Acúmulo de gordura no fígado acomete um em cada três brasileiros
Maior órgão maciço humano, o fígado é a central
elétrica do corpo. Entre as suas mais de 500 funções, está a importante tarefa
de receber nutrientes do intestino e devolver ao sangue as produções das
células. Glicose e glicogênio, que dão origem à produção de energia necessária
à vida, são um exemplo. A rica vascularização do órgão e o tamanho dele fizeram
com que, nos primórdios da medicina, ele chegasse a ser confundido com o
coração. Tamanha importância também faz do fígado um órgão sensível. Há várias
doenças que o acometem, agudas e crônicas. O álcool é, sim, a principal ameaça.
Causa lesões hepáticas que evoluem para a cirrose e, dessa, para a necessidade
de transplante.
Mas, para quem pensa que esse é o único vilão do
fígado, vai o alerta: é preciso ter atenção com a hepatite e com a doença
hepática gordurosa não alcoólica, principal causadora da esteatose.
Caracterizada pelo acúmulo de gordura no interior das células do fígado, a
esteatose pode ser causada também por hepatites, abuso de álcool e uso de medicamentos.
A maioria dos pacientes tem apenas o acúmulo de gordura nas células, mas até
30% dos casos podem evoluir para esteatoepatite não alcoólica, cirrose e câncer
de fígado.
Pesquisa recente sugere que 30% dos adultos tenham
esteatose, doença hepática mais prevalente em todo o mundo. ;O número é tão
alarmante que a Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) acaba de definir um
consenso nacional sobre a doença. Trata-se de uma epidemia mundial. Precisamos
chamar atenção porque é uma enfermidade silenciosa, que não causa sintomas;,
alerta Edison Roberto Parise, presidente da entidade.
Obesidade visceral, pré-diabetes, diabetes, baixa
do bom colesterol, alta do triglicérides, pressão alta, aumento da
circunferência da cintura e síndrome metabólica podem denunciar o problema.
Segundo o hepatologista e gastroenterologista João Galizzi Filho, testes de
função hepática em exames de sangue são inespecíficos, mas o ultrassom é capaz
de mostrar se existe uma esteatose significativa.
A doença tem causa genética e é agravada pelo
estilo de vida sedentário e pela má alimentação, com a grande ingestão de
carboidratos e gorduras saturadas. Obesidade e diabetes são os principais
fatores associados. Nessas condições, a esteatose pode atingir 70% dos
indivíduos. Ela também é mais frequente em pessoas na faixa dos 40 a 50 anos,
mas vem crescendo entre os adolescentes em função do estilo de vida sedentário
e por causa do abuso de anabolizantes.
Mas, corrigindo as causas, é potencialmente
reversível. ;Precisa modificar hábitos alimentares, perder peso e fazer
atividade física regular e moderada, principalmente as aeróbicas;, ensina
Galizzi. Seguindo essas recomendações, além de reverter a esteatose, o paciente
ganha em qualidade de vida, já que muitos sofrem de apneia do sono, além de
reduzir o risco cardiovascular e o de progressão para o diabetes. Quanto maior
a adesão ao novo comportamento, melhor o resultado na diminuição da gordura
depositada no fígado.
Já em fase avançada da esteatose, precisa-se
recorrer aos sensibilizadores de insulina e aos medicamentos citoprotetores e
antioxidantes. Para os obesos mórbidos, a cirurgia bariátrica é opção. ;De 80%
a 90% da população adulta com obesidade mórbida tem esteatose;, explica Edison
Parise. Casos mais avançados podem exigir transplante.
• União
perigosa
Novos tratamentos estão sendo desenvolvidos no
combate à doença, mas, segundo Parise, apesar de ser um problema sério de saúde
pública, ainda não são destinados recursos financeiros necessários para a
divulgação e os cuidados. Descoberta a esteatose, o presidente da SBH ressalta
a importância de se investir na prevenção do diabetes e das doenças
cardiovasculares. Segundo João Galizzi Filho, diabéticos têm cerca de 65% a 80%
de chances de ter também a esteatose, que pode evoluir para câncer de fígado.
Acúmulo
de gordura no fígado pode inflamar o cérebro, diz estudo
O acúmulo de gordura no fígado pode colocar em
risco a saúde do cérebro, indica um estudo divulgado, ontem, no Journal of
Hepatology. Cientistas britânicos descobriram que a doença hepática gordurosa
não alcoólica (DHGNA), muito ligada ao excesso de peso e ao diabetes, causa a
diminuição de oxigênio no cérebro e inflamação de tecidos do órgão —
complicações que levam ao aparecimento de doenças cerebrais graves.
O efeito foi observado em camundongos, que foram
divididos em dois grupos alimentares. Metade das cobaias seguiu um regime em
que a gordura representava cerca de 10% da ingestão calórica. No outro grupo, a
taxa foi equivalente a 55%, o que se equipara, segundo os autores, a uma dieta
rica em alimentos processados e bebidas açucaradas.
Após 16 semanas, os pesquisadores realizaram uma
série de testes para comparar os efeitos das dietas nos animais, incluindo as
condições do fígado e do cérebro. Constatou-se que todos os camundongos que
consumiram os níveis mais altos de gordura se tornaram obesos e desenvolveram
doença hepática gordurosa não alcoólica, resistência à insulina e disfunção
cerebral.
Além disso, o cérebro desses animais passou a
receber níveis mais baixos de oxigênio. Segundo os autores, isso pode ter
ocorrido por dois fatores: a DHGNA afeta o número e a espessura dos vasos
sanguíneos cerebrais e um cérebro inflamado faz com que algumas células passem
a consumir mais oxigênio. As cobaias que ingeriram mais gordura também estavam
mais ansiosas e apresentavam sinais de depressão.
• Sem
sintomas
Nenhuma dessas complicações foi observada nos
camundongos submetidos à outra dieta. "É muito preocupante ver o efeito
que o acúmulo de gordura no fígado pode ter no cérebro, especialmente porque,
geralmente, isso começa leve e pode existir silenciosamente por muitos anos,
sem que as pessoas saibam que o têm", afirma, em nota, a principal autora
do estudo, Anna Hadjihambi, professora honorária no King's College London.
Na avaliação da cientista, os resultados sinalizam
que reduzir a ingestão de açúcar e gordura tem efeito para além do combate à
obesidade. "Também protege o fígado para manter a saúde do cérebro e
minimizar o risco de desenvolver condições como depressão e demência durante o
envelhecimento", indica. A pesquisa contou com a parceria de profissionais
do Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica e da Universidade de
Poitiers, também na França.
Câncer
de fígado vai além do álcool e diagnóstico tardio dificulta cenário
O terceiro câncer com maior índice de mortalidade
no mundo faz com que exista um consenso entre médicos especialistas: é preciso
que a população o conheça melhor. Apesar dessa doença no fígado ser mais comum
em países da África e do Sudeste Asiático, os casos nacionais trazem uma grande
preocupação por serem diagnosticados tardiamente, quando existem poucas opções
de tratamento.
De acordo com o DATASUS, os diagnósticos em
estágios iniciais do carcinoma hepatocelular - forma mais comum de câncer de
fígado primário - só são feitos em 10% dos casos, sendo que em 62% das vezes
essa identificação da patologia é feita já nos estágios muito avançados. Um dos
fatores de risco para essa doença é a esteatose, a gordura no fígado muito
comum em pacientes alcoólatras e entre quem tem obesidade, diabetes, hepatites
virais ou triglicérides elevados.
>>> O que é?
• Carcinoma
hepatocelular (CHC) é a forma de câncer de fígado responsável por 3/4 dos casos
• Pode
acontecer com um único tumor que se espalha para as outras partes do fígado ou
com múltiplos nódulos cancerígenos
• O
alcoolismo é um dos fatores de risco, mas as hepatites B e C também são sinais
de alerta
O médico hepatologista Rogério Alves alerta para a
importância dos exercícios físicos e dá dica sobre o consumo ideal do álcool:
;Para evitar a gordura alcoólica é necessário seguir o recomendado pela OMS:
dez doses semanais para as mulheres e quinze doses semanais para os homens,
obedecendo sempre duas doses por dia no caso das mulheres ou três no caso dos
homens. É necessário também ficar, ao menos, dois dias na semana sem ingestão
de álcool;, alerta.
Rogério também explica que as cirroses podem levar
ao câncer e que nem sempre elas têm a ver com o álcool. "Quando a gordura
no fígado não é tratada, ela pode evoluir para um quadro de esteato-hepatite,
que pode levar à cirrose. Essa doença se dá pelo acúmulo de lesões no fígado
que foram se cicatrizando, mas não apenas o álcool pode causar lesões. As
hepatites A, B e C, também são fatores de risco quando não tratadas."
>> Dados da CHC no mundo
• 696
mil pessoas já faleceram por conta do carcinoma hepatocelular
• É o
5; câncer mais comum em homens
• 7;
mais comum em mulheres
>> Dados no Brasil
• 26.200
casos foram diagnosticados no SUS nos últimos 5 anos
• 56%
desses casos foram em homens
• 44%
em mulheres
<><><><> Palavra do
especialista - Dr. Roberto Gil é oncologista do INCA - Instituto Nacional de
Câncer - e foi membro fundador do Grupo Brasileiro de Tumores
Gastrointestinais.
• 1.
Como identificar o CHC ainda nos seus sintomas iniciais?
A melhor forma é consultar um médico regularmente,
seja um hepatologista, para aqueles que possuem algum tipo de doença crônica,
como a cirrose, ou um clínico geral. O fígado mesmo doente pode não causar sintomas
e quando demonstra sintomas, a doença já está avançada. Por isso fazer exames
de sangue e imagens periódicos é a melhor forma de detectar precocemente
qualquer doença hepática, principalmente o câncer.
• 2.
Para quem tem fatores de risco do carcinoma hepatocelular, como fazer com que
essas agressões às células hepáticas não evoluam para um câncer?
Além do acompanhamento periódico com o
especialista, é extremamente importante que sigam o tratamento indicado da
forma mais correta possível. Manter boa alimentação, exercícios físicos e não
beber são extremamente importantes. A vacinação da Hepatite B e o tratamento da
Hepatite C, disponíveis no sistema público, são medidas efetivas de diminuição
de doenças hepáticas que podem levar ao câncer.
• 3. As
pesquisas sobre o CHC com a população em geral mostram um grande
desconhecimento da doença. Se o senhor pudesse explicar os principais aspectos
da doença que deveriam ser mais evidentes para os brasileiros, quais
explicaria?
O brasileiro precisa saber de três coisas
fundamentais sobre o câncer de fígado, primeiro que não é só a bebida que pode
causar a doença, uma alimentação rica em gordura e a obesidade levam à
esteatose, que é a gordura no fígado, e ela é tão nociva quanto o álcool.
Segundo, o diagnóstico de hepatite não deve ser ignorado ou escondido. Procurar
um bom especialista em doença do fígado é importante. O controle dessas doenças
pode ser feito de maneira muito mais fácil do que anos atrás podendo evitar ou
diagnosticar precocemente o câncer de fígado. E por último, o alcoolismo não é
motivo de vergonha, trata-se de uma doença que deve ser tratada por
profissionais para vencer o desafio dessa doença.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário