Como os soviéticos roubaram segredos nucleares e perseguiram
Oppenheimer, o pai da bomba atômica
Oppenheimer — o novo filme épico dirigido por
Christopher Nolan — leva o público a conhecer a mente e as decisões morais de
J. Robert Oppenheimer (1904-1967), o líder da equipe de cientistas brilhantes
que se reuniram em Los Alamos, no Estado americano do Novo México, e
construíram a primeira bomba atômica do mundo.
O filme não é um documentário, mas aborda
corretamente os grandes temas e momentos históricos.
As questões apresentadas por Nolan não são
relíquias de um passado distante. O novo mundo que Oppenheimer ajudou a criar e
o pesadelo nuclear que ele temia persistem até hoje.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, vem
ameaçando usar armas nucleares em sua guerra na Ucrânia. O Irã está fazendo
tudo o que pode para desenvolver armas atômicas. A China está expandindo seu
arsenal nuclear. E governos considerados hostis, como o chinês, estão roubando
tecnologia de defesa dos Estados Unidos, incluindo de Los Alamos.
As acusações de que Oppenheimer era um espião
soviético e um risco à segurança — um dos principais enfoques do filme — foram
desmentidas.
Em dezembro de 2022, o governo Biden anulou
postumamente a decisão de 1954 da Comissão de Energia Atômica dos Estados
Unidos, que revogou a licença de segurança de Oppenheimer, chamando esse
processo de injusto e tendencioso.
Documentos que antes eram confidenciais vieram a
público, revelando que a espionagem soviética sobre os esforços americanos para
desenvolver a bomba atômica fizeram avançar o programa nuclear de Moscou, mas
que Oppenheimer não era um espião.
• O
ponto de vista de Oppenheimer
Oppenheimer entrou para o Projeto Manhattan — o
esforço nacional americano para construir a bomba atômica antes dos nazistas —
em 1942.
Os cientistas que ele liderou em Los Alamos,
provavelmente, formavam o grupo mais talentoso de cérebros já reunidos em um
único laboratório — 12 deles viriam a ganhar o Prêmio Nobel.
Em 1954, no auge da era McCarthy, Oppenheimer foi
acusado de ser comunista e até de espionar para a União Soviética. Mas o que é
verdade?
Sabemos que, nos anos 1930 e até 1943, Oppenheimer
era simpatizante comunista. Seu irmão Frank (1912-1985) e sua namorada Jean
Tatlock (1914-1944) eram membros do Partido Comunista dos Estados Unidos. A
esposa de Oppenheimer, Katherine (1910-1972), era ex-integrante do partido.
Para Oppy, como seus alunos o chamavam, o marxismo
era intelectualmente interessante, mas também era prático. O cientista
considerava o comunismo a melhor defesa contra a ascensão do fascismo na Europa
— o que, por sua ascendência judaica, era uma questão pessoal para ele.
Mas, em 1943, o apoio de Oppenheimer às causas do
Partido Comunista mudou — evidentemente, quando ele percebeu a magnitude de sua
missão de produzir a bomba atômica.
Naquele ano, o físico ajudou autoridades de segurança
do Exército dos Estados Unidos a identificar cientistas que ele acreditava
serem comunistas.
• A
abertura de Moscou
Oppenheimer era um alvo importante da inteligência
soviética, que o identificava pelos codinomes CHESTER e CHEMIST. Ele também foi
"cultivado" pelas autoridades soviéticas de inteligência.
Mas ser um alvo cultivado para recrutamento não é o
mesmo que ser um espião aliciado.
Como mostra o filme, o colega acadêmico de
Oppenheimer na Universidade da Califórnia em Berkeley, Haakon Chevalier
(1901-1985), contou a Oppenheimer, em 1943, que um cientista britânico que
trabalhava em São Francisco poderia repassar informações para os soviéticos.
Oppenheimer rejeitou a abordagem, mas só informou
as autoridades vários meses depois, por motivos que permanecem incertos até
hoje.
Nos anos que se seguiram, Oppenheimer divulgou pelo
menos três versões da história, às vezes envolvendo seu irmão Frank. Parece
provável que o cientista estivesse tentando proteger seu irmão da segurança do
Exército americano.
Os arquivos divulgados após o colapso da União
Soviética comprovaram, sem margem de dúvida, que Oppenheimer não era um espião
soviético. Na verdade, os relatórios soviéticos de inteligência sobre o Projeto
Manhattan revelaram que, em momentos cruciais, os chefes de espionagem de
Stalin ficaram frustrados por sua equipe de campo não ter recrutado
Oppenheimer.
Mas os soviéticos, de fato, penetraram no Projeto
Manhattan, o que foi a maior falha de segurança da história dos Estados Unidos.
• Todos
os homens do Kremlin
Diversos cientistas que trabalharam no Projeto
Manhattan forneceram informações cruciais para a União Soviética sobre as
pesquisas da bomba atômica dos EUA.
O filme Oppenheimer apresenta o brilhante físico
teórico Klaus Fuchs (1911-1988), que fugiu da Alemanha nazista para o Reino
Unido, onde se naturalizou cidadão britânico.
Desde que começou a trabalhar no projeto britânico
da bomba atômica na época da guerra, Fuchs manteve o que ele próprio descreveu
posteriormente como "contato contínuo" com a inteligência soviética,
fornecendo cálculos teóricos necessários para a construção da bomba atômica.
O general Leslie Groves (1896-1970), comandante
militar do Projeto Manhattan, culpou posteriormente os britânicos por não terem
identificado Fuchs como espião soviético. Ele tinha razão.
Mas o dossiê confidencial, agora publicado, do MI5
— serviço de inteligência britânico — demonstra que, na época, a agência não
tinha evidências positivas e confiáveis das atividades comunistas de Fuchs. O
MI5 sabia que o físico era antinazista, mas não que ele era pró-soviético.
Como discuti no meu novo livro, Spies: The Epic
Intelligence War Between East and West ("Espiões: a épica guerra de
inteligência entre o Oriente e o Ocidente", em tradução livre), outros
espiões em Los Alamos incluíam o prodigioso cientista Theodore "Ted"
Hall (codinome MLAD ou "Jovem"); Julius Rosenberg (codinome ANTENNA,
depois LIBERAL); e David Greenglass (codinome BUMBLEBEE, CALIBER).
Outros espiões soviéticos, como o cientista
britânico Alan Nunn May, trabalharam em outros setores do Projeto Manhattan.
Estes homens tinham diversos motivos para revelar
segredos atômicos dos Estados Unidos. Eles acreditavam verdadeiramente no
comunismo e achavam que as armas nucleares eram poderosas demais para ficarem
de posse de um único país.
Além disso, eles mantinham uma defesa (falaciosa):
como a União Soviética foi aliada dos Estados Unidos na época da guerra, eles
estariam "apenas" fornecendo segredos para um governo aliado.
Mas, como Nolan mostra corretamente no filme,
quando Chevalier apresentou este argumento a Oppenheimer, ele retrucou, dizendo
que, ainda assim, era traição.
A espionagem soviética dentro do Projeto Manhattan
mudaria a história. No final da Segunda Guerra Mundial, os espiões de Stalin
haviam fornecido os segredos da bomba atômica para o Kremlin, o que acelerou o
projeto da bomba de Moscou.
Quando os soviéticos detonaram sua primeira arma
atômica, em agosto de 1949, era uma réplica da bomba construída em Los Alamos e
lançada pelos americanos em Nagasaki, no Japão.
Até hoje, cerca de 80 anos depois, ainda são
revelados segredos sobre a espionagem nuclear da União Soviética.
Outro agente soviético, cujas atividades de
espionagem foram reveladas apenas recentemente, foi o engenheiro americano George
Koval (codinome DEVAL). Ele foi recrutado para o Projeto Manhattan, onde
trabalhou com "iniciadores" da bomba de polônio em uma instalação na
cidade de Dayton, no Estado americano de Ohio.
Depois da morte de Koval em 2006, aos 93 anos, o
Ministério da Defesa da Rússia revelou que o "iniciador" da primeira
bomba atômica soviética foi preparado conforme as especificações fornecidas
pelo engenheiro americano. Putin concedeu a Koval a homenagem póstuma de
"Herói da Rússia", oferecendo um brinde com champanhe em sua honra.
• Novos
alvos
Se o filme de Nolan inspirar as pessoas a lerem a
biografia de Oppenheimer, fruto de uma extensa pesquisa de Kai Bird e Martin
Sherwin (e que inspirou Nolan a produzir o filme), ou outros relatos sobre o
Projeto Manhattan e a Guerra Fria, elas vão perceber que as relações
subjacentes entre a ciência e a espionagem permanecem vivas até hoje.
O mundo atual está à beira de revoluções
tecnológicas que vão transformar a sociedade no século 21, da mesma forma que
as armas nucleares fizeram no século passado: a inteligência artificial, a
computação quântica e a engenharia biológica.
Assistir a Oppenheimer me faz imaginar se governos
estrangeiros hostis podem já ter roubado os segredos para o desenvolvimento
destas novas tecnologias, da mesma forma que os soviéticos fizeram com a bomba
atômica.
Fonte: BBC News Mundo
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