O presidencialismo agoniza no País
O presidencialismo no Brasil é como o samba de
Nélson Sargento intitulado Agoniza, mas não morre. Seus primeiros versos dizem:
“Samba agoniza, mas não morre/ alguém sempre te socorre/ antes do suspiro
derradeiro”. Há, no entanto, uma diferença: quando o ritmo é socorrido, alguém
o recria melhor. Já o presidencialismo, que tanto se tenta salvar a qualquer
custo, segue ele agonizante¬ — quase morto, e isso se deu, paradoxalmente, já
em sua instauração na Proclamação da República, em 1889. Motivo: nasceu sob a
tutela das Forças Armadas, que, sendo uma instituição, pretendem-se um poder de
Estado. Sem personificar mandatários – poucos dignos, alguns loucos, muitos
corruptos -, o que será aqui abordado é o sistema presidencialista. Nele, o
chefe do governo e o chefe do Estado. Muito poder? Sim, mas teoricamente
relativizado pelo enunciado “checks and balances”, consagrado com o pensador
francês Charles-Louis de Secondat, o barão de Montesquieu, em sua obra O
Espírito das Leis (bom que se diga que tem raízes em Aristóteles e no Segundo
Tratado do Governo Civil, de John Locke. Iluminista, portanto).
Para que exista um presidencialismo que não
exorbite em suas funções é necessário, então, que haja freios e contrapesos por
meio de um Congresso igualmente forte, integrado por parlamentares que tenham
os pés firmes em questões programáticas e não somente no pragmatismo – ou, pior
ainda, no oportunismo.
Poder Executivo e Poder Legislativo se entrelaçam
no presidencialismo, ponto elementar da ciência política. Tal entrelaçamento
pode “dar bom” ou pode “dar ruim”. No Brasil ficamos com a segunda alternativa,
sobretudo após o deputado federal Roberto Cardoso Alves ter dito a frase
atribuída a São Francisco de Assis, que “é dando que se recebe”.
Falou isso no momento em que se redigia a
Constituição da redemocratização, em 1987, forneceu as ferramentas adequadas à
consolidação da esquisitice denominada Centrão, que engendrou outra esquisitice
batizada de presidencialismo de coalizão – Lula, por exemplo, está fazendo um
bom governo, deu passos certos na área econômica e social, mas teve de
contemplar o Centrão em seus vis desejos. E a começar por seu líder, deputado
Arthur Lira, hoje há pares que falam em semipresidencialismo e presidencialismo
participativo. Dourados eufemismos para overdose de fisiologismo.
Assim escreve o pesquisador Nic Cheeseman, da
Universidade de Oxford, no Reino Unido: “O presidencialismo (…) precisa
garantir uma base de apoio no Congresso que lhe assegure condição de governar
(…). Essa é uma das principais características do chamado presidencialismo de
coalizão”.
Tal base de apoio não significa, porém, deixar tudo
em mãos do mascate Centrão. Para o acadêmico britânico, o Brasil é um país que
“depende muito de coalizões”. Dado o diagnóstico, conto a doença e a sequela.
Para tanto, atravessemos a Praça dos Três Poderes:
o sistema presidencialista é moribundo porque muitos parlamentares são
fisiológicos, e muitos parlamentares são fisiológicos porque a maioria dos
partidos políticos são oportunistas – o resultado é o alijamento popular do
núcleo de decisões.
Apesar de a metodologia marxista ser execrável e
especiosa, registremos O 18 Brumário de Luís Bonaparte: “Os homens fazem a sua
própria história (…) sob as condições com que se defrontam (…), legadas e
transmitidas pelo passado”.
Ou seja: se o presidencialismo está caído doente no
Brasil é porque se enfraqueceu desde a Proclamação da República, que se
traduziu em quartelada, é porque todos desprezam o princípio de checks and
balances, é porque Legislativo e Executivo se entrelaçam não como
fiscalizadores um do outro, mas, isso sim, para operarem interesses.
A alternativa ao presidencialismo é o
parlamentarismo, que se distingue pelo fato de o chefe do governo não ser o
chefe do Estado. Nesse caso, o Parlamento ganha força e divide a
responsabilidade de gestão com o primeiro-ministro.
É imprescindível um Congresso com programas claros,
assim como deveria ser – mas não é – no presidencialismo. O Brasil teve duas
experiências parlamentaristas. A primeira deu-se no Império, entre 1847 e 1889,
e a Proclamação da República a dissipou.
O marechal Deodoro da Fonseca desejou ser
presidente por vaidade e os parlamentares o quiseram como tal para negociar
cargos, condecorações e obter verbas — já naquela época havia um Centrinho.
A segunda experiência parlamentar foi entre 1961 e
1963. Para aceitarem João Goulart na Presidência após a renúncia de Jânio
Quadros, os militares (sempre eles!) forçaram a Câmara a implantar o
parlamentarismo — Tancredo Neves tornou-se premiê.
Em 1963 um plebiscito perguntou à população: deseja
que o parlamentarismo continue? O “não” venceu com 59.109.265 votos contra
33.333.045. Trinta anos depois essa opção pelo presidencialismo foi ratificada
em novo plebiscito.
E cá estamos nós. É certo que sem base parlamentar
não há presidente que governe, mas também é fato que tal base não implica
cuidar somente do próprio umbigo, como geralmente ocorre. É isso que faz do presidencialismo
de coalizão um presidencialismo de colisão com os valores republicanos e a
soberania popular.
Padilha
quer PL de Bolsonaro em cargos nos estados e comemora relação com Lira e
Pacheco
Responsável pela articulação política do governo, o
ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) avalia que o
Planalto saiu vitorioso nos seis primeiros meses na relação com os presidentes
da Câmara e do Senado. Ele diz que agora é preciso aprimorar a base de apoio no
Congresso, até então volátil.
Segundo ele, o presidente Lula (PT) pretende
consolidar a entrada no governo de PP e Republicanos e definir os espaços que
eles vão ocupar no ministério. Em entrevista à Folha, Padilha acena ainda para
a entrada de setores do PL --partido de Jair Bolsonaro-- em cargos de segundo
escalão e nos estados.
Padilha rechaça que essas negociações por cargos
sejam "toma lá, dá cá" e também afirma ser legítimo que parlamentares
possam influenciar no destino de emendas e outras verbas do governo.
LEIA A ENTREVISTA:
• Qual
a sua avaliação sobre a articulação no primeiro semestre?
ALEXANDRE PADILHA - Nós conseguimos aprovar todas
as cinco prioridades. São como as cinco pontas da estrela do PT. A primeira era
conseguir garantir presidentes da Câmara e do Senado que se comprometeram e
foram decisivos para estancar o golpe de 8 de janeiro. Conseguimos reestruturar
dezenas de medidas provisórias feitas pelo Bolsonaro para que não gerassem
pauta-bomba nem perpetuar lógicas terraplanistas do governo anterior. A terceira
prioridade foi reorganizar o Orçamento com a PEC da Transição. A quarta ponta
foi recriar os programas sociais. A quinta foi aprovar o marco fiscal e a
reforma tributária.
* E qual a previsão para o segundo semestre?
A. P. - Concluir o que resta da Reforma Tributária.
Estou otimista que vamos até o final do ano ter concluído, nas duas Casas, pelo
menos a parte constitucional da Reforma Tributária. Também temos que consolidar
a presença da frente política dentro do governo, saudando a possibilidade de parlamentares
que representam bancadas de partidos que tiveram compromisso conosco para que
eles possam participar do governo.
* Isso inclui o PP e Republicanos?
A. P. - Sim. As bancadas desses partidos
ofereceram, indicaram diretamente a mim e ao presidente Lula, a possibilidade
de terem parlamentares compondo o governo, o primeiro escalão. Mas estou
falando também de outros partidos, de outras bancadas que não necessariamente
oferecem parlamentares no sentido de compor o primeiro escalão, mas que têm
disposição, seja nos estados, seja em outros espaços, de compor o governo.
Temos toda a intenção de ter essas bancadas junto conosco.
* O senhor se refere ao PL?
A. P. - No caso do PL, nós temos um conjunto de
parlamentares que, até por afinidade nos seus estados, por posicionamento de
não passar pano para os atos terroristas no dia 8 de janeiro, por ter votado
tanto a Reforma Tributária quanto o marco fiscal e a retomada dos programas
sociais. E temos todo o interesse em interagir, sobretudo nos estados, com a participação
deles no governo.
* Essas negociações podem ser consideradas como um
'toma lá, dá cá'?
A. P. - Eu vejo como uma consolidação de uma frente
política que já se expressou desde a PEC da Transição. Não tinha nem governo,
não tinha nem cargo, não tinha nem ministério e essas forças políticas já
contribuíram. Depois, esse grupo foi decisivo e firme no dia 8 de janeiro.
* O governo recebeu críticas de parlamentares e
também teve derrotas no Congresso, como a instalação da CPI do MST e a nos
decretos de saneamento. E agora trocas no ministério com menos de oito meses.
Houve falha na articulação política?
A. P. - É muito raro um time ser campeão invicto no
campeonato. É uma situação excepcional. Num campeonato você ganha, você empata,
você perde dentro de casa, você perde fora de casa, mas você não pode perder a
final. No segundo semestre, vamos buscar aprimorar.
* Isso é um aprimoramento ou é uma necessidade para
ter vitórias no Parlamento?
A. P. - É um aprimoramento para consolidar essa
frente.
* Legendas como MDB, União Brasil e PSD já
receberam 3 ministérios cada. O governo errou na escolha e na distribuição dos
ministérios?
A. P. - A composição na largada foi adequada para
aquele momento político e nos ajudou a ganhar essa etapa do campeonato.
* Vai ser um ministério para o PP e um para o
Republicanos?
A. P. - Não está definido isso. Essas duas bancadas
indicaram um deputado cada. Essas definições vão se configurar a partir do
retorno do mundo político a Brasília, a partir de agosto. O que tem certo é a disposição
do presidente de incorporar essas duas forças políticas que representam
bancadas da Câmara.
* Os indicados foram Silvio Costa Filho
(Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA)? Há objeções a eles no governo?
A. P. - Não. Nenhuma objeção por parte do governo,
do presidente Lula, a esses nomes.
* Qual é o número da base?
A. P. - Nossa relação [com o Congresso] não é [de]
contar gado. Nossa relação é o encontro de agenda política de temas
prioritários e de aprovação. Tem coisa que a gente precisa de mais de 308 votos
para aprovar e a gente vai construir essa base, como nós fizemos nesse primeiro
semestre.
* Quais ministérios estão realmente blindados?
A. P. - O presidente já falou de algumas situações
específicas que são ministérios que não foram compostos por forças políticas
partidárias. Ele citou o exemplo da Saúde. Mas não tem nenhuma definição do
presidente sobre a reorganização, quais ministérios ele pretende discutir.
* Na reforma, pode haver redução no número de
mulheres, que na verdade já não é tão alto.
A. P. - Pelo contrário, o esforço do presidente
Lula tem sido sempre de ampliar a presença e a participação de mulheres no
governo e vai continuar sendo isso.
* Qual é a chance de PP ou Republicanos assumir o
Ministério do Desenvolvimento Social?
A. P. - Não tem esse debate ainda, só deve começar
a partir de agosto, quando Lula se reunir com as lideranças partidárias. O que
ele deixou muito claro, mais de uma vez, é que é um ministério que faz parte do
coração do governo.
* Quando candidato, Lula criticava o poder
excessivo do Arthur Lira, mas o que a gente vê ainda é uma dependência grande
dele. Por que não conseguiram mudar isso?
A. P. - Com essa relação que nós temos tanto com o
presidente Lira, quanto com o presidente Pacheco, nós aprovamos aquilo que era
necessário aprovar para o país. Fomos vitoriosos nesse primeiro semestre.
Construindo uma nova relação, de diálogo, às vezes de mediações, conseguindo
aprovar aquilo que era prioritário para nós.
* Lira ainda exerce muita influência sobre as emendas,
apesar de as emendas de relator não existirem mais. Na prática, ele mantém o
controle sobre as emendas que passaram para recursos de ministérios, as
chamadas verbas extras?
A. P. - Não, pelo contrário, houve uma mudança
profunda em relação a isso. Você teve um aumento das emendas impositivas, com
um calendário pré-definido. Às vezes você pode ter uma coincidência de uma
votação acontecer naquela semana onde estava programado o empenho para
determinada emenda.
Agora, até porque eu sou deputado eleito, sei o
quanto que muitas vezes o parlamentar conhece uma realidade local, um tema, às
vezes melhor do que um técnico de um determinado ministério. É um governo [que]
a gente orienta sim os ministérios, que estejam abertos a ouvir propostas, a
receber proposta dos parlamentares, de presidentes de comissão.
* Sobre o que era emenda de relator e virou
recursos dos ministérios, o governo pretende divulgar os beneficiários?
A. P. - Você está falando de uma coisa que não é
emenda. Agora, os ministérios sempre têm que perseguir como melhorar a
transparência.
* O Planalto deve apoiar algum candidato na
sucessão de Lira e Pacheco?
A. P. - Nem o presidente Arthur Lira nem quem
pretende vir a ser presidente da Câmara querem antecipar essa discussão. Não é
o Planalto que vai antecipar nem interferir nessa discussão. Nós, em nenhum
momento, cometeremos erros que outros governos já cometeram de entrar numa
discussão que é uma construção feita pela Casa. É o mesmo debate para o Senado.
Fonte: IstoÉ/FolhaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário