segunda-feira, 7 de abril de 2025

Revolução, socialismo e emancipação feminina: 153 anos de Alexandra Kollontai

Há 153 anos, em 31 de março de 1872, nascia a revolucionária marxista e teórica do feminismo Alexandra Kollontai. Ela desempenhou papel fundamental na mobilização dos operários que culminou com a Revolução de Outubro e com a constituição do governo socialista da Rússia.

Primeira mulher da história contemporânea a ocupar um cargo ministerial, Kollontai foi responsável por viabilizar uma série de conquistas que fizeram do governo soviético uma das experiências mais avançadas em relação à promoção da igualdade de gênero e do direito das mulheres.

Kollontai também se destacou como uma das vozes mais influentes do feminismo classista, dando enormes contribuições teóricas em prol da luta pela emancipação feminina — sempre associando a libertação das mulheres à transformação das estruturas socioeconômicas e à superação do capitalismo.

•        Os anos iniciais

Alexandra Mikhailovna Domontovich nasceu em São Petersburgo, em uma família rica de origem ucraniana. Sua mãe, Alexandra Massalina, era filha de camponeses finlandeses que enriqueceram com o comércio de madeira. O pai, Mikhail Domontovich, era general das tropas czaristas e um intelectual com visões políticas liberais, favorável à adoção de um regime constitucional pelo Império Russo.

Educada em casa por tutores particulares, Alexandra herdou do pai o gosto pela leitura e o interesse pela política. Já na adolescência, ela dominava cinco idiomas — russo, finlandês, inglês, alemão e francês. Alexandra pretendia continuar com estudos em uma universidade, mas foi proibida por sua mãe. Massalina acreditava que universidades não eram ambientes adequados para moças e preferia que a filha se preocupasse em arrumar um bom marido.

Por volta de 1890, Alexandra iniciou um relacionamento com seu primo de terceiro grau, Vladimir Kollontai, um oficial do exército de origem humilde. Contrariados pela classe social do rapaz, os pais proibiram o namoro. Em uma tentativa de separar o casal, eles enviaram Alexandra para uma longa viagem à Europa. Desafiando a vontade dos pais, a jovem se casou com Vladimir em 1893. Ela engravidou logo após o casamento e deu à luz o seu único filho, Mikhail.

Desde cedo, Kollontai demonstrou interesse pelas causas sociais e pela luta dos trabalhadores. A princípio, ela se aproximou dos “populistas russos” — os “Narodniks”, intelectuais burgueses inspirados pelo socialismo agrário, que defendiam a criação de comunidade rurais administradas pelo princípio da democracia direta.

Incomodada com o idealismo do grupo, Kollontai se aproximou gradualmente do pensamento marxista e passou a se envolver com a militância operária. Ela se voluntariou a trabalhar como professora em um curso noturno para trabalhadores e também colaborou com a Cruz Vermelha Política — organização que auxiliava presos políticos do regime czarista.

•        A militância no POSDR

Sentindo-se presa em seu relacionamento, Kollontai decidiu se separar do marido em 1898. Ela viajou então para Suíça, onde estudou economia com o professor Heinrich Herkner. Também visitou a Inglaterra, travando contato com líderes do movimento socialista britânico, tais como Sidney e Beatrice Webb.

Os estudos na Europa Ocidental levariam Kollontai a aprofundar sua adesão ao pensamento marxista. Após retornar para São Petersburgo, ela começou a frequentar os círculos da esquerda revolucionária e se filiou ao Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR).

Diante da cisão do partido ocorrida em 1903, Kollontai optou por se manter neutra, não aderindo nem aos bolcheviques (liderados por Lenin) nem aos mencheviques (reunidos em torno de Julius Martov).

Em janeiro de 1905, Kollontai tomou parte da manifestação dos operários que marcharam até o Palácio de Inverno para reivindicar melhores condições de trabalho e salários dignos. A manifestação foi atacada pelas tropas do czar, que abriram fogo contra os trabalhadores, matando milhares de pessoas.

O massacre, que se tornou conhecido como “Domingo Sangrento”, enfureceu a população e serviu de estopim para a Revolução de 1905. Greves e protestos eclodiram por todo o país, pressionando o czar Nicolau II a instituir reformas liberalizantes — incluindo a criação da Duma, o parlamento russo.

Kollontai se engajou ativamente na Revolução de 1905, alinhando-se em grande medida às orientações de Lenin. Não obstante, ela discordaria veementemente do boicote dos bolcheviques às eleições da Duma no ano seguinte. Kollontai aderiu então à fração menchevique, à qual permaneceria ligada até 1915.

•        O feminismo classista

Pioneira do feminismo classista, Kollontai teve papel fundamental na organização política das mulheres na Rússia. Ela defendia que a verdadeira emancipação feminina demandava a superação do capitalismo e da divisão sexual do trabalho. Kollontai, entretanto, não se limitava a incentivar a participação feminina na luta pela transformação da sociedade. Ela buscava incorporar as reivindicações específicas da luta feminina como bandeiras fundamentais da luta revolucionária.

Kollontai aprofundaria suas reflexões sobre o papel da mulher na luta revolucionária a partir de 1908, quando partiu para o exílio na Alemanha. Ela havia se tornado alvo do governo russo desde que publicara o texto “Finlândia e o Socialismo”, conclamando o povo finlandês a lutar contra a opressão do regime czarista.

Em 1910, durante a Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, Kollontai e Clara Zetkin propuseram a criação do Dia Internacional das Mulheres — idealizando a data como uma jornada de luta em prol dos direitos femininos. A primeira celebração oficial ocorreria em 19 de março de 1911, mas a data seria posteriormente fixada em 8 de março, evocando a luta das operárias durante a Revolução Russa.

No ano seguinte, Kollontai publicou “Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina”. Um de seus textos mais importantes, a obra aborda as raízes socioeconômicas da luta das mulheres por igualdade e critica o feminismo liberal por excluir e invisibilizar as demandas das mulheres da classe trabalhadora.

Em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Kollontai deixou a Alemanha, decepcionada com o apoio que os sociais-democratas deram à entrada do país no conflito. Ela passou pela Dinamarca e pela Suécia — onde chegou a ser presa por criticar a guerra — antes de se estabelecer na Noruega.

•        A Revolução de Outubro

Rompida com seu antigo grupo, Kollontai se juntaria definitivamente aos bolcheviques em 1915, convertendo-se em uma das grandes apoiadoras de Lenin. Em 1917, após o início da Revolução de Fevereiro, ela retornaria à Rússia a fim de auxiliar na articulação da insurreição operária.

Kollontai foi a primeira mulher eleita para integrar o comitê executivo do Soviete de Petrogrado. Contrariando a posição majoritária dos bolcheviques, ela aderiu integralmente às “Teses de Abril”, nas quais Lenin propunha a derrubada do governo provisório de Alexander Kerensky, estabelecido após a queda do czar Nicolau II.

Presa por atentar contra o governo provisório durante as Jornadas de Julho, Kollontai seria libertada a tempo de testemunhar o triunfo da Revolução de Outubro e a chegada dos bolcheviques ao poder.

Durante o II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, Kollontai seria eleita para o cargo de Comissária do Povo para o Bem Estar Social, tornando-se a primeira mulher a ocupar um cargo ministerial na história contemporânea. Nessa função, Kollontai ajudou a criar um conjunto de leis e medidas que transformaram a República Soviética da Rússia em uma nação pioneira da promoção dos direitos das mulheres.

•        As conquistas da revolução

Logo após a Revolução de Outubro, o governo soviético editou decretos estabelecendo a igualdade formal e jurídica entre homens e mulheres e instituiu o direito ao divórcio.

Os casamentos religiosos foram substituídos pelo casamento civil e a homossexualidade foi descriminalizada. O policiamento das vestimentas foi abolido e foi criada a licença-maternidade. Em 1920, a Rússia se tornou o primeiro país do mundo a legalizar o aborto.

Kollontai coordenou uma série de programas pautados pelo conceito da “nova mulher”, incentivando as soviéticas a se libertarem da opressão do casamento, da maternidade e do trabalho doméstico. O objetivo era estimular a criação de modelos mais saudáveis e autônomos de núcleo familiar, não subordinados à dependência financeira e à lógica do capital.

Em 1919, Kollontai fundou o Jenotdel — o Departamento de Mulheres do Partido Comunista. O órgão foi responsável por instituir uma série de medidas que visavam melhorar as condições materiais das mulheres, combatendo a dupla jornada e o trabalho doméstico não remunerado através da socialização das tarefas domésticas.

Trabalhos que costumavam ser vistos como obrigações femininas passaram a ser realizados por profissionais assalariados em creches, lavanderias públicas e restaurantes comunitários.

As mulheres foram encorajadas a estudar, trabalhar e ocupar funções tradicionalmente atribuídas aos homens. Também foram incentivadas a participar da vida política do país, votando nas eleições e se candidatando aos cargos eletivos nos sovietes.

As reformas do governo revolucionário ocorreram em paralelo com um dos períodos mais prolíficos da produção intelectual de Kollontai. Datam desse período os textos coligidos na obra “A Nova Mulher e a Moral Sexual”, nos quais Kollontai propõe uma nova ética amorosa, apta a romper com ideia de propriedade e do amor objetificado em favor de uma nova dinâmica de solidariedade, parceria e liberdade — o “amor-camaradagem”, isento de relações de posse e baseado em vínculos afetivos verdadeiramente livres.

•        A Oposição Operária e carreira diplomática

Apesar de todas as conquistas da Revolução de Outubro, Kollontai manteve-se bastante crítica em relação aos rumos do governo soviético, frequentemente repreendendo a burocratização do Estado e reivindicando mais autonomia para os trabalhadores.

Em 1921, Kollontai se juntou à Oposição Operária — uma corrente do Partido Comunista que defendia o controle dos trabalhadores sindicalizados sobre as fábricas e sobre a gestão da economia do país.

Kollontai criticou severamente a Nova Política Econômica implementada por Lenin, afirmando que as medidas adotadas levariam ao ressurgimento da exploração capitalista. Ela também assinou a “Carta dos 22”, referendando as denúncias dos militantes sobre atitudes antidemocráticas dos dirigentes soviéticos.

A postura crítica de Kollontai causou seu isolamento no Partido Comunista. O governo soviético passou a enviá-la para missões diplomáticas, visando afastá-la das discussões políticas internas.

Kollontai foi a primeira mulher a exercer o cargo de embaixadora. Ela serviu na Noruega, no México, na Suécia e representou a União Soviética na Liga das Nações. Kollontai foi muito elogiada por seus esforços diplomáticos para tentar obter a paz e assegurar a neutralidade da Suécia durante a Guerra de Inverno — o que lhe valeu uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz.

Durante todo o governo de Stalin, Kollontai viveria em uma espécie de exílio dissimulado. Ela abandonou a postura combativa que mantinha nos tempos de Lenin e manifestou concordância mesmo diante de alguns retrocessos nas reformas que ajudou a implementar após a Revolução de Outubro.

Alexandra Kollontai faleceu em Moscou em 9 de março de 1952, aos 79 anos. Além das conquistas materiais que ajudou a viabilizar durante o período revolucionário, ela deixou um legado teórico de enorme importância para feminismo classista e marxista. Suas obras fomentam a reflexão sobre o papel da mulher na sociedade, analisam temas como a família, a maternidade, o amor livre e a sexualidade e apontam caminhos para a construção da legítima emancipação feminina.

 

Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi

 

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