O mistério de 80 anos que cerca assassinato de freiras por nazistas na
2ª Guerra Mundial
"O modo como elas morreram é obviamente uma
parte importante desta história. Mas, para mim, elas eram apenas mulheres
comuns, freiras comuns, que fizeram algo extraordinário. Isso é o que as torna
especiais."
Oitenta anos atrás, em 1º de agosto de 1943, as
forças nazistas alemãs assassinaram 11 freiras católicas romanas.
A irmã Klara Volchek frequentemente visita o local
do enterro da 'Bem-aventurada Maria Stella e suas Dez Companheiras', mais
conhecidos como as 'mártires de Nowogródek (também chamada de Novogorodok,
Novogrudok ou Navahrudak)'.
"As freiras ajudaram a salvar 120 pessoas da
morte, mas foram forçadas a ir para campos de trabalho", disse a irmã
Klara, em entrevista à BBC por telefone de Belarus, na Europa Oriental.
Em 5 de março de 2000, o papa João Paulo 2º
beatificou as freiras, o primeiro passo antes da santidade.
"Onde essas mulheres encontraram forças para
se entregar em troca da vida dos residentes presos de Nowogródek?",
perguntou ele.
Mas não há evidências claras de que as freiras
foram mortas em troca da libertação de prisioneiros.
• Buscando
os fatos
A história começa em 4 de setembro de 1929, quando
as duas primeiras irmãs da ordem da Sagrada Família de Nazaré chegaram à
pequena cidade de Nowogródek.
Nowogródek mudou de mãos muitas vezes ao longo dos
séculos e foi o lar de cerca de 20 mil pessoas, sob controle polonês, no início
da 2ª Guerra Mundial.
Em setembro de 1939, a cidade foi tomada pelas
forças da União Soviética. As freiras foram forçadas a deixar seu convento e se
mudar para as casas dos paroquianos.
Em 1941, as forças nazistas alemãs tomaram o
território dos soviéticos. As freiras foram encorajadas a retornar ao convento.
Cerca de metade da população da cidade era judia, e os nazistas começaram a
exterminá-los.
O primeiro massacre ocorreu em dezembro de 1941,
onde 5.100 judeus foram mortos. Outros 4.500 foram assassinados em agosto de
1942.
Em 1943, vários grupos "partisans"
(guerrilheiros judeus) estavam ativos na área. A Gestapo, a polícia secreta dos
nazistas, prendeu 180 pessoas de 17 a 19 de julho para tentar acabar com essa
resistência. Logo, espalharam-se rumores de que todos os presos seriam
executados.
• Relato
de um padre
O reverendo Alexander Zienkiewicz era o único padre
católico que restava em Nowogródek até então.
A congregação das freiras era composta por 12
freiras, sendo a irmã Mary Stella, de 55 anos, a mais velha, e a irmã Mary Boromea,
de 27 anos, a mais nova.
Padre Zienkiewicz registrou como 'Madre Stella'
reagiu à prisão.
"Ela disse com sua simplicidade
característica: "Oh, Deus, se o sacrifício da vida for necessário,
aceite-o de nós que estamos livres de obrigações familiares e poupe aqueles que
têm esposas e filhos sob seus cuidados. Até rezamos por isso", escreveu,
com o seu testemunho posteriormente publicado pela ordem religiosa das freiras.
"Não existem registros identificando as
pessoas ou os meios usados pela Divina Providência para interferir nos planos
feitos para a execução dos presos", acrescentou.
Uma semana depois, as freiras foram convocadas à
delegacia.
Padre Zienkiewicz conheceu Irmã Stella em 31 de
julho. Ele detectou "ansiedade e apreensão" nela, naquele que acabou
sendo seu último encontro.
A irmã Stella disse a ele que esperava que elas
fossem enviadas para a Alemanha para trabalhos forçados.
Mais tarde, a irmã Stella pediu à irmã Małgorzata
que ficasse para trás enquanto as outras 10 freiras a acompanhavam até a
delegacia.
No dia seguinte, o padre Zienkiewicz celebrou a
missa, mas notou o espaço vazio normalmente ocupado pelas freiras. Ele sentiu
uma "sensação de luto".
Enquanto se preparava para ouvir a confissão,
descobriu que as freiras haviam sido assassinadas naquela manhã, em 1º de
agosto de 1943.
O motivo não estava claro para ele. O padre ouviu
especulações de que se tratava de um caso de identidade trocada, em que a
Gestapo queria matar membros de uma ordem religiosa diferente, suspeitos de
ajudar guerrilheiros soviéticos.
O padre Zienkiewicz então se escondeu. Em março de
1945, depois que os nazistas foram derrotados nesta área, liderou a exumação
dos corpos das freiras e as enterrou novamente perto de sua igreja.
• Evidência
contestada
O relato do padre coincide com a pesquisa de Tamara
Vershitskaya. Ela fundou o Museu da Resistência Judaica em Nowogródek em 1992.
Após aposentar-se, ela continua envolvida na
pesquisa do Holocausto, como ficou conhecido o assassinato em massa de milhões
de judeus, bem como homossexuais, ciganos, Testemunhas de Jeová e outras
minorias durante a 2ª Guerra Mundial, a partir de um programa de extermínio
sistemático implementado pelo partido nazista de Adolf Hitler.
"Pelo que sei, os dois eventos não coincidem.
Eles estavam muito próximos um do outro, mas não parecem estar
relacionados", diz Vershitskaya, em entrevista à BBC de Nowogródek.
Em 2011, ela trabalhou com o Museu Memorial do
Holocausto dos Estados Unidos para conduzir entrevistas em vídeo de testemunhas
oculares e sobreviventes.
"Maria Karavaiska foi a única fonte em
primeira pessoa que me contou a história. Seus dois irmãos estavam entre os
poloneses enviados à Alemanha", diz Vershitskaya.
Maria disse a ela que 112 poloneses foram enviados
para a Alemanha.
Vershitskaya descobriu uma lista escrita em alemão
nos arquivos. Ela continha os nomes de 95 poloneses que acabaram sendo enviados
para a Alemanha, provavelmente em 24 de julho, assinala.
Na entrevista, Maria falou sobre a prisão dos
irmãos.
"Três dos meus irmãos foram presos, mas um
conseguiu escapar", disse ela. "Eles foram acusados de comandar uma
organização partidária clandestina. Os alemães planejavam executá-los. Até as
sepulturas foram cavadas."
Inicialmente, 180 pessoas foram presas pela
Gestapo. As prisões aconteceram na ausência do policial responsável, Wilhelm
Traub. Ele veio de uma família proprietária de terras na Alemanha.
Assim que soube das prisões, ele viajou para a
capital Minsk e implorou a seus superiores que os prisioneiros fossem enviados
para trabalhar em sua fazenda, diz Vershitskaya.
“Maria me contou que Traub falou com seus irmãos em
polonês e pediu que voltassem para casa por uma noite para trazer as coisas
necessárias para a viagem.
"No dia seguinte, todos os presos foram
convidados a ir à estação ferroviária", acrescenta ela.
"É absolutamente verdade que, após a prisão,
as famílias polonesas foram à igreja e pediram ajuda", diz Vershitskaya.
"As freiras oraram. É muito possível que a
freira mais velha tenha dito durante a oração que, se deve haver um sacrifício,
que seja nossas vidas. Acredito que isso pode ser verdade", acrescenta a
pesquisadora.
Mas não há evidências que indiquem que houve
qualquer negociação entre as freiras e os nazistas sobre o destino desses
homens, acrescenta ela.
"Não parece que os motivos da prisão das
freiras estejam relacionados à libertação desse grupo de poloneses", diz
Vershitskaya.
• Um
chamado superior
Todas as pessoas levadas para a Alemanha para
trabalhos forçados sobreviveram à guerra, nota Vershitskaya.
Irmã Amabilis é a responsável da Congregação da
Sagrada Família de Nazaré e compartilhou os documentos da Igreja sobre o
evento.
"Todas as testemunhas da vida das irmãs estão
convencidas de que as irmãs sacrificaram suas vidas guiadas pela fé e pelo amor
a Deus e ao próximo", diz o documento.
Quando pressionada por e-mail sobre a falta de
evidências independentes, a irmã Amabilis diz: "As palavras de sacrifício
foram ditas pelas irmãs e acreditamos que Deus aceitou seu sacrifício".
Enquanto a comunidade religiosa diminui em
Nowogródek, a irmã Klara se mantém firme em sua fé.
"Acredito no sacrifício de nossas irmãs que
salvou os prisioneiros", diz ela.
"Eu sei que a lógica humana pode interpretar
os fatos de maneira diferente, mas o Senhor ouviu e aceitou o sacrifício."
Fonte: Por Swaminathan Natarjan, dp Serviço Mundial
da BBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário