso
Marielle.
No mesmo dia, a Polícia Federal (PF) prendeu o
ex-bombeiro Maxwell Corrêa, suspeito de envolvimento no assassinato da
vereadora. Outros seis mandados de busca foram cumpridos na ocasião.
Segundo a PF, Mauricinho é suspeito de vazar
detalhes da investigação para os executores do crime.
A polícia não descarta que o sargento da ativa
tenha mais informações sobre os assassinatos e os vazamentos de outras
operações.
Mauricinho entrou no radar dos investigadores do
caso Marielle ainda em 2019, pouco antes de completar um ano do assassinato.
Em janeiro de 2019, o Setor de Inteligência da
Polícia Civil flagrou um encontro entre Mauricinho e Ronnie Lessa, além do
também policial Pedro Bazzanella, no Bar Resenha, na Barra da Tijuca.
Horas antes desse encontro, Bazzanella e Élcio de
Queiroz haviam dado depoimentos sobre o caso Marielle na Delegacia de
Homicídios. Antes e depois dos depoimentos, eles se encontraram com Lessa no
bar, sendo que Mauricinho participou da última conversa.
Para a inteligência da Polícia Civil, esse encontro
tinha o objetivo de manipular os depoimentos.
Essas evidências fizeram com que os endereços de
Mauricinho fossem alvo de mandados de busca e apreensão em março daquele ano,
na Operação Lume, a mesma que prendeu Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, os
ex-policiais acusados de executar a vereadora.
Acontece que Mauricinho ficou sabendo dessa
operação na noite anterior, por meio de um amigo conhecido como Jomarzinho,
filho de um delegado da Polícia Federal.
Com essa informação em mãos, Mauricinho não só
avisou os possíveis alvos, como Ronnie Lessa, mas também ficou longe dos dois
endereços em que a polícia iria cumprir os mandados contra ele.
Um dia depois da operação, o sargento Mauricinho
compareceu voluntariamente na Divisão de Homicídios do Rio e entregou um
celular Android para os investigadores. Só que o celular pelo qual ele vazou a
operação não era esse, e sim um aparelho da marca Apple.
Às 23h do dia 11 de março, um dia antes da Operação
Lume, Mauricinho recebeu uma sequência de mensagens por WhatsApp de Jomarzinho,
o filho do delegado da PF. “Recebi um informe agora que vai ter operação
Marielle amanhã”, dizia trecho das mensagens.
Mauricinho então teria tirado um print da conversa
pelo seu Iphone a fim de enviar a informação para os envolvidos no crime,
segundo a PF.
O sargento usava o aplicativo Confide, que destrói
as mensagens após serem lidas, assim como os suspeitos Ronnie Lessa e Élcio de
Queiroz.
Embora a mensagem tenha sido destruída, a polícia
conseguiu comprovar que Lessa entrou no aplicativo Confide um minuto depois de
Mauricinho dizer que passaria a informação para a frente. De acordo com a PF,
esse foi o momento em que o vazamento acabou repassado para Ronnie Lessa, que,
em seguida, informou Élcio.
O print da conversa foi parar na “nuvem” do Iphone
de Mauricinho. A “nuvem” é uma tecnologia que permite acesso remoto a
armazenamento de arquivos. Assim, mesmo a captura de tela sendo excluída e
destruída, ela continuou intacta na “nuvem”, que foi acessada pela PF.
Assassino
de Marielle tem empresa-fantasma
A empresa do ex-bombeiro Maxwell Simões, preso na
segunda-feira (23/7) por suspeita de participação no assassinato de Marielle
Franco e Anderson Gomes, não funciona no endereço cadastrado na Receita
Federal. A Polícia Federal apura se Suel, como é conhecido, usa a firma para
lavar dinheiro e simular um emprego, como forma de tentar sair do regime
domiciliar fechado.
Preso em maio do ano passado na Operação Calígula,
Suel estava em prisão domiciliar. A operação mirou também a delegada Adriana
Belém, investigada por favorecimento da milícia e do jogo do bicho.
A coluna visitou o endereço registrado na Receita
Federal da suposta empresa de carros MaxSpeed, no shopping Vogue Square, na
Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Não há qualquer registro do nome de Maxwell
no banco de dados da portaria das salas comerciais. Os funcionários
interfonaram para a sala, mas ninguém atendeu.
Além disso, os funcionários da portaria informaram
que no número da sala indicada pela Receita Federal, a 391, funciona uma
clínica de estética, e não uma empresa de carros.
Segundo a Polícia Federal, a Maxspeed não
transferiu nem recebeu dinheiro de Suel desde 2021, quando foi aberta. Até
março deste ano, constava como sócia da empresa uma mulher chamada Edilaine
Rohden, que, após deixar a sociedade, continua sócia de Suel em outro CNPJ, a
“Rohden Consultoria Automotivas”.
A empresa movimentou, segundo o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf), R$ 5,3 milhões em três meses. Os
valores, segundo o Coaf, são incompatíveis com as rendas declaradas por Suel e
sua sócia, que recebem salário mensal de R$ 6 mil cada.
Fonte: Fórum/Metrópoles
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