sábado, 5 de abril de 2025

Tarifas de Trump podem levar a recessão econômica global

As tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, poderão desencadear recessão econômica em vários países, segundo a agência de classificação de risco Fitch Ratings. Especialistas preveem inflação acompanhada de queda de crescimento e empregos a nível global, com impactos diferenciados para cada região e efeitos negativos também para a economia americana.

O impacto da guerra comercial de Trump previsto por observadores inclui uma queda entre 0,4% e 0,8% no crescimento global, o aumento de meio ponto percentual na inflação mundial e a perda de 300 mil empregos em países ricos.

"Este é um divisor de águas, não só para a economia dos EUA como para a economia global", diz Olu Sonola, chefe de Pesquisa Econômica para os Estados Unidos da Fitch Ratings. "Você pode jogar fora a maioria das previsões se essa tarifa permanecer ativa por um longo período."

·        Impactos para a América Latina

Um cenário de recessão e inflação nos EUA poderia aumentar o desemprego e reduzir as remessas para a América Latina, afetando as economias da região. 

A América Latina é um relevante importador dos produtos americanos, tendo alcançado 486 milhões de dólares em 2023, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). O aumento da inflação no EUA tende, portanto, a fazer também subirem os preços dos produtos que chegam à região.  

Por sua vez, os consumidores americanos poderão ver aumentar o preço das bananas, importadas em grande quantidade pelos EUA de Guatemala, Equador e Costa Rica, bem como do café, exportado pelo Brasil e pela Colômbia. 

Todos estes países estarão sujeitos a partir de sábado (05/04) à tarifa de 10%, a linha de base aplicada pelo governo americano a todos os seus parceiros comerciais. Outros países dentro e fora da América Latina, entretanto, enfrentam percentuais mais altos, como Guiana (38%), Venezuela (15%), China (34%) e União Europeia (20%).  
Na contramão, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, disse que a região poderia se beneficiar das tarifas. "Produtos agroindustriais e semi-industriais de países fora da América Latina estão se tornando mais caros nos mercados dos EUA, e se pudermos produzir estes produtos mais barato, é hora de exportá-los para lá", ele escreveu no X. 

Já o Brasil começa a mobilizar um arsenal de medidas, com o Palácio do Planalto e o Congresso já trabalhando em pautas de resposta. 

·        Disputa por mercados em China e UE

A economia chinesa se viu diante de um duro golpe, uma vez que a nova tarifa se soma a 20% anteriores, alcançando 54%. A China passa por um momento de queda no consumo interno, obrigada a buscar novos mercados para escoar sua produção. 

Especialistas preveem disputas comerciais com empresas locais dos EUA, o que poderia levar os governos a implementarem restrições ou levar a cabo investigações antidumping. 

Já no caso da União Europeia (UE), a previsão é de que a inflação poderia aumentar em até quatro décimos de ponto percentual, em decorrência da combinação entre novas tarifas e impostos sobre aço, alumínio e automóveis.

Entretanto, as empresas da Europa serão forçadas a reduzir os preços dos produtos que não puderem exportar, o que contribuiria para uma queda nos preços. Além disso, outros países tentarão aumentar suas exportações para a Europa, o que criará ainda mais concorrência e preços mais baixos na zona do euro.

·        Problemas para os EUA

O impacto das tarifas sobre os EUA tende a ser limitado, uma vez que importações e exportações de produtos ocupam lugar secundário na economia em comparação aos serviços. 

Entretanto, a importação de eletrodomésticos, roupas e eletrônicos a preços acessíveis ajudou a elevar o crescimento nos últimos anos, a níveis acima de outras economias desenvolvidas.

Economistas alertam para o aumento dos preços de uma vasta gama de produtos, desde camisetas até vinho ou celulares. Segundo a Fitch Ratings, os preços mais altos pressionarão os salários reais, pesando sobre os gastos do consumidor, enquanto os lucros mais baixos e a incerteza política atuarão como entrave para o investimento empresarial.   

"É provável que o crescimento dos EUA em 2025 seja mais lento do que os 1,7% que havíamos projetado em março, devido às tarifas mais altas do que o previsto", diz uma análise da Fitch. "Esperamos que os efeitos provavelmente superem os benefícios que as empresas dos EUA possam obter com o aumento da proteção contra a concorrência estrangeira."

Algumas grandes empresas já anunciam ajustes, como a montadora Stellantis, que disse que demitiria temporariamente trabalhadores dos EUA e fecharia fábricas no Canadá e no México. Já a General Motors disse que aumentaria a produção em solo americano.

·        Retaliações

A China e a União Europeia disseram que vão retaliar as tarifas impostas por Trump. O presidente da França, Emmanuel Macron, pediu que os vizinhos europeus suspendessem os investimentos nos EUA. 

Pequim anunciou nesta sexta-feira a imposição de tarifas adicionais de 34% sobre as importações oriundas dos Estados Unidos e decidiu também restringir as exportações aos EUA de terras raras, materiais essenciais para a produção de produtos de alta tecnologia, como semicondutores e baterias de veículos elétricos.  

Outros parceiros comerciais, incluindo Coreia do Sul, México e Índia, decidiram se abster enquanto buscam concessões. Tanto os aliados quanto os rivais americanos alertaram sobre um golpe devastador para o comércio global. 

As tarifas "representam claramente um risco significativo para a perspectiva global em um momento de crescimento lento", disse a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, em comunicado. 

"É importante evitar medidas que possam prejudicar ainda mais a economia mundial. Apelamos para os EUA e seus parceiros comerciais a trabalharem de forma construtiva para resolver as tensões comerciais e reduzir a incerteza", acrescentou Georgieva.

¨      Tarifas impostas por Trump são 'maior mudança no comércio global em 100 anos'

O impacto das novas tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados UnidosDonald Trump, na economia mundial vai ser enorme.

Em sua essência, trata-se de uma tarifa básica universal de 10% sobre todas as importações para os EUA, que entra em vigor na noite desta sexta-feira (4/4).

Além disso, dezenas de parceiros comerciais — descritos pela Casa Branca como os "piores infratores", incluindo a União Europeia e a China — vão enfrentar "tarifas recíprocas" mais altas, por terem superávits comerciais.

O impacto do "tarifaço" pode ser medido pelas linhas de um gráfico da receita tarifária dos EUA que vão saltar para níveis nunca vistos em um século — indo além daqueles observados durante o alto protecionismo da década de 1930.

Ou nas quedas nos mercados de ações, especialmente na Ásia.

Mas a verdadeira métrica deste tarifaço vão ser as mudanças significativas nas antigas vias de comércio global.

As tarifas sobre as nações asiáticas são realmente impressionantes. Elas vão desmantelar os modelos de negócios de milhares de empresas, fábricas e, possivelmente, de países inteiros.

Algumas das cadeias de suprimentos criadas pelas maiores empresas do mundo vão ser interrompidas instantaneamente.

O impacto inevitável certamente vai ser conduzi-las para a China.

<><> O que o governo americano quer?

O governo dos EUA parece estar contando com a receita tarifária para lidar com os cortes de impostos planejados.

Como disse um funcionário da Casa Branca, sem rodeios: "Isso não é uma negociação, é uma emergência nacional".

A fórmula americana para as chamadas "tarifas recíprocas" basicamente cobra um país por ter um superávit comercial de mercadorias com os EUA, exportando mais para os EUA do que importa.

E, mesmo que não haja superávit, é aplicada a taxa básica universal de 10%.

Tudo isso revela duas coisas. Primeiro, o objetivo da política é reduzir o déficit comercial dos EUA a zero. Este é um redirecionamento notável dos fluxos de comércio mundial, e explica o foco punitivo específico na Ásia.

Em segundo lugar, é evidente que as negociações bilaterais não fizeram muita diferença ou, talvez, nenhuma diferença.

Os déficits e superávits são uma parte normal de um sistema comercial funcional em que os países se especializam naquilo em que são melhores em fazer.

Os EUA acabaram de forma impressionante com essa lógica.

Mas a mudança no fluxo de produção vai levar anos.

Tarifas destas proporções sobre o leste asiático, especialmente de 30% ou 40%, vão aumentar os preços de roupas, brinquedos e eletrônicos muito mais rápido.

A questão agora é como o resto do mundo vai reagir.

Há oportunidades em potencial para consumidores na Europa, por exemplo: enquanto a maior economia do mundo se volta para dentro, o restante das grandes economias pode optar por integrar o comércio, como de roupas e eletrônicos, em um escopo mais próximo.

Como a queda nas vendas da Tesla pode ilustrar, apenas parte desta história é sobre a reação dos governos. Atualmente, os consumidores também podem retaliar. Pode haver um novo tipo de guerra comercial nas redes sociais.

Europa poderia decidir não continuar comprando as marcas americanas, muitas delas adoradas no mundo todo.

O monopólio no segmento de redes sociais pelas grandes empresas de tecnologia dos EUA pode ser abalado.

E as autoridades americanas talvez precisem aumentar as taxas de juros para combater o inevitável aumento da inflação.

Uma confusa guerra comercial parece inevitável.

¨      Trump e seu impossível retorno ao passado, diz Atílio Boron

O retorno radical ao protecionismo não só é possível como necessário para um império em declínio inegável. Denunciado por analistas críticos, isso foi confirmado por intelectuais do establishment estadunidense, como Zbigniew Brzeziński em um texto de 2012 e, posteriormente, por documentos da Rand Corporation. O declínio — ou dissolução, se preferir — veio acompanhado de fatores internos críticos: crescimento econômico lento, perda de competitividade nos mercados globais e a gigantesca dívida do governo federal. Se em 1980 a relação dívida/PIB dos EUA era de 34,54%, hoje alcança um nível astronômico de 122,55%. A isso soma-se o déficit comercial intratável, que em 2024 atingiu US$ 131,4 bilhões (cerca de 3,5% do PIB), pois os EUA consomem mais do que produzem.

A essa constelação de fatores internos soma-se o desgaste da legitimidade democrática, evidenciado pelo ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e pelos recentes indultos concedidos por Trump a cerca de 1.500 agressores condenados pela Justiça. Em vez de consenso bipartidário, há hoje uma fratura no sistema político, da qual o trumpismo é apenas uma expressão.

O cenário externo também mudou irreversivelmente. O crescimento econômico fenomenal da China e os avanços de outros países do Sul Global (como Índia e nações asiáticas) criaram barreiras às pretensões de Washington. Acostumado a impor as suas condições sem obstáculos, o império vê a sua "era dourada" desaparecer, graças ao fortalecimento tecnológico e econômico do Sul Global. As guerras comerciais, outrora eficazes, agora se voltam contra o agressor.

A isso soma-se o inesperado "retorno" da Rússia como potência global, surpreendendo os ideólogos do excepcionalismo estadunidense. A capacidade militar russa (comprovada na guerra da Ucrânia) e as suas alianças diplomáticas (como os BRICS) inclinaram o equilíbrio geopolítico contra os EUA. O multipolarismo chegou para ficar.

Diante dessas mudanças, alguns conselheiros do império defendem o uso do poder bruto, abandonando a legalidade internacional. Robert Kagan, em artigo pós-11 de setembro, argumentou que os EUA devem agir em um "mundo hobbesiano", onde só a força garante segurança. Robert Cooper, diplomata britânico, ecoou essa visão, sugerindo métodos brutais para lidar com o "resto do mundo" (a "selva"). Vinte anos depois, Josep Borrell, da UE, repetiria a mesma arrogância ao comparar a Europa a um "jardim" e o resto do planeta a uma "selva".

Porém, Samuel P. Huntington já alertara sobre os limites do unilateralismo. Em um mundo hobbesiano, a arrogância dos EUA poderia gerar uma coalizão anti-imperial — incluindo Rússia, China e o Sul Global. Washington, como "xerife solitário", fracassou no Vietnã, Afeganistão e Cuba, e hoje enfrenta um cenário internacional mais complexo.

Trump, em seu desespero, tenta reviver a "era dourada" com diplomacia de canhoneira e guerras comerciais, mas seus esforços são inúteis. Ele abandonou acordos climáticos e organismos internacionais (como a OMS e a UNESCO), mas pouco alcançou no tabuleiro geopolítico. Seu apoio ao genocídio em Gaza e sua incapacidade de encerrar a guerra na Ucrânia mostram a incoerência de seu suposto "pacifismo".

Na América Latina e no Caribe, devemos estar alertas. Como alertaram Fidel e Che, quando os EUA fracassam globalmente, voltam-se para o seu "quintal estratégico". Washington não hesitará em instalar governos fantoches — ou ditaduras — para afastar rivais como China e Rússia. Já aconteceu antes e pode repetir-se.

 

Fonte: DW Brasil/BBC News/Brasil 247

 

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