quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Subespécie de bactéria da boca pode estar associada ao câncer colorretal

O câncer colorretal está entre os cânceres mais comuns do Brasil e é cada vez mais frequente em adultos jovens. Não à toa, pesquisadores do mundo todo buscam entender as causas da doença e o que leva esse tumor crescer e se espalhar pelo corpo. Entre os possíveis fatores pode estar um agente surpreendente, segundo um estudo publicado recentemente na revista Nature: uma bactéria presente na nossa boca, mais especificamente uma subespécie da Fusobacterium nucleatum (Fn).

Essa linhagem (chamada F. nucleatum animalis C2, ou FnaC2) tem propriedades genéticas específicas que podem permitir que ela resista a condições ácidas no estômago, infecte tumores colorretais e potencialmente impulsione seu crescimento. Mas as novas descobertas sugerem que, no futuro, esse micróbio poderia ser usado como alvo para detectar e tratar o câncer colorretal mais precocemente.

Segundo Christopher D. Johnston — um dos autores principais do estudo e pesquisador do MD Anderson Cancer Center, nos EUA —, em 2022 a equipe por trás da nova pesquisa descobriu que duas bactérias bastante conhecidas e comuns na nossa boca (Fusobacterium e Troponema) estavam presentes, em altos níveis, em células tumorais do trato gastrointestinal humano.

No novo trabalho, a equipe se dedicou à análise das subespécies de F. nucleatum, batizadas de Fnn, Fnv, Fnp, Fna, para tentar descobrir qual delas estaria mais associada ao câncer colorretal. A ideia era entender se todas eram capazes de viajar da cavidade oral para o tumor ou se havia alguma com mais facilidade para isso.

Para chegar ao resultado, coletaram amostras de tumores e fizeram o sequenciamento genético. Eles também usaram como base outros estudos genômicos comparativos, realizados in vitro e in vivo, além de cortes de validação de pacientes com e sem câncer.

Descobriram, então, que nem todas as subespécies de Fusobacterim nucleatum são igualmente importantes no contexto do câncer colorretal — quem se destacou foi a FnaC2.

•        Potencial vacina contra o câncer?

O primeiro impacto dessa constatação é possibilitar que novos estudos se aprofundem na investigação dessa sublinhagem. “Comparar os genomas dessas subespécies e cepas que podem chegar aos tumores, versus aquelas que não podem, pode nos ajudar a descobrir a base genética da colonização do tumor”, observa Johnston, em entrevista à Agência Einstein.

Além disso, a identificação da linhagem específica da bactéria que está presente no câncer colorretal abre novos leques de possibilidades para rastreamento de populações com maior probabilidade de abrigar esses microrganismos. “Com pesquisas adicionais, talvez esse conhecimento possa ser usado para projetar kits de triagem minimamente invasivos para detectar cânceres colorretais mais cedo e até mesmo influenciar quais tratamentos podem ser prescritos para pacientes que têm tumores com essas bactérias. Isso ainda está muito distante, mas é uma direção que estamos seguindo”, destaca Johnston.

Mais do que isso: as implicações podem ser preventivas e terapêuticas. “Conhecer e entender as linhagens específicas de Fusobacterium nucleatum que estão realmente ligadas ao câncer colorretal é crucial, porque nem todas as Fusobacterium nucleatum contribuem para o risco de câncer da mesma forma”, pontua o pesquisador. “No caso da associação do HPV [papilomavírus humano] com o câncer cervical, por exemplo, esse conhecimento foi fundamental para o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra as linhagens específicas associadas ao maior risco da doença.”

•        Todo mundo tem essa bactéria?

A cavidade oral contém cerca de 700 espécies diferentes de bactérias. A Fucobacterium nucleatum é uma das mais comuns, encontrada tanto no biofilme (placas bacterianas que se formam em torno do dente) quanto na saliva. “A frequência dessa bactéria aumenta com o acúmulo de biofilme, o que pode levar à gengivite, uma doença bucal presente na maioria da população e que pode evoluir para periodontite se não for tratada”, alerta Nidia Castro dos Santos, doutora em periodontia e professora do curso de Odontologia da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.

Para ela, a descoberta desse novo estudo é muito importante, porque poderá tornar a FnaC2 um possível marcador para tumores colorretais, oferecendo possibilidades para o desenvolvimento de exames diagnósticos ou até mesmo de avaliação de risco de câncer colorretal a partir de amostras orais. “Estudos futuros também poderão focar no desenvolvimento de medicamentos que tenham a FnaC2 como alvo terapêutico”, complementa.

Santos destaca ainda que novas pesquisas devem avaliar se a presença dessa bactéria na boca aumenta o risco para o câncer colorretal somente em pessoas com doenças gengivais ou também em indivíduos com a saúde bucal em dia. “Seria interessante investigar se o tratamento da periodontite poderia contribuir para a prevenção ou tratamento do câncer colorretal, como já está estabelecido em pacientes com diabetes, por exemplo”, sugere a docente.

         

•        18 dúvidas sobre como prevenir, identificar e tratar o câncer colorretal

Cada vez mais frequente em adultos jovens, o câncer colorretal (também chamado de câncer de intestino) deve acometer quase 46 mil pessoas até 2025 no Brasil, segundo as estimativas mais recentes do Instituto Nacional de Câncer (Inca). De início silencioso, como acontece com a maioria dos tumores, a doença costuma se manifestar com alterações nos hábitos intestinais, presença de sangue nas fezes, dores abdominais e alterações no formato das fezes, que ficam mais finas ou alongadas.

Um dos maiores desafios é diagnosticar a doença cedo, para que o tratamento possa ser curativo. O Inca preconiza o início do rastreamento em pessoas acima dos 50 anos, por meio do exame de sangue oculto nas fezes e, em caso positivo, deve ser feita a colonoscopia. Mas, diante do crescente aumento de casos, várias sociedades médicas – entre elas a Sociedade Brasileira de Coloproctologia – passaram a recomendar a realização da colonoscopia para todos os adultos com mais de 45 anos, mesmo sem sintomas.

“Por mais clichê que pareça, todos os tumores diagnosticados no início podem ser curados. Portanto, é possível curar o câncer de intestino. Por isso são tão importantes a prevenção e a realização de colonoscopia em todas as pessoas a partir dos 45 anos, ou antes, em casos de histórico familiar ou sintomas”, afirma o oncologista clínico Rodrigo Nogueira Fogace, do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia.

A seguir, ele responde às principais dúvidas em relação à doença.

1 – Posso chamar câncer colorretal de câncer de intestino?

Sim, são praticamente sinônimos. É importante ressaltar que ele abrange os tumores que se iniciam na parte do intestino grosso (cólon) e na porção final do intestino (reto).

2 – Quais são os principais sintomas?

Os principais sinais são sangramentos ao evacuar, dor abdominal, mudança do hábito intestinal (intestino que naturalmente é preso começa a ficar solto ou vice-versa), fezes mais finas que o normal. Anemia sem uma causa aparente também pode estar relacionada a tumores de intestino, sendo esse um achado muito comum na prática clínica.

3 – É verdade que ele não apresenta sintomas na sua fase inicial?

Assim como a maioria dos tumores, o câncer colorretal não costuma apresentar sintomas na fase inicial. Por isso, é muito importante o rastreio, para que o diagnóstico seja feito o mais rápido possível.

4 – Qual a média de idade de pessoas com a doença?

A maioria dos casos ocorre após a quinta década de vida, mais frequentemente a partir dos 60 anos. Entretanto, o número de casos entre jovens está chamando a atenção de entidades de saúde no mundo todo. Por isso, é possível que ocorram mudanças dessa característica da faixa etária nas próximas décadas.

5 – É verdade que pessoas negras têm mais risco?

É muito difícil correlacionar a etnia com o risco de câncer no Brasil, já que a nossa população é extremamente miscigenada. Entretanto, há fortes indícios de que afrodescendentes são mais propensos a desenvolver câncer colorretal e em idade mais jovem. Estudos nos Estados Unidos demonstram que cerca de um a cada 23 homens ou mulheres afro-americanos vão desenvolver câncer colorretal em algum momento da vida.

6 – Por que é importante observar o formato das fezes?

Por mais estranho que pareça, o aspecto das fezes diz muito a respeito da saúde como um todo. O formato, o odor e até a coloração podem direções quando se está investigando alguma doença. Com relação ao câncer colorretal, como o intestino se assemelha a um “túnel”, caso ele esteja semiobstruído por um tumor, por exemplo, o formato das fezes pode se tornar mais fino. Essa é uma informação importante, que sinaliza que é preciso investigar com mais profundidade a saúde intestinal do paciente.

7 – Qual o papel da alimentação e do consumo de ultraprocessados no desenvolvimento desse câncer?

A alimentação está fortemente relacionada com o desenvolvimento de câncer colorretal, já que tudo o que é consumido passa pelo intestino, podendo inflamá-lo constantemente ou mantê-lo saudável. O consumo em excesso de produtos ultraprocessados pode aumentar o risco de desenvolvimento da neoplasia em até 29%, o que é extremamente elevado, quando se fala de um câncer tão frequente e agressivo.

8 – Existe algum alimento que previna a doença?

Não há um alimento que previne o câncer, uma vez que o desenvolvimento da doença depende de múltiplos fatores. Entretanto, existem alguns alimentos que ajudam a reduzir o risco: vegetais em geral, frutas e grãos ricos em fibras. É importante conscientizar a população de que quanto mais fibras ingerirmos, menor é o risco de desenvolver um câncer colorretal, pois as fibras funcionam como uma “escova” que reduz as impurezas do intestino e diminui o tempo de exposição da mucosa intestinal aos fatores cancerígenos dos alimentos.

9 – Quais são os fatores de risco para a doença? Além de obesidade, constipação é um deles, por exemplo?

A alimentação tem um papel importantíssimo no desenvolvimento da doença, portanto, o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, carne vermelha, fast-foods e álcool são fatores de risco importantes. Vale citar também a questão familiar, pois casos na família aumentam o risco de desenvolver a doença. Além disso, diabetes, idade acima de 50 anos, sedentarismo e doenças inflamatórias intestinais também estão relacionadas a uma maior probabilidade. Com relação à constipação crônica, apesar de trazer uma certa preocupação, até hoje não foi comprovado que aumenta o risco de desenvolver câncer colorretal.

10 – De que forma o sedentarismo influencia no desenvolvimento desse câncer?

Quando falamos em fatores de risco relacionados a hábitos de vida, é muito difícil dizer o real impacto desse fator. Entretanto, sabemos que o sedentarismo altera o metabolismo do corpo e, muitas vezes, pessoas sedentárias têm outros fatores de risco não saudáveis, como sobrepeso, obesidade, etilismo, entre outros. A soma desses fatores traz uma condição “pró-inflamatória” ao corpo, o que aumenta o risco de desenvolvimento de diversas doenças, entre elas o câncer colorretal.

11 – A colonoscopia é a única forma de diagnosticar a doença?

A colonoscopia é a principal forma de diagnosticar a doença, pois é através dela que é retirada uma amostra da mucosa do intestino, que será enviada para biópsia. Há outras formas de diagnóstico, como a cirurgia de desobstrução intestinal. Entretanto, isso ocorre em estágios mais avançados da doença.

12 – A colonoscopia deve ser feita por todos? A partir de qual idade e com qual frequência?

A Sociedade Brasileira de Coloproctologia indica que o rastreamento do câncer colorretal, na população geral, deva iniciar aos 45 anos para todas as pessoas. Nos casos em que há histórico familiar, recomenda-se realizar o rastreio 10 anos antes da idade que o parente tinha quando foi diagnosticado.

13 – É verdade que tomar AAS diariamente ajuda a prevenir a doença?

Estudos recentes demonstram uma redução do risco de câncer colorretal com o uso de ácido acetilsalicílico (AAS, ou aspirina), principalmente em pacientes mais jovens. Houve uma redução aproximada de 33% no aparecimento de adenomas agressivos com o uso de AAS.

Contudo, mais estudos são necessários para comprovar esse achado, pois quando se fala de quimioprevenção (uso de medicamentos para reduzir o risco de uma doença), é preciso ter certeza se o medicamento não trará outros riscos que sejam até piores que o próprio câncer. Ainda precisamos de dados robustos apontando se essa redução realmente se traduz em diminuição de mortes por câncer de intestino.

14 – A presença de pólipos no intestino indica câncer colorretal?

Não. Pólipos são pequenas elevações da mucosa do intestino e são extremamente comuns na população. Entretanto, alguns desses pólipos podem possuir células que tendem a gerar um tumor no futuro. Dessa forma, deve-se sempre retirar os pólipos durante uma colonoscopia, evitando assim que alguns deles possam acarretar um câncer colorretal.

15 – Lesões ou úlceras no intestino significam que a pessoa tem câncer?

Não. Úlceras no intestino podem indicar um processo inflamatório intestinal, assim como ocorrem aftas na mucosa da boca. Mas todas as lesões ulceradas, principalmente aquelas com as bordas mais elevadas, devem ser biopsiadas durante uma colonoscopia.

16 – Como é feito o tratamento?

O tratamento depende do estágio da doença. Nas fases iniciais (estágios 1 e 2), a doença é tratada, na maioria dos casos, exclusivamente com cirurgia. Nos casos mais avançados, que acometem os linfonodos (núcleos de defesa do intestino), o tratamento inclui também quimioterapia preventiva após a cirurgia.

A doença que tem metástase (com outros órgãos atingidos, estágio 4), é geralmente tratada com quimioterapia. Atualmente, há medicamentos biológicos que impedem a proliferação de vasos sanguíneos, ou que impedem a formação células por inibirem proteínas específicas do tumor. Dependendo das características individuais dos tumores, pode ser indicada a imunoterapia, um tratamento moderno e eficaz, mas que não funciona para todos os casos.

17 – Todas as pessoas com câncer colorretal terão que usar bolsa de colostomia?

Não. Geralmente, a colostomia é necessária quando o paciente necessita de uma cirurgia de emergência, como em um caso de obstrução aguda do intestino, ou até mesmo uma perfuração intestinal. Outras indicações são quando o tumor ocorre no reto baixo, que é a última porção do intestino e o paciente perde o controle das funções do esfíncter.

Vale salientar que a colostomia é necessária para a minoria dos pacientes com câncer colorretal, e a realização de colonoscopia preventiva reduz muito o risco de ocorrer um tumor avançado, que necessite de uma colostomia no futuro.

18 – A doença tem cura?

Sim. Quanto mais precoce for realizado o diagnóstico, maior a chance de cura. Existem alguns casos em que é possível curar pacientes metastáticos para o fígado e para os pulmões, mas as chances são reduzidas quanto mais avançada é a doença.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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