Lula prepara ‘afago’ para bancadas do Boi e da Bala
Enquanto o Palácio do Planalto negocia a entrada no
governo de PP e Republicanos, dois partidos do Centrão, uma ala do Executivo
também se movimenta para desengavetar projetos de interesse de outras forças
políticas que caminham longe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No
segundo semestre, a ideia é limpar parte da pauta que travou no Senado e
contemplar até mesmo propostas criticadas pela esquerda. Alguma delas atendem
às bancadas ruralista e da bala.
As iniciativas não são unânimes na Esplanada, mas
já contam com o “ok” de parte dos auxiliares próximos a Lula. São propostas
como a que facilita o registro de agrotóxicos no Brasil, bem como a lei
orgânica da Polícia Militar. Os temas interessam a adversários do PT nas
últimas eleições, como a bancada da bala e a ruralista, fortemente
identificadas com o bolsonarismo. As duas frentes ainda mantêm grande
influência sobre partidos do Centrão e, diante do novo equilíbrio de forças que
se desenha no Congresso, são importantes para garantir a governabilidade.
A lei orgânica da PM, que pretende criar normas
gerais para as corporações, é a iniciativa que hoje tem mais consenso dentro do
governo. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse a auxiliares que tem como
meta fazer com que o texto seja sancionado por Lula ainda em 2023. Apesar
disso, os ministérios das Mulheres e do Meio Ambiente veem com preocupação
alguns trechos, como possíveis limitadores para o ingresso de mulheres nos
quadros da corporação e retirada de competências do Ibama. O governo deseja
aprovar a iniciativa no Senado e evitar mudanças.
— Precisa avançar, não queremos ficar responsáveis
por esse projeto ter que voltar para a Câmara (onde começou a tramitar). O
governo vai ter seu momento para se posicionar, que é através do veto — disse o
secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz, sobre
a possibilidade de suprimir alguns trechos da lei.
A proposta começou a avançar no ano passado na
Câmara e inicialmente retirava poder dos governadores sobre as corporações.
Diante da resistência, o trecho foi suprimido pelo então relator Capitão
Augusto (PL-SP). Dar apoio ao texto é uma maneira de o governo se aproximar das
forças de segurança, uma das bases do bolsonarismo.
— A gente vem de um movimento de retomada do
diálogo com as forças de segurança, que é bem fértil. Temos que dialogar com os
comandantes-gerais, como fizemos segunda-feira, recebemos aqui (no Ministério
da Justiça) — disse o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar.
O texto da lei orgânica foi aprovado pela Comissão
de Segurança Pública em julho, com o parecer favorável do líder do PT no
Senado, Fabiano Contarato (ES), que fez carreira como delegado da polícia
civil. A redação foi encaminhada então para a Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), e a expectativa é que seja aprovada pelo plenário da Casa. Em
seguida, o texto será levado à sanção.
Também está na mira do Palácio do Planalto
fortalecer o programa Habite Seguro, linha de financiamento de imóveis voltada
para agentes de segurança criada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O programa
é viabilizado pelo Fundo Nacional de Segurança Pública, que é responsabilidade
do Ministério da Justiça. Auxiliares de Dino confirmam a intenção de ampliar a
iniciativa, mas não há data prevista para a ideia ser anunciada.
A aproximação acontece ao mesmo tempo em que Lula
edita decretos para restringir o acesso às armas de fogo. O movimento provocou
insatisfação na bancada da bala, que já se movimenta para derrubar a ordenação
jurídica elaborada pelo governo federal.
Em relação ao projeto que facilita o registro de
agrotóxicos há um ambiente mais dividido. O ministro da Agricultura, Carlos
Fávaro, já disse ser a favor. Ambientalistas chamam o texto de “PL do Veneno”.
Os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento
Agrário) resistem a flexibilizar o uso dos pesticidas.
Nas negociações, o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), tem mantido conversas com Fávaro para levar o projeto ao
plenário. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), também tem
participado de algumas reuniões da bancada ruralista e não tem sido um
obstáculo.
Aliados do senador petista avaliam que a tendência
é não se posicionar contra a votação do texto. Para Paulo Teixeira, porém, é
preciso “banir alguns agrotóxicos”. Ele reconhece que o assunto não foi
pacificado.
Em maio, Carlos Fávaro tentou baixar a tensão e se
equilibrar entre as visões do governo. Após uma reunião com Pacheco, afirmou que
todos no Planalto estão “na mesma pauta”:
— Vamos olhar os pontos, o que não é convergente e
o que é possível ajustar e fazer uma análise técnica muito rigorosa. Ninguém é
a favor de produtos cancerígenos.
Em fevereiro do ano passado, antes do período eleitoral,
Marina Silva já classificava a proposta como um “ataque à saúde pública, ao
meio ambiente e ao funcionamento das instituições”.
O cenário é diferente do planejado para o projeto
de lei da regularização fundiária, batizado pelos críticos como “PL da
Grilagem”, que terá forte oposição do governo caso avance no Senado.
Lula
precisará de cargos para acomodar PP e Republicanos
O presidente Lula (PT) vai ter de escolher entre
diminuir o número de aliados ou de mulheres na Esplanada dos Ministérios em
meio às negociações com o centrão em busca de apoio no Congresso.
Desde que fechou a entrada de PP e Republicanos no
corpo ministerial, o governo tem tentado resolver um xadrez para não criar
problemas com aliados nem quebrar promessas de campanha, mas Lula já aceita que
alguma das pontas terá de ficar descoberta.
O presidente tem repetido que não quer diminuir o
número de mulheres no alto escalão. A articulação do governo repassou isso para
o centrão e busca saídas para que cargos visados, como Esporte, Ciência e
Tecnologia e a presidência da Caixa Econômica, se mantenham com comando
feminino.
Por outro lado, os governistas tentam evitar que,
para agradar o centrão, acabem desagradando aliados. O PSB, do vice-presidente
Geraldo Alckmin, tem pastas em xeque, assim como membros do próprio PT de Lula
e apoiadores antigos.
Lula já entendeu que a conta não fecha e tem ouvido
aliados que defendem posições distintas. A decisão deverá ser tomada nas
próximas semanas, com a retomada das sessões no Congresso e após reuniões com
lideranças do centrão.
Depois de trocar Daniela Carneiro por Celso Sabino
no Ministério do Turismo, Lula quer seguir com uma alta participação feminina
no alto escalão como política de governo. Segundo interlocutores, isso tem sido
dito tanto a aliados e ao centrão —o ponto, tenta argumentar ele, é buscar
deixar seu terceiro mandato com uma marca mais igualitária.
O problema é que os indicados pelos dois partidos
para integrar a Esplanada são homens: os deputados André Fufuca (PP-MA), líder
do partido na Câmara, e Sílvio Costa Filho, o Silvinho (Republicanos-PE). Alguns
dos cargos cobiçados são femininos. O principal deles foi a chefia da Saúde, da
ministra Nísia Trindade, mas Lula já negou essa pasta ao PP.
Além de um ministério, o partido articula a
indicação da presidência da Caixa Econômica, comandada por Rita Serrano. O
primeiro nome a ser ventilado foi o do ex-ministro Gilberto Occhi, mas Lula
intercedeu para ter um nome feminino. Aparentemente foi atendido: a ex-deputada
Margarete Coelho (PP-PI) tornou-se o nome mais cotado.
O Republicanos também mira uma pasta de comando
feminino: Esporte, de Ana Moser. Responsável pela regulamentação das apostas
esportivas, o comando desse ministério também já foi descartado para entrar nas
negociações, mas, segundo aliados, a pressão continua e não está de todo
descartado haver a troca.
Se quer segurar mulheres, terá de cortar “na
própria carne”, ouviu do centrão. Para isso, restam pastas do PSB ou de
petistas históricos —o que não tem agradado aliados.
Do PSB, são sondados os Ministérios de Portos e
Aeroportos, de Márcio França, e Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços, de Alckmin. No primeiro caso, Lula resiste por França não ter mandato
e ser influente na bancada. Já no segundo, a questão é a ligação do vice junto
ao empresariado.
A possibilidade de troca gerou reação do presidente
da sigla, Carlos Siqueira (PSB), que apoia a candidatura de Lula desde que o
presidente saiu da prisão, em 2019. Em entrevista ao UOL, ele disse que
qualquer saída de seu partido seria “uma sinalização ruim”.
Vamos apoiar o governo com três, com dois, com um,
sem nenhum cargo, por razões maiores. Se o presidente achar que deve mudar A, B
ou C, ele muda, é um direito dele. […] É uma sinalização ruim se algum deles
sair, porque os três estão dando certo nos ministérios que estão ocupando. Se o
presidente quiser tirar, é outra coisa. -
Carlos Siqueira, presidente do PSB
Outra saída seria cortar ministros da chamada “cota
pessoal”, de grande maioria petista. Em conversa com Lula, Alexandre Padilha
(Relações Institucionais) chegou a oferecer o cargo, mas foi descartado. O
presidente também afastou mudança entre os palacianos Rui Costa (Casa Civil) e
Paulo Pimenta (Secom).
O mesmo não se diz sobre Wellington Dias, no
Desenvolvimento Social. O senador eleito sempre teve o carinho de Lula, mas a
atitude discreta tem incomodado e o cargo é alvo da cobiça do PP. Por ora, a
resistência de Lula se dá pela pasta ser responsável pelo Bolsa Família.
Lula vai se reunir com lideranças dos partidos do
centrão e do Congresso na próxima semana para bater o martelo. Na última quarta
(26), ele conversou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para
acertar detalhes.
Ficou combinado que eles se encontrarão
pessoalmente, com a presença de Fufuca. Padilha também conversou com Hugo Motta
(Republicanos-PB), líder do partido na Câmara, para alinhar as negociações.
Fonte: O Globo/UOL
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