Ampliação do ensino técnico pode impactar até 2,32% do PIB
Aliny Damasceno dos Santos, 23 anos, se formou
em 2018 no ensino médio técnico e, em seguida, entrou em um curso técnico de
mecânica. Reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC), a modalidade é uma das
opções para quem quer se capacitar para o mercado de trabalho antes de passar
por uma faculdade.
No caso de Aliny, o curso profissionalizante rendeu
um estágio assim que terminou os anos escolares, antes mesmo de iniciar a
graduação. Para ela, a opção é positiva para aqueles que buscam maturidade
profissional antecipada.
"A gente estuda muitos conceitos que não vê no
ensino médio regular. Adquirimos maturidade cedo. Esse ensino já me ajudou
muito na minha carreira. Já me ajudou a conseguir estágio e a entrar em
projetos de extensão", conta a futura engenheira.
Aliny percebeu a diferença entre um ensino médio
regular e o ensino médio técnico na prática. "Eu já entrei na graduação
tendo uma boa noção do que ela seria. Eu vejo muita gente entrando na
engenharia mecânica e desistindo porque não é bem o que a pessoa imaginava, e
como eu já fiz o técnico, foi uma vitrine pra mim, ajudando a não desistir do
meu curso", contou a estudante.
A acadêmica de engenharia acrescentou: "eu
recomendo muito, principalmente porque eu e outros colegas tivemos a
oportunidade de já sair trabalhando, o que é um ponto muito positivo. Hoje, o
mercado de trabalho está muito complicado. Eu acho que pode mudar a vida das
pessoas encontrar tão cedo a profissão que quer seguir".
·
Impactos econômicos
Recente pesquisa do Itaú Educação e Trabalho
mostrou os efeitos do ensino médio técnico na economia do Brasil. O estudo
apontou que trabalhadores graduados na modalidade ganham em média 32% a mais do
que aqueles com ensino médio tradicional, entre os profissionais de 24 a 65
anos de idade.A pesquisa foi realizada entre junho e dezembro de 2022.
Um dos pesquisadores, Vitor Fancio, que atualmente
atua como assistente de pesquisa no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper),
disse que, no estudo, foram analisados os efeitos macroeconômicos da expansão
do ensino médio técnico no Brasil em três grandes aspectos: os impactos do
Produto Interno Brasileiro (PIB) na economia, a desigualdade salarial e os
custos de expansão do ensino médio técnico no país.
"Para quantificar esses impactos, construímos
um modelo matemático que representa a economia que a gente vive atualmente e
realiza, com base nesse modelo, dois grandes experimentos. O primeiro, a gente
simula o caso em que o governo duplica a oferta do ensino médio técnico e, no
segundo caso, analisa quando o governo triplica o número de vagas para o ensino
médio técnico, sendo os efeitos bem parecidos", explica.
Considerando a segunda hipótese, ele afirma que há
impacto sobre o PIB do país. "Quando o governo triplica o número de vagas
no ensino médio técnico, a gente observa um aumento de 2,32% no PIB, pensando
em longo prazo", pontua.
Para o pesquisador, o impacto se deve ao fato de
que os profissionais vindos do ensino técnico são mais produtivos do que
aqueles saídos do ensino tradicional. "Quando o governo expande o número
de vagas, a gente tem aumento de jovens com ensino médio técnico na economia e
também aumenta o número de jovens com ensino superior", diz.
Por mais que ainda seja um ensino que está se
ampliando cada vez mais, apenas 8% da população já se formou nessa modalidade.
Este percentual é baixo em comparação com outros países da América Latina, como
México (34%), Chile (29%), Colômbia (24%) e Costa Rica (20%).
Isso não é devido à falta de interesse de jovens
brasileiros. A escassez é consequência do número de vagas ofertadas. Segundo
dados do Centro Paula Souza (CPS), há, em geral, cinco vezes mais candidatos do
que o número de vagas disponíveis para o ensino médio técnico.
Carla Chiamarelli, atual gerente de gestão de
conhecimento do Itaú Educação e Trabalho, afirma que há uma forma de ampliar o
ensino técnico no país: "Com investimento nessa modalidade de ensino, seja
no ensino médio e fora dele".
"O Poder Público, o setor produtivo e a
sociedade em geral precisam valorizar e investir na ampla oferta qualificada da
educação profissional, que é uma modalidade de ensino que está mais alinhada
com as tendências do mundo do trabalho", afirma. A gerente considera ser
necessário mudar o foco da educação: "É urgente colocar a Educação
Profissional e Tecnológica (EPT) como prioridade na nossa sociedade e no centro
da estratégia de desenvolvimento das juventudes e das melhorias das condições
socioeconômicas do Brasil".
De acordo com Chiamarelli, as diferenças entre os
egressos do ensino médio técnico e o regular passam por diversos aspectos no
que diz respeito ao mercado de trabalho. Para os técnicos, a taxa de desemprego
é, em média, 7,2%, enquanto para os demais é de 10,2%. "Outro estudo
realizado em 2021 com objetivo de criar um indicador de inclusão produtiva de
qualidade, mostrou que 34,5% dos jovens egressos da EPT seguem para o ensino
superior enquanto, no ensino médio tradicional, este percentual é de
27,4%", afirma.
Apesar das diferenças que acredita penderem
positivamente para o estudo profissionalizante, a gerente de gestão do
conhecimento lembra que são opções distintas e que devem ser analisadas
conforme a realidade de cada jovem. "O que posso afirmar é que temos
muitas evidências, baseadas em estudos e pesquisas, de que o ensino médio
técnico de qualidade é uma possibilidade muito positiva para os jovens e também
para o país" concluiu a colaboradora do Itaú.
·
Valorização
O estudante Guilherme Henrique Braga da Silva, 20,
teve a oportunidade de fazer um curso técnico. Ele se formou no ensino médio em
2022 e, atualmente, cursa licenciatura em ciências biológicas na Universidade
Católica de Brasília (UCB). Durante seus anos escolares, fez um curso técnico
de forma integrada em produção de áudio e vídeo pelo Instituto Federal de
Brasília (IFB), no câmpus Recanto das Emas, e relatou os pontos positivos da
sua experiência.
"Foi uma formação que colaborou muito para
minha carreira. Foi um fato que me fez sair com um diploma de ensino técnico e
que eu posso usar em diversos pontos ou momentos da minha vida" disse o
estudante.
Para Guilherme, a principal vantagem do ensino é
oferecer um caminho para o jovem trilhar. "O jovem, assim que se forma no
ensino fundamental e vai entrar no ensino médio, não sabe que rumo vai tomar.
Então, entrar em um instituto que oferte formação em um ensino médio e em um
curso técnico, já é uma direção para seguir carreira no curso técnico que ele
se formou, fazer uma especialização ou até um curso superior da mesma
área" concluiu o universitário.
O estudante não tem dúvidas quanto a recomendar a
modalidade a outros que passam pela indecisão que, um dia, ele viveu: "Vai
ser um ponto que mudará a vida dessa pessoa, como mudou a minha há cinco anos,
quando me recomendaram o Instituto Federal. Então, sempre que posso, estou
recomendando, indicando e até auxiliando a entrar".
Ø 90% dos empresários defendem ensino técnico como gerador de empregos, diz
CNI
Em pesquisa recente divulgada pela Confederação
Nacional de Indústrias (CNI), nove a cada 10 empresários do setor industrial
disseram acreditar que o ensino técnico permite o ingresso mais rápido de
jovens no mercado de trabalho. Para 85% deles, os cursos técnicos abrem mais
oportunidades de emprego a quem está entrando na vida profissional do que as
modalidades de ensino regular.
O levantamento foi feito com 1.001 industriais de
empresas de diversos portes em todo o Brasil, com o objetivo de entender a
percepção do setor sobre a educação no país.
De acordo com o superintendente de educação
profissional e superior do Senai Nacional, Felipe Morgado, a pesquisa mostrou
que o setor produtivo está em busca de profissionais mais qualificados e abre
espaço para os jovens que cursam o ensino técnico.
"No Senai, 76% dos estudantes estão empregados
em até um ano após concluírem o ensino técnico. Isso mostra que os empresários
estão buscando formação técnica. Muitos deles, inclusive, estão pagando mais a
estes profissionais do que àqueles que saem do ensino superior", afirma.
·
Investimento privado
Segundo Morgado, a pesquisa revelou que os
empresários estão satisfeitos com a qualidade das instituições de ensino
profissionalizante, situação que não se repete quando o assunto é a educação
básica. Para 55% dos entrevistados, a modalidade de ensino técnico é avaliada
como ótima ou boa. Já em relação à alfabetização, 78% consideram os resultados
como regular, ruim ou péssimo. Além disso, 36% dos empresários apontam o ensino
fundamental como o ponto fraco da educação pública brasileira.
"O setor produtivo está sentindo o impacto da
baixa qualidade da educação básica e, por isso, o grande desafio agora é
ampliar o ensino técnico, mantendo os resultados já encontrados com a
profissionalização", diz Morgado.
Um dos aspectos de destaque na pesquisa da CNI, de
acordo com o superintendente, é o fato de os empresários reconhecerem a
importância de a própria iniciativa privada investir na qualificação dos
jovens. De acordo com os dados apresentados, 83% dos entrevistados acreditam
que a responsabilidade deva ser compartilhada com o Estado.
"Isso mostra que o empresariado está disposto
a ajudar. É muito importante nesse momento em que estamos vendo a expansão do
ensino técnico e buscando a ampliação da oferta de cursos", explica.
·
Cursos do futuro
A pesquisa da CNI trouxe informações valiosas para
os estudantes que pensam em ingressar em um curso profissionalizante. Os
empresários apontaram as áreas mais promissoras no mercado e que, atualmente,
mais carecem de mão de obra qualificada.
"Ficou claro que eles reconhecem o valor da
formação profissional como acesso mais rápido ao mercado de trabalho e
trouxeram as áreas de maior necessidade. TI (tecnologia da informação) ficou em
primeiro lugar, mas também merecem atenção automação e mecatrônica, por
exemplo", aponta Felipe Morgado.
A pesquisa mostrou que os jovens que buscam o
ensino técnico profissionalizante como opção deveriam ter como foco,
principalmente, os cursos de TI (30%), mecânica (10%), elétrica (9%),
administração (8%), automação industrial (5%) e mecatrônica (4%). Isso porque,
para eles, as atividades mais promissoras no Brasil, nos próximos 10 anos,
serão ligadas à tecnologia, saúde, engenharia, indústrias e agronomia.
Ø Alunos indígenas pedem ajuda e conquistam acesso à internet após
intervenção da UFMG
Feito a pedido de alunos indígenas, um projeto de
conectividade da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) busca ampliar a
internet para comunidades indígenas e quilombolas, que podem usar a rede para
estudos, entretenimento e até acesso a programas sociais.
O projeto-piloto foi em uma aldeia do povo
Maxakali, em Santa Helena de Minas, cidade próxima à divisa com a Bahia. Lá, a
internet ajuda os alunos da Formação Intercultural para Educadores Indígenas da
UFMG a fazerem os trabalhos acadêmicos, mesmo longe do campus principal, em
Belo Horizonte.
Um deles é Lúcio Flávio Maxakali, 38, estudante de
mestrado e morador da aldeia Jaqueira, onde fica a antena de conexão. Ele diz
que a internet não apenas contribuiu para os estudos, mas também facilitou
outros aspectos.
Lúcio, por exemplo, ajuda membros da comunidade a
gerenciar benefícios sociais por aplicativo, o que evita o deslocamento de 12
quilômetros até a cidade. O mesmo ocorre para solicitar ajuda médica, já que o
contato se torna mais fácil com a internet.
Para eles, a web é ainda um espaço de encontro
entre tradições, seja de povos originários ou não.
"É importante para nós porque temos que
colocar nosso trabalho e nossa história na internet, para mostrar o corpo e a
cara dos Maxakali. Também é bom para os alunos pesquisarem e conhecerem a
cultura indígena e de outras etnias", afirma.
Damião Maxakali, mestrando na universidade, relata
que os mais jovens têm curiosidades sobre o universo digital, incluindo filmes
e desenhos que eles assistem on-line.
Professora de educação da UFMG e uma das líderes do
projeto, Vanessa Thomaz diz que, antes da pandemia, o acesso dos indígenas à
internet costumava ser feito na universidade. Na época, os alunos se deslocavam
entre a capital e a aldeia para ter aula, com apoio da Funai (Fundação Nacional
dos Povos Indígenas).
Com a chegada da Covid e do período remoto, a falta
de conexão prejudicou os alunos vulneráveis, como indígenas e quilombolas. A
universidade passou a distribuir chips com dados móveis para tentar incluir
esses estudantes. Mas, nas aldeias afastadas dos centros urbanos, o sinal era
fraco e insuficiente para assistir às aulas.
Segundo Júnia Oliveira, mestranda em ciência da computação
e membro do projeto, os indígenas têm acesso a só uma parte do sinal que chega
à cidade, onde há maior concentração de usuários. Por isso, a conexão dos
alunos é instável.
Diante das dificuldades, os Maxakali escreveram uma
carta à universidade, pedindo ajuda para acompanhar as aulas à distância. O
início do projeto com os professores começou a partir dessa troca, na tentativa
de solucionar o problema.
Na primeira fase, eles instalaram um ampliador de
sinal telefônico na aldeia Jaqueira, mas os problemas de conexão persistiram.
Nessa época, eles inscreveram o projeto em um edital do Instituto de
Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos, e receberam US$ 1.000 (cerca de R$
4.700) após conquistarem o segundo lugar.
Depois, compraram a antena da Starlink, de conexão
via satélite, que foi colocada em espaço aberto. "Agora, eles têm o acesso
à internet com velocidade alta, sem limite de cota. Dá para fazer muita coisa,
atende a eles perfeitamente e a qualidade do serviço é muito boa", diz o
professor José Marcos Nogueira, de ciência da computação, que também coordena o
projeto.
Com a conexão, os alunos puderam avançar nos
estudos, mesmo no pós-pandemia. Os estudantes pesquisam diferentes tópicos
relacionados à comunidade, como os medicamentos tradicionais e o mapeamento do
território onde vivem, e estão sendo beneficiados pela iniciativa. Hoje, 21
alunos da licenciatura e dois do mestrado usam a conexão, segundo a professora
Vanessa Thomaz.
Mas os recursos recebidos no edital, que são usados
para pagar a mensalidade do uso do satélite, devem chegar ao fim neste mês.
Outro desafio é que o acesso à rede está restrito a apenas uma aldeia em Água
Boa, um dos territórios Maxakali.
Na aldeia Major, onde vive Damião Maxakali, o
acesso vem dos dados móveis. Para usar a internet via satélite, ele precisa se
deslocar até Jaqueira, onde mora Lúcio. Por isso, Damião diz que ainda tem
dificuldades em acessar a web e utilizá-la com os alunos da escola indígena
local, da qual ele é vice-diretor.
Os professores buscam financiamento para manter o
projeto em andamento e expandi-lo para outros espaços, oferecendo capacitações
sobre como acessar e usar a internet.
"Desde o início, queríamos uma formação
técnica para que os usuários possam fazer a manutenção, mas também usar esse recurso
numa perspectiva educativa, para que eles possam criar as próprias redes e
produzir conteúdo", diz Vanessa Thomaz.
Muitas aldeias indígenas têm buscado a conexão com
a internet e meios digitais, uma vez que o contato com as tecnologias facilita
trocas entre diferentes comunidades e acesso a direitos como saúde e educação.
Segundo Eliane Boroponepa Monzilar, professora do
povo Balatiponé-Umutina e colaboradora do mestrado indígena da Universidade do
Estado de Mato Grosso, a conectividade é um elemento importante e ajuda a
combater estereótipos.
"A gente discute para que o jovem possa estar
interligado aos meios de comunicação de uma forma benéfica, para trazer algo
positivo para seus saberes esculturais. Que isso venha fortalecer, desde que a
gente não perca as nossas raízes e saberes."
Para além dos alunos de outras etnias, o projeto
pode contribuir para os estudantes de centros urbanos, apresentando novas
práticas de conexão e inclusão digital. É o que afirma o professor Cássio
Gonçalves do Rego, do departamento de engenharia da UFMG, que colabora com a
iniciativa.
"Como escola, um projeto desse tem um alcance
maior do que a gente imagina. Além de atender a necessidade urgente de uma
comunidade, também oferece para o aluno que está em Belo Horizonte um estudo de
caso. É um efeito multiplicador."
Fonte: Correio Braziliense/FolhaPress
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