segunda-feira, 31 de julho de 2023

Bolsonaro busca rumo um mês após inelegibilidade e enfrenta percalços

Jair Bolsonaro (PL) completa o primeiro mês na condição de inelegível neste domingo (30) envolto em uma série de contradições. Elas lançam dúvidas sobre seu futuro, mas também evidenciam que o ex-presidente mantém capital político mesmo após a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Em 30 de junho, a corte o declarou impedido de concorrer por oito anos, ao reconhecer abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na eleição do ano passado. A origem: a reunião com embaixadores na qual Bolsonaro disparou mentiras e ataques ao sistema eleitoral.

Sua defesa espera a publicação do acórdão do julgamento para decidir os próximos passos. A chance de reversão, contudo, é considerada quase nula nos círculos político e jurídico.

As primeiras movimentações depois de Bolsonaro ter seu nome vetado das urnas até ao menos as eleições de 2028 indicaram dificuldade para liderar a oposição ao presidente Lula (PT), posição que pretendia assumir naturalmente, e acenderam alertas sobre o risco de isolamento após um governo de polêmicas e radicalismos.

Apesar disso, aliados e detratores concordam que o ex-presidente preserva o apoio de ao menos parte de seus 58,2 milhões de eleitores no segundo turno, patamar muito próximo dos 60,3 milhões de votos que deram a vitória a Lula, no mais apertado placar desde a redemocratização.

Nas últimas quatro semanas, Bolsonaro se esforçou para mostrar que, como gosta de reiterar, não está morto. Vestiu o figurino de injustiçado, alegou sofrer perseguição e fez mistério sobre quem ungirá como sucessor, mas reafirmou querer atuar como cabo eleitoral nas disputas municipais de 2024.

Na brecha que encontrou para capitanear a oposição ao governo atual, porém, saiu desmoralizado. A Reforma Tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 7 mesmo com sua campanha contrária. O texto angariou, inclusive, 20 votos favoráveis na bancada do PL.

No terreno que o catapultou ao poder e ajudou a sustentar sua permanência, as redes sociais, Bolsonaro também anda cambaleante. Seus perfis têm ignorado a inelegibilidade e sido alimentados com conteúdos relacionados a seu governo e com cenas mais novas, dele sendo tietado em locais públicos.

Uma das estratégias para atrair visibilidade é criticar Lula e fazer comparações com o governo passado. Também polemizou com uma insinuação de que o PT teria ordenado a facada nele em 2018.

Outra tentativa de chamar a atenção é com o resgate do estilo verborrágico, como se viu em sua recente passagem por São Paulo. Durante ato político na terça-feira (25), ele chamou Lula de jumento --o que mereceu resposta do petista-- e desengavetou assuntos para fustigar a esquerda.

Desde o julgamento, Bolsonaro está em queda no Índice de Popularidade Digital, o IPD, aferido pela consultoria Quaest. Segundo dados obtidos pela Folha de S.Paulo, o ex-presidente registrou 32 pontos na quarta-feira (26), em uma régua que pode chegar a 100. No mesmo dia, Lula tinha 61 pontos.

O nível de Bolsonaro no IPD não passou de 45 pontos em nenhum dia deste ano. Em 2019, seu primeiro ano na Presidência, o índice chegava à casa dos 80 pontos. Já Lula ficou à frente do rival em todas as medições diárias em 2023. No pico, em abril, cravou 85 pontos --ante 10 do antagonista.

Um monitoramento da Quaest já tinha mostrado que a comoção com a inelegibilidade nas redes bolsonaristas arrefeceu em cerca de dez dias, dando lugar a mensagens contra Lula.

Apesar da popularidade enfraquecida na esfera digital, o ex-presidente conta com a memória de seu mandato, que representou a ascensão da extrema direita no Brasil, para continuar vivo.

Segundo uma pesquisa do Datafolha em junho com 2.010 pessoas e margem de erro de dois pontos para mais ou menos, 57% dos brasileiros acham que o governo Bolsonaro trouxe benefícios para o país.

Um ex-auxiliar, falando sob condição de anonimato, diz que o desafio de se manter relevante passa pelo papel de Bolsonaro nas eleições do ano que vem. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, quer o ex-presidente envolvido nas campanhas para atingir a meta de eleger 1.500 prefeitos.

Valdemar tem exercido influência sobre o ex-governante, mas disse em entrevista à Folha de S.Paulo que a palavra final no partido é de Bolsonaro, "porque ele é o dono dos votos" da legenda, onde entrou em 2021.

Na opinião desse antigo colaborador, nada tira do ex-presidente a aura de baluarte da direita, mas a rejeição a ele é um entrave eleitoral, o que o torna mais forte como apoiador do que candidato. O cenário sugere aos postulantes do próximo ciclo que é mais vantajoso convergir ao centro.

Sem a caneta de qualquer cargo na mão, Bolsonaro tem ainda que lidar com a sedução que o poder exerce sobre políticos e partidos que dividiam as hostes com ele até o ano passado. Lula abriu portas para o centrão e construiu pontes com siglas como Republicanos, PP e até parte do PL.

"No Brasil, quem está no poder tem muita força", afirma a ex-deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB-SP), que oscila entre simpatia e ressalvas ao ex-presidente.

No polo governista, o discurso predominante é o de que Bolsonaro pode até estar fora de combate, mas o movimento que ele amalgamou, não. Lula usou a frase "não derrotamos os bolsonaristas ainda" para conclamar a militância a defender seu governo e evitar a volta da direita radical.

"Bolsonaro não está morto", diz Jilmar Tatto (SP), deputado federal e secretário nacional de comunicação do PT, acrescentando que as ideias evocadas pelo adversário têm adesão de parcela da sociedade.

Tatto admite que o ex-presidente poderá ter capacidade de persuasão no próximo ano. "Se vai durar até 2026, não sei", segue ele, lembrando o emaranhado de processos, investigações e suspeitas contra o político.

Outro problema é a vulnerabilidade partidária. Embora conte com a estrutura do PL, Bolsonaro não controla a legenda, que tem até quadros refratários a ele. "Não é uma base social organizada como a do PT", alfineta Tatto. "A política dele é solo. Está perdendo protagonismo."

Para o cientista político Jorge Chaloub, a atuação personalista dificulta a formação de uma coalizão que leve o ex-presidente a se firmar como líder político. Por outro lado, ele dispõe de ferramentas menos tradicionais, como a capilaridade nas redes sociais, para se conservar na arena pública.

"É uma situação ambígua", diz o professor das universidades federais do Rio de Janeiro e de Juiz de Fora. "Tanto ele é forte que os nomes que miram seu espólio em 2026 sabem que terão que conquistar primeiro o eleitorado dele. Uma liderança como Bolsonaro não se constrói do dia para a noite."

 

       Casal Bolsonaro pregou para convertidos em SC

 

Jair Bolsonaro e a sua mulher, Michelle, estiveram em Santa Catarina, estado em que o ex-presidente obteve maior percentual de votos no ano passado, pela primeira vez desde a eleição. Entre sexta-feira e sábado, o casal cumpriu uma série de agendas com lideranças locais e posaram para fotos com apoiadores. A principal foi o evento do PL Mulher em Florianópolis, quando ambos discursaram.

O ex-presidente chegou ao estado na tarde de sexta e participou, junto a Michelle, de almoço com lideranças locais, como o governador Jorginho Mello. Em seguida, esteve no comando-geral da Polícia Militar. À noite, jantou com deputados na residência oficial do Executivo estadual, a Casa d’Agronômica.

No sábado, antes do evento da ex-primeira-dama, esteve com o governador no mercado público, onde posou junto a apoiadores e tomou caldo de cana. Por um breve período, Bolsonaro esteve com sua esposa no encontro estadual do PL Mulher, onde discursou por oito minutos e agradeceu os R$ 7,2 milhões em doações de Pix que recebeu.

— Muito obrigado a todos aqueles que colaboraram comigo no Pix há poucas semanas. Mais do que o valor depositado, quase um milhão de pessoas colaboraram. Dá para pagar todas as minhas contas e ainda sobre dinheiro para tomar um caldo de cana e comer um pastel com dona Michelle — disse, aos risos.

De acordo com relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Jair Bolsonaro recebeu R$ 17,2 milhões por meio de transações de Pix, entre 1 de janeiro a 4 de julho deste ano. A arrecadação foi fruto de uma campanha movimentada por seus aliados políticos nas redes sociais para ajudá-lo apagar multas provenientes de condenações em processos judiciais.

Enquanto Michelle permaneceu no evento no Stage Music Park, em Jurerê, Bolsonaro seguiu com o governador para a festa do agricultor, que ocorreu em Ituporanga, no Alto Vale do Itajaí. No final da tarde, os dois retornaram à Brasília.

 

       TCU deve “passar pano” para salário de Bolsonaro

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) marcou para a próxima quarta-feira (2), às 14h30, o julgamento do pedido do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado para suspender o salário de quase R$ 40 mil reais pago pelo Partido Liberal (PL) ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou à Corte de Contas que rejeite o pedido do representante do Ministério Público. Para os técnicos, o TCU não tem competência para investigar o uso de recursos do Fundo Partidário.

No TCU, a expectativa é a de que o relator do caso, Benjamin Zymler, acompanhe o entendimento da área técnica e arquive a representação, de acordo com dois ministros ouvidos pela equipe da coluna.

Furtado pediu à Corte de Contas que apurasse irregularidades no salário de Bolsonaro após o ex-presidente ser condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o tornou inelegível por oito anos.

Os técnicos do TCU, no entanto, consideram que o pedido não tem cabimento já que não é atribuição da Corte de Contas fiscalizar o uso de dinheiro público do Fundo Partidário.

Segundo eles, “não há indícios concretos de irregularidades” a serem apuradas pelo TCU no pagamento de um salário ao ex-presidente.

Mas afirmam que, como o dinheiro sai do fundo partidário, “eventuais irregularidades devem ser objeto de escrutínio da Justiça Eleitoral”.

Por isso, o parecer sugere que a Corte de Contas encaminhe o processo ao TSE e à Procuradoria-Geral da República para “apurações e/ou demais providências que entenderem pertinentes”.

Dentro do TCU, a dúvida é se Zymler vai acatar a segunda sugestão da área técnica e encaminhar o pedido de investigação ao TSE e ao Ministério Público, o que poderia dar sobrevida ao processo em outras instâncias.

Mas integrantes do TSE consultados pela equipe da coluna avaliam que não há cabimento para impedir o pagamento do salário com recursos do Fundo Partidário.

“Impedir seria um tanto radical. O fundo tem finalidade de suportar as atividades do partido e não de candidatos”, comenta um ministro do TSE.

Bolsonaro foi declarado inelegível pelo TSE em junho, devido à sua participação na reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, marcada por ataques – sem provas – às urnas eletrônicas.

No pedido para a apuração das irregularidades, Furtado escreveu que a utilização de recursos públicos para remunerar pessoa que foi condenada pelo Poder Judiciário “é violação direta e mortal do princípio da moralidade administrativa”.

Esse entendimento, porém, não é compartilhado pelo advogado que representou o PDT na ação que levou à inelegibilidade de Bolsonaro, Walber Agra.

“Bolsonaro tem o direito de continuar recebendo”, disse Agra à equipe da coluna. “Ele não perdeu os direitos políticos. Apenas foi declarado inelegível, portanto qualquer outra sanção contra ele é um ato de arbitrariedade sem amparo na lei.”

 

Fonte: FolhaPress/O Globo

 

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