Tarifas de Trump podem levar a recessão
econômica global
As tarifas impostas pelo
presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, poderão desencadear recessão econômica em
vários países, segundo a agência de classificação de risco Fitch Ratings.
Especialistas preveem inflação acompanhada de queda de crescimento e empregos a
nível global, com impactos diferenciados para cada região e efeitos negativos
também para a economia americana.
O
impacto da guerra comercial de Trump
previsto por observadores inclui uma queda entre 0,4% e 0,8% no crescimento
global, o aumento de meio ponto percentual na inflação mundial e a perda de 300
mil empregos em países ricos.
"Este
é um divisor de águas, não só para a economia dos EUA como para a economia
global", diz Olu Sonola, chefe de Pesquisa Econômica para os Estados
Unidos da Fitch Ratings. "Você pode jogar fora a maioria das previsões se
essa tarifa permanecer ativa por um longo período."
·
Impactos
para a América Latina
Um
cenário de recessão e inflação nos EUA poderia aumentar o desemprego e reduzir
as remessas para a América Latina, afetando as economias da região.
A
América Latina é um relevante importador dos produtos americanos, tendo
alcançado 486 milhões de dólares em 2023, segundo a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal). O aumento da inflação no EUA tende,
portanto, a fazer também subirem os preços dos produtos que chegam à
região.
Por sua
vez, os consumidores americanos poderão ver aumentar o preço das bananas,
importadas em grande quantidade pelos EUA de Guatemala, Equador e Costa Rica,
bem como do café, exportado pelo Brasil e pela Colômbia.
Todos
estes países estarão sujeitos a partir de sábado (05/04) à tarifa de 10%, a
linha de base aplicada pelo governo americano a todos os seus parceiros
comerciais. Outros países dentro e fora da América Latina, entretanto,
enfrentam percentuais mais altos, como Guiana (38%), Venezuela (15%), China (34%) e União Europeia (20%).
Na contramão, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, disse que a região
poderia se beneficiar das tarifas. "Produtos agroindustriais e
semi-industriais de países fora da América Latina estão se tornando mais caros
nos mercados dos EUA, e se pudermos produzir estes produtos mais barato, é hora
de exportá-los para lá", ele escreveu no X.
Já
o Brasil começa a
mobilizar um arsenal de medidas, com o Palácio do Planalto e o Congresso
já trabalhando em pautas de resposta.
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Disputa
por mercados em China e UE
A
economia chinesa se viu diante de um duro golpe, uma vez que a nova tarifa se
soma a 20% anteriores, alcançando 54%. A China passa por um momento de queda no
consumo interno, obrigada a buscar novos mercados para escoar sua
produção.
Especialistas
preveem disputas comerciais com empresas locais dos EUA, o que poderia levar os
governos a implementarem restrições ou levar a cabo investigações
antidumping.
Já no
caso da União Europeia (UE), a previsão é de que a inflação poderia aumentar em
até quatro décimos de ponto percentual, em decorrência da combinação entre
novas tarifas e impostos sobre aço, alumínio e automóveis.
Entretanto,
as empresas da Europa serão forçadas a reduzir os preços dos produtos que não
puderem exportar, o que contribuiria para uma queda nos preços. Além disso,
outros países tentarão aumentar suas exportações para a Europa, o que criará
ainda mais concorrência e preços mais baixos na zona do euro.
·
Problemas
para os EUA
O
impacto das tarifas sobre os EUA tende a ser limitado, uma vez que importações
e exportações de produtos ocupam lugar secundário na economia em comparação aos
serviços.
Entretanto,
a importação de eletrodomésticos, roupas e eletrônicos a preços acessíveis
ajudou a elevar o crescimento nos últimos anos, a níveis acima de outras
economias desenvolvidas.
Economistas
alertam para o aumento dos preços de uma vasta gama de produtos, desde
camisetas até vinho ou celulares. Segundo a Fitch Ratings, os preços mais altos
pressionarão os salários reais, pesando sobre os gastos do consumidor, enquanto
os lucros mais baixos e a incerteza política atuarão como entrave para o
investimento empresarial.
"É
provável que o crescimento dos EUA em 2025 seja mais lento do que os 1,7% que
havíamos projetado em março, devido às tarifas mais altas do que o
previsto", diz uma análise da Fitch. "Esperamos que os efeitos
provavelmente superem os benefícios que as empresas dos EUA possam obter com o
aumento da proteção contra a concorrência estrangeira."
Algumas
grandes empresas já anunciam ajustes, como a montadora Stellantis, que disse
que demitiria temporariamente trabalhadores dos EUA e fecharia fábricas no
Canadá e no México. Já a General Motors disse que aumentaria a produção em solo
americano.
·
Retaliações
A China
e a União Europeia disseram que vão retaliar as tarifas impostas por Trump. O
presidente da França, Emmanuel Macron, pediu que os
vizinhos europeus suspendessem os investimentos nos EUA.
Pequim
anunciou nesta sexta-feira a imposição de tarifas adicionais de 34% sobre as
importações oriundas dos Estados Unidos e decidiu também restringir as
exportações aos EUA de terras raras, materiais essenciais para a produção de
produtos de alta tecnologia, como semicondutores e baterias de veículos
elétricos.
Outros
parceiros comerciais, incluindo Coreia do Sul, México e Índia, decidiram se
abster enquanto buscam concessões. Tanto os aliados quanto os rivais americanos
alertaram sobre um golpe devastador para o comércio global.
As
tarifas "representam claramente um risco significativo para a perspectiva
global em um momento de crescimento lento", disse a diretora-geral do
Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, em comunicado.
"É
importante evitar medidas que possam prejudicar ainda mais a economia mundial.
Apelamos para os EUA e seus parceiros comerciais a trabalharem de forma
construtiva para resolver as tensões comerciais e reduzir a incerteza",
acrescentou Georgieva.
¨
Tarifas impostas por
Trump são 'maior mudança no comércio global em 100 anos'
O
impacto das novas tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na economia mundial vai ser
enorme.
Em sua
essência, trata-se de uma tarifa básica universal de 10% sobre
todas as importações para os EUA, que entra em vigor na noite desta
sexta-feira (4/4).
Além
disso, dezenas de parceiros comerciais — descritos pela Casa Branca como os
"piores infratores", incluindo a União Europeia e a China — vão enfrentar
"tarifas recíprocas" mais altas, por terem superávits comerciais.
O
impacto do "tarifaço" pode ser medido pelas linhas de um gráfico da
receita tarifária dos EUA que vão saltar para níveis nunca vistos em um século
— indo além daqueles observados durante o alto protecionismo da década de 1930.
Ou
nas quedas nos mercados de ações, especialmente
na Ásia.
Mas a
verdadeira métrica deste tarifaço vão ser as mudanças significativas nas
antigas vias de comércio global.
As
tarifas sobre as nações asiáticas são realmente impressionantes. Elas vão
desmantelar os modelos de negócios de milhares de empresas, fábricas e,
possivelmente, de países inteiros.
Algumas
das cadeias de suprimentos criadas pelas maiores empresas do mundo vão ser
interrompidas instantaneamente.
O
impacto inevitável certamente vai ser conduzi-las para a China.
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O que o governo americano quer?
O
governo dos EUA parece estar contando com a receita tarifária para lidar com os
cortes de impostos planejados.
Como
disse um funcionário da Casa Branca, sem rodeios: "Isso não é uma
negociação, é uma emergência nacional".
A
fórmula americana para as chamadas "tarifas recíprocas" basicamente
cobra um país por ter um superávit comercial de mercadorias com os EUA,
exportando mais para os EUA do que importa.
E,
mesmo que não haja superávit, é aplicada a taxa básica universal de 10%.
Tudo
isso revela duas coisas. Primeiro, o objetivo da política é reduzir o déficit
comercial dos EUA a zero. Este é um redirecionamento notável dos fluxos de
comércio mundial, e explica o foco punitivo específico na Ásia.
Em
segundo lugar, é evidente que as negociações bilaterais não fizeram muita
diferença ou, talvez, nenhuma diferença.
Os
déficits e superávits são uma parte normal de um sistema comercial funcional em
que os países se especializam naquilo em que são melhores em fazer.
Os EUA
acabaram de forma impressionante com essa lógica.
Mas a
mudança no fluxo de produção vai levar anos.
Tarifas
destas proporções sobre o leste asiático, especialmente de 30% ou 40%, vão
aumentar os preços de roupas, brinquedos e eletrônicos muito mais rápido.
A
questão agora é como o resto do mundo vai reagir.
Há
oportunidades em potencial para consumidores na Europa, por exemplo: enquanto a
maior economia do mundo se volta para dentro, o restante das grandes economias
pode optar por integrar o comércio, como de roupas e eletrônicos, em um escopo
mais próximo.
Como
a queda nas vendas da Tesla pode ilustrar,
apenas parte desta história é sobre a reação dos governos. Atualmente, os
consumidores também podem retaliar. Pode haver um novo tipo de guerra comercial
nas redes sociais.
A Europa poderia decidir
não continuar comprando as marcas americanas, muitas delas adoradas no mundo
todo.
O
monopólio no segmento de redes sociais pelas grandes empresas de tecnologia dos EUA pode
ser abalado.
E as
autoridades americanas talvez precisem aumentar as taxas de juros para combater
o inevitável aumento da inflação.
Uma
confusa guerra comercial parece inevitável.
¨
Trump e seu impossível retorno ao passado, diz Atílio
Boron
O
retorno radical ao protecionismo não só é possível como necessário para um
império em declínio inegável. Denunciado por analistas críticos, isso foi
confirmado por intelectuais do establishment estadunidense, como Zbigniew
Brzeziński em um texto de 2012 e,
posteriormente, por documentos da Rand Corporation. O declínio — ou dissolução,
se preferir — veio acompanhado de fatores internos críticos: crescimento
econômico lento, perda de competitividade nos mercados globais e a gigantesca
dívida do governo federal. Se em 1980 a relação dívida/PIB dos EUA era de
34,54%, hoje alcança um nível astronômico de 122,55%. A isso soma-se o déficit
comercial intratável, que em 2024 atingiu US$ 131,4 bilhões (cerca de 3,5% do
PIB), pois os EUA consomem mais do que produzem.
A essa
constelação de fatores internos soma-se o desgaste da legitimidade democrática,
evidenciado pelo ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e pelos recentes
indultos concedidos por Trump a cerca de 1.500 agressores condenados pela
Justiça. Em vez de consenso bipartidário, há hoje uma fratura no sistema
político, da qual o trumpismo é apenas uma expressão.
O
cenário externo também mudou irreversivelmente. O crescimento econômico
fenomenal da China e os avanços de outros países do Sul Global (como Índia e
nações asiáticas) criaram barreiras às pretensões de Washington. Acostumado a
impor as suas condições sem obstáculos, o império vê a sua "era
dourada" desaparecer, graças ao fortalecimento tecnológico e econômico do
Sul Global. As guerras comerciais, outrora eficazes, agora se voltam contra o
agressor.
A isso
soma-se o inesperado "retorno" da Rússia como potência global,
surpreendendo os ideólogos do excepcionalismo estadunidense. A capacidade
militar russa (comprovada na guerra da Ucrânia) e as suas alianças diplomáticas
(como os BRICS) inclinaram o equilíbrio geopolítico contra os EUA. O
multipolarismo chegou para ficar.
Diante
dessas mudanças, alguns conselheiros do império defendem o uso do poder bruto,
abandonando a legalidade internacional. Robert Kagan, em artigo pós-11 de
setembro, argumentou que os EUA devem agir em um "mundo hobbesiano",
onde só a força garante segurança. Robert Cooper, diplomata britânico, ecoou
essa visão, sugerindo métodos brutais para lidar com o "resto do
mundo" (a "selva"). Vinte anos depois, Josep Borrell, da UE,
repetiria a mesma arrogância ao comparar a Europa a um "jardim" e o
resto do planeta a uma "selva".
Porém,
Samuel P. Huntington já alertara sobre os limites do unilateralismo. Em um
mundo hobbesiano, a arrogância dos EUA poderia gerar uma coalizão anti-imperial
— incluindo Rússia, China e o Sul Global. Washington, como "xerife
solitário", fracassou no Vietnã, Afeganistão e Cuba, e hoje enfrenta um
cenário internacional mais complexo.
Trump,
em seu desespero, tenta reviver a "era dourada" com diplomacia de
canhoneira e guerras comerciais, mas seus esforços são inúteis. Ele abandonou
acordos climáticos e organismos internacionais (como a OMS e a UNESCO), mas
pouco alcançou no tabuleiro geopolítico. Seu apoio ao genocídio em Gaza e sua
incapacidade de encerrar a guerra na Ucrânia mostram a incoerência de seu
suposto "pacifismo".
Na
América Latina e no Caribe, devemos estar alertas. Como alertaram Fidel e Che,
quando os EUA fracassam globalmente, voltam-se para o seu "quintal
estratégico". Washington não hesitará em instalar governos fantoches — ou
ditaduras — para afastar rivais como China e Rússia. Já aconteceu antes e pode
repetir-se.
Fonte:
DW Brasil/BBC News/Brasil 247
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