domingo, 30 de julho de 2023


 Milly Lacombe: Por que a direita não se reconhece como ideologia?

Marcio Pochmann é o presidente do Instituto Lula e doutor em Ciência Econômica pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

Comecemos com uma afirmação: quando alguém diz que a escolha foi ideológica o que está sendo dito é que a escolha foi por alguém do campo da esquerda.

São inúmeros os exemplos, mas falemos de Márcio Pochmann, recém escolhido para comandar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas.

O nome de Pochmann está despertando o que poderia ser chamado, sem exageros, de desespero por uma parte da imprensa e da ala neoliberal de analistas econômicos, uma ala que, diga-se, apoiou Paulo Guedes mesmo depois de o governo Bolsonaro se revelar escancaradamente pelo que sempre anunciou que seria: um governo de tendências nazifascistas.

Pochmann, eles gritam, é apontamento ideológico de Lula.

Seria o caso de nos perguntarmos por que Lula, presidente da nação, não poderia fazer um apontamento ideológico.

Paulo Guedes, ainda herói dos liberais, foi escolha ideológica para a Economia.

Roberto Campos Neto foi escolha ideológica para o Banco Central.

Mas aqui ainda navegamos por águas econômicas. Saiamos delas.

Pazuello e Queiroga, ministros da saúde de Jair Bolsonaro, foram escolhas ideológicas.

Estranhas não por serem ideológicas, mas por estarem à frente de uma pasta da qual nada entendiam durante uma pandemia.

Por que a direita e a extrema-direita não se veem como ideologias? Por que os liberais não se enxergam como ideológicos?

Por que Campos Neto nunca foi chamado de escolha ideológica? Pelo contrário: para jornalistas de direita trata-se de escolha técnica.

Não é preciso muito para ser nomeado como escolha técnica: basta ter vindo do mercado, para onde, aliás, todos eles voltam ao deixarem o governo.

Por que o comunismo é ideologia mas o capitalismo não é?

Por que o colonialismo nunca é chamado de regime ideológico mas o stalinismo sim?

Por que apenas jornalistas do campo da esquerda são chamados de ideológicos e os da direita de vendem como técnicos?

Respondamos.

A direita não se vê como ideologia pois se entende universal. É a ela que tudo se compara, como um carbono isótopo 12 do universo político.

Ideologias universais se pretendem invisíveis por serem hegemônicas. Mas não são. Pelo menos não mais.

Assim como a identidade do homem branco e heterossexual se pretende invisível e universal. A ela todos nós devemos nos comparar.

Identidade é isso aí que vocês são. Nós aqui somos apenas a razão e o poder, eles dizem.

Qualquer crítica decente às pautas identitárias deveria começar pela crítica a essa identidade dominante que se pretende universal.

Marcio Pochmann, gostem ou não, é escolha técnica e também ideológica.

Técnica porque seu currículo é irrepreensível: doutor em ciências econômicas, professor da Unicamp, ex presidente da Fundação Perseu Abramo, do IPEA e autor de dezenas de livros, entre eles “O Neocolonialismo à Espreita” (recomendo), e vencedor do Jabuti pela obra “A década dos Mitos”, de 2002.

E ideológica porque tudo na vida contém alguma ideologia, e não há nada de errado com isso porque todas são.

A questão deveria ser de que ideologia estamos falando.

No caso de Campos Neto, por exemplo, estamos falando de uma ideologia neoliberal que não se acanha em apoiar o nazifascismo bolsonarista e os interesses do mercado em detrimento dos sociais.

Uma ideologia mais moral do que econômica que trabalha encolhendo o espaço público e alargando o privado.

Uma ideologia hegemônica que acha razoável dizer que crianças vendendo bala na rua tiveram a vida melhorada pela criação do PIX.

No caso de Paulo Guedes, idem: era para ele intolerável que trabalhadoras domésticas estivessem indo passear na Disney mas absolutamente legítimo ministro da economia ter dinheiro em paraíso fiscal.

No caso de Pochmann, a ideologia é de esquerda e social. Inclusiva e atenta aos mais vulneráveis.

Me parece um bom começo para liderar o IBGE que Bolsonaro tentou esvaziar para depois destruir diante do silêncio da turma que hoje acordou abruptamente para bradar sobre a importância do IBGE.

Todos somos mobilizados por alguma ideologia. Políticos, economistas, empresários, donas-de-casa e jornalistas.

Ela tem impacto sobre nossa linguagem, sobre o que escolhemos ler, o que escolhemos ver, o que escolhemos vestir e onde escolhemos ir. Acreditar que existe qualquer ação que seja desprovida de ideologia é inocência ou ignorância.

Já na política, apontar o dedo e berrar que a escolha é ideológica é de duas uma: ou falta de capacidade de analisar conjunturas (não assombra, então, que os mesmos que tenham deixado de ver o nazifascismo em Bolsonaro sejam agora aqueles que berram que Pochman é escolha ideológica) ou desonestidade intelectual.

A pergunta que deve ser feita é: qual ideologia é a sua? Inclusiva ou excludente? Nazifascista ou democrática? Liberal ou social?

Ficam os questionamentos.

 

Ø  Pochmann no IBGE: A ameaça do desenvolvimento aos cultos do laissez-faire. Por David Deccache

 

A história nos ensina que cada mudança no equilíbrio de poder ressoa profundamente nas estruturas ideológicas da sociedade. A recente nomeação de Pochmann, um renomado desenvolvimentista com viés socialista, para a presidência do IBGE não é exceção. Este movimento provocou um embate com os economistas liberais, fervorosos guardiões de uma ciência econômica supostamente “pura” e universal. Porém, mais do que um conflito de ideias, este embate revela uma luta de classes subjacente no coração do pensamento econômico.

Os liberais, fervorosos devotos do laissez-faire, veem a economia como um sistema governado por leis naturais, comparáveis à física. Eles defendem um mercado ideal, onde a intervenção estatal é minimizada, refletindo os interesses da classe dominante que se beneficia de tal ordem. Nesse contexto, a ascensão de Pochmann ao IBGE é percebida como uma provocação, uma ameaça à hegemonia de sua “verdadeira ciência”.

Em contraste, os desenvolvimentistas, especialmente os que dialogam com uma perspectiva socialista, enraizados na história e na dinâmica das classes sociais, apresentam uma visão da economia que valoriza a flexibilidade e a contextualização. Eles veem métodos estáticos como ferramentas, não como fins em si mesmos.

Ao passo que os liberais representam os interesses dos ricos e poderosos, os economistas desenvolvimentistas são os que defendem as pretensões da maioria dos despossuídos, que há séculos são responsabilizados pelos ortodoxos como culpados pela própria miséria e exploração que são submetidos.

A tensão atual é mais do que um conflito acadêmico. É um reflexo da contínua batalha pela hegemonia no pensamento econômico, onde diferentes classes lutam para moldar a “verdade” econômica à sua imagem. Essas “verdades” são construções sociais, profundamente sensíveis à correlação de forças existente em cada período.

A economia, ao contrário das ciências exatas, não opera em um vácuo. Está intrinsecamente entrelaçada com as nuances da sociedade e da política. É luta de classes.

A atual agitação, alimentada pela nomeação de Pochmann, é um reflexo desta luta contínua. Assim, a única certeza é que a “verdade” de hoje pode ser questionada e transformada amanhã, conforme a dialética histórica das classes se desenrola.

E aqui nos encontramos, à beira de um novo capítulo na história econômica. Em meio a essa luta, lembramos que a verdadeira natureza do pensamento econômico não reside em fórmulas estáticas, mas na compreensão das forças vivas e conflitantes que o moldam.

A nomeação de Pochmann, para nós, preocupados com as profundas desigualdades sociais, é uma oportunidade de trazer as complexidades e os desafios das lutas de classes para o centro do debate econômico.

Portanto, como Marx nos ensinou, o barulho da luta de classes ressoa até nas batalhas diárias mais sutis, como a nomeação de Pochmann. Este evento aparentemente insignificante se transforma em uma batalha no campo das ideias, uma luta pelo futuro da economia.

Como sempre, a história estará encarregada de julgar quem estava no lado certo do campo de batalha.

 

Ø  FCE/UFRGS: Nota em solidariedade ao professor Marcio Pochmann

 

A Direção da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS e os ex-diretores em atividade no Departamento de Economia e Relações Internacionais vêm, por meio desta nota, registrar sua mais elevada consideração e respeito ao Prof. Dr. Marcio Pochmann, economista graduado em nossa instituição no ano de 1984, cuja trajetória acadêmica e profissional é amplamente reconhecida.

Sua recente indicação para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) suscitou debates públicos que questionam sua capacidade técnica e idoneidade para o exercício de funções públicas. As críticas sugerem que o Dr. Pochmann carece de predicados técnicos devido à sua formação teórica e à sua atuação acadêmica, ambas caracterizadas pela ênfase na crítica a determinadas correntes de pensamento existentes dentro da área da Economia. Esta, por sua vez, caracteriza-se pela pluralidade de tradições teóricas, metodológicas, epistemológicas e ontológicas. Se, para algumas pessoas, esta característica é um problema, para a FCE ela é uma virtude.

Nossa Faculdade entende que a pluralidade e a liberdade acadêmica são essenciais para garantir a boa formação dos futuros profissionais que atuam em nossas áreas de competência. Valorizamos o contraditório e os debates respeitosos, que devem permear aspectos objetivos dos temas em tela e não idiossincrasias pessoais.

A Economia, como outras áreas do conhecimento, é rica por ser diversa. A FCE reconhece isso e tem como um dos seus valores a defesa da pluralidade. Nosso Portal registra o que segue: “entendemos que existem diversas abordagens para a compreensão de sistemas econômicos. Aceitamos e defendemos a pluralidade de ideias e métodos, compreendendo que essas diferenças se complementam e estimulam a busca da excelência acadêmica.”

O Prof. Dr. Marcio Pochmann foi formado neste ambiente. Reconhecemos nele um profissional competente, cujos serviços prestados à academia e à gestão pública merecem o nosso mais elevado respeito. Desejamos a ele sorte e sucesso em todas as suas atividades profissionais.

Ansiamos pelo dia em que o Brasil retome um ambiente mais civilizado no debate público, onde as pessoas sejam avaliadas pelo que são capazes de contribuir para com a sociedade, independentemente de suas posições ideológicas e políticas, sempre que estas se encontrem nos marcos da legalidade e da democracia.

Maria de Lurdes Furno da Silva – diretora

André Moreira Cunha – vice-diretor

Carlos Henrique Vasconcellos Horn – diretor, 2016-2020

Helio Henkin – diretor, 2008-2016

 

Ø  Reitoria e Instituto de Economia da Unicamp manifestam apoio a Márcio Pochmann

 

Reitoria da Unicamp e a direção de seu Instituto de Economia (IE) vêm a público cumprimentar o professor Márcio Pochmann, titular aposentado e colaborador dessa instituição, pela sua indicação à presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Reiteramos aqui o respeito e o reconhecimento pela trajetória acadêmica e política de nosso colega e lamentamos profundamente as tentativas de desqualificação a que tem sido submetido nos últimos dias. Essas, em grande parte das vezes, envolvem o IE e a Unicamp.

Não cabe a uma instituição pública como a nossa se posicionar em disputas internas a outros órgãos públicos, muito menos opinar sobre as escolhas de um governo. Mas gostaríamos de pontuar alguns aspectos.

A atribuição — leviana — de eventuais manipulações de estatísticas num futuro exercício do cargo é uma arma retórica que não costuma fazer parte desse tipo de discussão e se revela bastante inusitada. Não parece o tipo de recurso que engrandece o debate num momento de necessária reconstrução das relações políticas e institucionais no Brasil.

As adjetivações, inverdades ou difamações dirigidas ao instituto e à Universidade — que não são novidade — revelam mais uma vez desconhecimento da realidade e intolerância à diversidade de pensamento, em uma área do conhecimento tão rica quanto a Economia ou as Ciências Humanas em geral. Prestam-se muito mais aos acalorados (e pouco iluminados) atritos em redes sociais, que tanto mal causam à convivência social no Brasil e no mundo atualmente. No debate acadêmico, a desqualificação costuma ser sintoma de falta de argumentos melhores.

Orgulhamo-nos da contribuição de vários economistas e outros docentes da Unicamp ao país, em diferentes etapas e diferentes governos, e da orientação geral das reflexões desenvolvidas nesta Universidade, que não se limitam aos cânones do pensamento convencional e sempre estiveram preocupadas com o desenvolvimento do Brasil. Neste rumo, sempre houve e há espaço para divergências, opiniões e atuações pessoais.

Por fim, desejamos a Márcio Pochmann sucesso e excelente gestão à frente do IBGE, instituição com credibilidade e história, fundamental para o conhecimento e a formulação de políticas públicas.

Campinas, 28 de julho de 2023

 

Fonte: UOL/Página do autor/UFRG/Unicamp

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