segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

'Brigue com os políticos, não com seus pais', diz psicoterapeuta

Em uma manhã quente em São Paulo, a psicoterapeuta inglesa Philippa Perry sobe em um palco onde tem um divã amarelo, levando consigo um pequeno caderno Moleskine.

As anotações a ajudam "a lembrar" dos principais pontos que abordará nesta apresentação feita no fim de novembro para uma plateia lotada de homens e mulheres.

Eles pagaram até R$ 440 para assistir a uma palestra de cerca de uma hora cujo nome é "a palestra que você gostaria que seus pais tivessem assistido", uma espécie de edição ao vivo da sua mais recente obra, "O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido" (Fontanar).

Enquanto simulava estar empurrando uma criança em um balanço, Philippa dizia: "Seja honesto com seus filhos. Se você está cansado e quer ir embora do parque depois de muito balançar, não diga que precisam ir porque a criança tem que comer", afirmou.

"Certamente, ele dirá que não está com fome. Diga que vão embora porque você está cansado."

Perry defende uma relação com as crianças à mesma altura. Literalmente. "Olhem para o filho de vocês", disse ela, ajoelhada, fingindo manter a mesma altura de uma criança. "Você está com raiva, não é? Eu entendo, pode ficar bravo", encena no palco.

"Deem nome para o que eles estão sentindo", dizia, olhando para a plateia, enquanto ainda estava de joelhos.

Para ela, os limites devem ser impostos a partir dos pais e não o contrário. "Se vocês querem estar às nove da noite deitados no sofá tomando um vinho, coloquem seus filhos para dormir às oito", afirmou.

"Se o seu limite for às nove horas, não espere chegar nele. Mande as crianças para cama antes disso."

As mais de duas décadas de carreira e os livros que publicou fizeram de Perry uma espécie de conselheira da vida moderna.

Hoje ela é apresentadora, escritora e embaixadora da The School of Life, organização que se dedica a desenvolver inteligência emocional, por onde ela publicou um de seus livros — Como manter a mente sã (Objetiva).

Além disso, ela mantém uma coluna no jornal The Guardian, em que se dedica a responder sobre dúvidas existenciais. As mais frequentes?

"Eu estou certo e eles estão errados", responde ela, com uma voz irritante. "Como posso garantir que as outras pessoas saibam que estão erradas e venham para o lado certo?", exemplificou genericamente sobre o que recebe de perguntas.

"O que eu mais vejo são questões relacionadas a ser rígido em seu ponto de vista e querer mudar os outros sem pensar que, talvez, você precise mudar a si mesmo", explica.

Questões amorosas também aparecem muito, conta ela, em uma conversa com a BBC News Brasil após a palestra.

Já sobre filhos, ela conta que, muitas vezes, as questões revelam que não há nada de errado com a criança.

"Se você acha que seu filho tem um problema, olhe para o seu relacionamento com ele. É lá que você encontrará a resposta", diz.

"Talvez seja um pai que não está se adaptando a uma criança que é super sensível", afirma.

"Acho que os pais precisam estar cientes de que crianças diferentes têm sensibilidades diferentes. Por isso, o que funcionou para o filho número um, pode não servir para o filho número dois. Você tem que se adaptar a cada criança."

🌍'Vocês estão destruindo o planeta'

Perry conta que, de maneira geral, recebe cartas "desesperadamente tristes", de famílias que se desestruturaram, crianças afastadas, brigas e uma "sensação de solidão desesperadora".

"Mas, no último domingo, recebi uma muito boa. Era de uma mulher em desespero devido às mudanças climáticas."

Os conselhos, neste caso, são práticos. E a psicoterapeuta lista muitos.

"Talvez devêssemos desligar o ar-condicionado. Seria um bom começo", diz Perry.

"Não adianta ter medo das mudanças climáticas se você não desliga o ar-condicionado. Na Inglaterra, não temos ar-condicionado, e o verão está ficando bastante quente", prossegue.

"Sabe o que fazemos? Abrimos uma janela aqui e outra lá", diz, apontado para lados opostos da sala. "Aqui [no Brasil], você precisa usar um cardigã, porque faz frio."

Perry conversou com a BBC News Brasil em uma sala dentro de um shopping, onde ocorreu a palestra.

Era uma sala sem janelas, com luzes acesas e o ar-condicionado em temperatura baixa o suficiente para que ela, de fato, usasse um cardigã enquanto lá fora os termômetros ultrapassavam os 30 graus.

"No hotel onde estou, eu desligo o ar-condicionado ao sair, e, quando volto, a camareira o ligou de novo e ajustou para 17 graus. E eu penso: 'Vocês estão destruindo o planeta!'"

Seu incômodo com a cultura brasileira do ar-condicionado ficou evidente, porque ela seguiu falando: "Na Grã-Bretanha, parece que somos um pouco mais conscientes em relação ao uso de energia. Aqui, é como se...".

"Talvez vocês pensem: 'Temos a floresta tropical, o resto do mundo que se dane.' Mas, por favor, aumentem a temperatura do ar-condicionado. Abram as janelas, parem de fechar tudo com essas cortinas que bloqueiam a luz do dia", afirma.

"E, meu Deus, que cultura dos carros. Não vi uma bicicleta desde que cheguei aqui. Desculpe, mas não vi nenhuma bicicleta."

🎅'Um bom assunto tabu'

Mas, além da ecoansiedade, a ansiedade com o fim do ano e as festas e encontros de família também afligem nessa época.

A "síndrome do fim do ano", ou "dezembrite", são conceitos que não existem na psicologia, mas, na prática, afetam muita gente.

Para tentar amenizar, Perry dá apenas um único conselho: "Por favor, não fale com seus pais sobre política no Natal."

"Você não vai mudar a opinião de ninguém. Porque essas são decisões emocionais", diz.

"E muitas vezes votamos diferente dos nossos pais porque queremos nos diferenciar deles, nos separar deles. Então, isso também é uma razão emocional, mesmo que possamos justificá-la com fatos."

Para ela, "basta tratar isso como um bom assunto tabu, sobre o qual vocês nem mesmo concordam em discordar".

"Brigue com os políticos, não com os seus pais. Torne-se um político. Defenda o que você acredita, faça campanha pelo que você acredita. Apenas deixe seus pais fora disso."

A psicoterapeuta aposta na maturidade para que as relações entre pais e filhos — especialmente em tempos de polarização — sejam mais amigáveis. E explica que isso tem fundamento na ciência.

"Quando somos adolescentes, somos muito apaixonados, o cérebro está funcionando com muita intensidade. Mas, à medida que você envelhece, vai ficando mais razoável", diz.

"Com 25 anos seu cérebro já não é a mesma explosão, por isso você é muito mais razoável e menos propenso a explodir. Isso é um fator quando se trata dessas conversas. Então, cresça e não ache que todo mundo precisa pensar como você."

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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