A radical teoria
pós-quântica, que tenta responder o que Einstein não conseguiu
"Uma nova moda
surgiu na Física",
queixou-se Albert Einstein no início da
década de 1930.
Essa "moda" era nada
menos que a física ou a
mecânica quântica.
A sua mera existência colocou em perigo a teoria da relatividade geral, a maior
criação de Einstein, publicada em 1915.
"Se isso tudo
for verdade, então significa o fim da Física", chegou a dizer o famoso
cientista.
O ponto aqui é que
a física quântica e a relatividade geral são
incompatíveis.
Quase 100 anos se
passaram e nenhuma das duas teorias cancelou a outra. Na verdade, ambas formam
os pilares de todos os avanços da Física moderna.
A física quântica
provou repetidamente ser a melhor explicação do comportamento das menores
partículas do universo, como elétrons, glúons e quarks que constituem os
átomos.
Por sua vez, a
relatividade geral, que é a moderna teoria da gravidade, provou ser a melhor
descrição de tudo o que acontece em grande escala, desde o funcionamento
do Sistema Solar e dos buracos
negros até a origem do universo.
No entanto, elas
permanecem contraditórias entre si. Ou seja, as regras da relatividade geral
funcionam perfeitamente para as galáxias, bem como para
tudo o que nos rodeia e é visível: uma árvore, um gato, uma pérola...
Porém, assim que
analisamos o comportamento de algo tão pequeno como um átomo, tudo muda.
Os pesquisadores
não conseguem nem usar a mesma Matemática para explicar
uma teoria e outra.
De alguma forma, a
natureza consegue fazer com que os dois sistemas coexistam — mas a Ciência ainda não fez
o mesmo.
Para muitos, esta
incompatibilidade é a maior questão sem resposta da Física.
Einstein e milhares
de outros pesquisadores em todo o mundo procuraram criar uma teoria que unisse
a física quântica e a relatividade geral.
É o que muitos
chamam de "teoria de tudo", um nome tão atraente que virou título do
premiado filme biográfico de Stephen Hawking, um dos renomados cientistas que
tentaram — também sem sucesso — encontrar o "Santo Graal" da Física.
Agora, uma nova
teoria propõe uma virada radical nesta charada secular.
Seu nome, porém, é
menos mercadológico: ela é chamada de teoria pós-quântica da gravidade clássica
e é liderada pelo físico Jonathan Oppenheim, do Instituto de Ciência e
Tecnologia Quântica da Universidade College London (UCL), no Reino Unido.
Trata-se de algo
tão revolucionário que mesmo alguns dos seus detratores reconhecem que essa é a
primeira abordagem verdadeiramente original a surgir em pelo menos uma década.
·
A
quarta força fundamental
Embora possa
parecer contraditório, um dos aspectos mais inovadores da teoria de Oppenheim é
o termo "clássico" em seu nome.
Até agora, a
abordagem predominante para resolver a incompatibilidade entre a física
quântica e a relatividade geral envolve modificar o último sistema para
ajustá-lo ao primeiro.
É o que os físicos
chamam de "quantização", porque no final ela se converte numa teoria
quântica.
"Quantizar"
a relatividade geral faz ainda mais sentido se pensarmos que é algo que os
cientistas já conseguiram fazer com as outras três forças fundamentais que
governam o universo: a força nuclear fraca, a força nuclear forte e a força
eletromagnética.
Mas eles
simplesmente não conseguiram fazer o mesmo com a gravidade — e não foi por
falta de tentativa.
"É um problema
matemático muito difícil", contextualiza Oppenheim à BBC News Mundo, o
serviço em espanhol da BBC.
"Mas também é
conceitualmente complicado, porque essas duas teorias têm diferenças tão
fundamentais que é muito difícil conciliá-las."
Ele explica:
"Quase todas as tentativas assumiram que devemos 'quantizar' a gravidade.
A minha sensação sobre a razão pela qual essa tarefa tem sido tão difícil é que
talvez não seja possível e que apontamos para a coisa errada."
Por isso, o
pesquisador e a equipe dele decidiram mudar o foco e "modificar um pouco,
ou muito, a teoria quântica, para que esses dois sistemas possam se
encaixar".
Na nova teoria,
publicada em dezembro de 2023 nas revistas Nature Communications e Physical
Review X, a relatividade geral continua a ser uma teoria não quântica, ou
clássica.
A física Sabine
Hossenfelder, do Centro de Filosofia Matemática de Munique, na Alemanha, que
não fez parte da pesquisa da UCL, diz à BBC News Mundo que a ideia de Oppenheim
"é muito legal".
"É muito raro
neste campo ver nascer uma nova ideia", observa a especialista.
Hossenfelder fez
parte de um comitê que revisou a teoria há seis anos e, embora a achasse
interessante, considerou que ela era "muito especulativa, imatura e
vaga".
"Tinha tantas
pontas soltas que parecia que poderia falhar completamente, por isso fiquei
muito impressionada quando vi o que saiu vários anos depois, porque abordava
quase todos esses pontos levantados", diz ela, que esclarece com um
sorriso "sempre ter algo a comentar e a observar".
·
Dois
conceitos básicos e um 'inaceitável'
Antes de seguir a
explicação sobre a teoria de Oppenheim, é importante compreender o conceito
básico da relatividade geral e uma das características da física quântica que
mais perturbou Einstein.
O que Einstein fez
para revolucionar a Ciência em 1915 foi definir a gravidade como "uma
deformação do espaço-tempo".
A maneira mais
fácil de compreender esse conceito é pensar em um trampolim onde colocamos uma
bola pesada — por exemplo, uma bola de bilhar.
Quando uma coisa
dessas acontece, o tecido afunda no local onde a bola está.
Agora, imagine
jogar nesse mesmo trampolim uma bola mais leve (uma bola de gude), e tentar
fazê-la girar na borda da curvatura do tecido relacionada ao peso da bola mais
pesada.
O que acontece é
que a bola de gude vai se mover em círculos cada vez menores, aproximando-se da
bola de bilhar.
Segundo a teoria da
relatividade geral, isso não acontece porque a bola de bilhar exerce sobre a
bola de gude uma força de atração invisível, mas porque o formato do tecido —
ou melhor, a sua deformação — a obriga a fazer essa curvatura.
Na teoria de
Einstein, o espaço-tempo faz a mesma coisa de forma quadridimensional — de modo
que a Terra gire em torno do Sol, por exemplo.
Oppenheim explica
que, na teoria pós-quântica da gravidade clássica "o espaço-tempo se
mantém como aquele tecido em que vivem as partículas quânticas, tal como
Einstein concebeu".
O que muda é que o
espaço-tempo incorpora o acaso da física quântica, característica que deu
origem a uma das frases mais famosas de Einstein: "Deus não joga
dados."
Einstein acreditava
que faltava informação na "moda" da física quântica, mas o que
décadas de estudos têm mostrado é que a aleatoriedade não se deve a um erro na
teoria ou a uma falha nas medições, mas a uma característica inerente ao
comportamento das partículas fundamentais.
Oppenheim e sua
equipe unem a física quântica e a relatividade geral, tornando o espaço-tempo
também inerentemente aleatório.
"Ainda temos
essa aleatoriedade na teoria quântica, mas ela é mediada pelo próprio
espaço-tempo", explica o físico.
Em outras palavras,
o próprio tecido começa a apresentar oscilações aleatórias.
Isto é algo
"inaceitável" para muitos dos seus colegas — e é provável que
Einstein também pensasse o mesmo.
"A estrutura
aleatória do espaço-tempo é o que, em certo sentido, lança os dados na teoria
quântica", compara Oppenheim, parafraseando Einstein.
·
'Ganha-ganha'
"Cada vez que
você propõe uma nova teoria, é preciso fazer uma série de verificações para ver
se ela é consistente com as observações", explica Oppenheim.
"E é
emocionante que esta teoria faz previsões que podem ser testadas
experimentalmente."
"Ao levar em
conta que esta teoria exige que o espaço-tempo tenha flutuações, podemos
busca-las", acrescenta ele.
Para isso, os
pesquisadores propõem medir o peso de uma massa com extrema precisão e
verificar se ela é constante ou se apresenta certas oscilações.
Por exemplo, o
Escritório Internacional de Pesos e Medidas, localizado na França, pesa
rotineiramente um objeto que foi usado para criar o padrão mundial do que é
hoje considerado exatamente um quilo.
Ao utilizar novas
tecnologias de medição quântica, de acordo com a teoria pós-quântica da
gravidade clássica, o peso do referido objeto deixaria de ser um quilo e se
tornaria imprevisível.
"Se
encontrarmos as flutuações, provaremos que a teoria é verdadeira e, se não as
encontrarmos, conseguiremos refutá-la", diz Oppenheim.
"Isso é
particularmente emocionante", confessa ele.
Mas há ainda mais
coisas a descobrir.
Oppenheim entende
que a nova teoria poderia responder a outra das grandes incógnitas da Física
moderna: o que são a matéria escura e a energia escura.
Para entender a
importância disso, é primeiro antes saber o que esses conceitos são (e não
são).
Todos os planetas,
estrelas e objetos cósmicos visíveis são feitos da chamada matéria normal.
Juntos, eles representam cerca de 5% do universo.
Os 95% restantes
ainda são um mistério — e por isso são chamados de matéria escura e energia
escura.
Se nos estudos para
verificar a nova teoria, as flutuações forem suficientemente intensas, elas
"seriam candidatas muito fortes para o que pensamos ser matéria escura e
energia escura", segundo Oppenheim.
"Isso explicaria
95% da evolução do Universo, o que representaria um grande impacto",
complementa o pesquisador.
Por sua vez,
Hossenfelder destaca que a equipe da UCL desenvolveu uma Matemática
completamente nova para esta teoria e afirma que a mera existência desses
trabalhos pode ser útil para outros fins.
Em suma, a história
da Ciência está repleta de pesquisas que tiveram aplicações inesperadas.
O próprio Einstein,
aliás, acendeu a centelha que levou à física quântica — a qual ele renunciou
até o fim da vida.
"Se houvesse
algo que pudesse confirmar que estas previsões são verdadeiras, isso seria
muito interessante e certamente atrairia diversas pessoas para observá-las mais
de perto", considera Hossenfelder.
Mas a teoria só foi
publicada há um ano — e derrubar décadas de consenso científico baseados nos
estudos encabeçados por Einstein não será fácil.
Hossenfelder é
cética sobre a nova teoria — algo que, na opinião dela, a coloca numa posição
de "ganha-ganha".
A cientista ganha
se estiver certa no ceticismo dela. Mas também ganha se estiver errada, porque
isso significaria que ela — e todos nós — testemunhamos em vida o nascimento de
uma nova revolução da Física.
Fonte: BBC News
Mundo
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