segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

De olho nas eleições presidenciais, Zema faz acenos à extrema direita, mas especialistas apontam limites

Após as últimas movimentações da gestão do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), especialistas avaliam que o político do Novo corre contra o tempo, buscando fazer acenos ao mercado e à extrema direita para se tornar um nome viável para a disputa eleitoral nacional de 2026.

Há poucos dias, o governo de Minas encaminhou para a Assembleia Legislativa (ALMG) dois projetos de lei que visam a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), promessa de campanha que o governador não conseguiu concretizar, por enfrentar resistência na sociedade e no parlamento.

“Ele não teve êxito em relação às privatizações e não teve êxito também ao projeto de recuperação fiscal, tanto é que ele aderiu ao plano por meio de decreto. Acredito que ele quer ser vice de Tarcísio de Freitas, mas é muito cedo para saber quais serão as possibilidades. Ele não é um nome conhecido nacionalmente, e nem é muito conhecido em Minas”, comenta a economista e especialista em gestão pública Eulália Alvarenga.

Também neste mês, Zema proibiu a entrada e o consumo de cigarros em todas as 171 unidades prisionais do estado. Analistas viram a medida como uma forma de acenar para os setores mais conservadores da população, que nas últimas eleições se alinharam a Jair Bolsonaro (PL), que ainda estará inelegível no próximo pleito.

O chefe do Executivo mineiro também se ausentou em uma reunião com os governadores, convocada pelo presidente Lula (PT), para discutir sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe alterar a estrutura da segurança pública. O encontro aconteceu no início de novembro.

•                        Há muitas variáveis abertas

O cientista político Estevão Cruz acredita que as movimentações de Romeu Zema representam sim gestos ao mercado e aos setores mais neoliberais e conservadores da direita e da extrema direita. Porém, para ele, ainda é cedo para se falar em definição de candidatura à presidência no campo bolsonarista.

“Ainda mais com o impacto das revelações dos planos golpistas e dos indiciamentos feitos pela Polícia Federal (PF). Há ainda muitas variáveis abertas. Mas Zema, certamente, quer estar bem posicionado para as eleições de 2026, mesmo que não seja encabeçando uma chapa presidencial. Penso haver uma sintonia entre ele e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, como figuras mais integradas às frações de extrema-direita e do agronegócio”, avalia.

Na última semana,  Jair Bolsonaro e aliados do primeiro escalão de seu governo foram indiciados pela PF por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. O inquérito mostra que o planejamento para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes durou ao menos 36 dias, e teve a participação do ex-presidente. Ao todo, são 37 indiciados, a grande maioria militares. A lista inclui Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Valdemar Costa Neto.

Além da possibilidade de prisão de Bolsonaro, os últimos acontecimentos também podem intensificar a disputa dentro do campo da extrema direita para a definição de quem será o candidato do bolsonarismo.  Os governadores de São Paulo, do Paraná e de Goiás — Tarcísio de Freitas (Republicanos), Ratinho Júnior (PSD) e Ronaldo Caiado (União Brasil), respectivamente — também estariam buscando se projetar para o pleito de 2026, além da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

•                        Derrotado em 2024 ou pré-candidato?

Em um encontro do Novo, em Atibaia (SP), na segunda-feira (24), Zema foi tratado por seus colegas de legenda como pré-candidato à presidência, mas não houve ato oficial de lançamento nem deliberação da convenção nacional do partido.

Na avaliação de Estevão Cruz, a euforia dos correligionários do governador de Minas se dá em função do desempenho da sigla nas eleições de 2024 no estado.

Nos municípios mineiros, o Novo elegeu apenas nove prefeituras, pouco, em comparação com outras siglas, como o PSD, que comandará 142 cidades do estado a partir do próximo ano, ou o PT, que elegeu 35 prefeitos.

Todavia, ao observar o desempenho nacional do partido de Zema, 50% das prefeituras conquistadas pelo Novo são de Minas Gerais.

“Praticamente 60% dos vereadores eleitos pelo partido também estão no estado. Então, é muito natural que ele seja considerado, no interior do partido, como pré-candidato à presidente”, comenta o cientista político.

Mas Estevão destaca que Zema também amargou derrotas nas eleições municipais e que, não necessariamente, a sua base de apoio na ALMG compartilha das aspirações nacionais do governador.

“As candidaturas apoiadas por Zema em BH  foram derrotadas. Também é preciso lembrar que Zema, mesmo fazendo uso ostensivo da máquina pública, não conseguiu dar a vitória para Bolsonaro em Minas. Em outra situação, após anos de domínio no estado, Aécio Neves também foi derrotado por Dilma Rousseff em Minas Gerais, em 2014”, explica.

Fora da capital mineira, candidaturas apoiadas pelo governador nas eleições de 2024 também saíram derrotadas em outros municípios importantes do estado, como Uberlândia, Contagem, Juiz de Fora, Uberaba e Governador Valadares.

“Foi uma performance muito ruim em cinco dos principais municípios do estado. É significativo”, avaliou o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer, na época da divulgação do resultado eleitoral. 

Para Eulália Alvarenga, o “fracasso” é indicador de que Romeu Zema não tem apoio suficiente da população mineira para disputar o Executivo nacional.

“Ele é pouco conhecido em várias regiões do estado, a exceção do Sul de Minas e do Triângulo mineiro. Mesmo em Belo Horizonte, ele não tem o apoio de uma grande parcela da população, porque, até agora, não vimos nada de definitivamente realizado pelo governo do Zema. É muita fala para pouca entrega”, avalia a especialista em gestão pública.

•                        Embate com os servidores públicos

Ao mesmo tempo em que tenta se apresentar como uma possibilidade para o cenário nacional, Zema enfrenta no próprio estado um conjunto de embates com as categorias do funcionalismo público, que avaliam negativamente a gestão do governador.

Com a mensagem política “governo diferente, Estado eficiente”, na avaliação dos trabalhadores, na verdade, o governo Zema trabalha para reduzir o papel do Estado na promoção de políticas públicas, enquanto concede benefícios ao empresariado e a seus aliados políticos.

Como consequência, eles relatam uma série de retiradas de direitos, a precarização dos serviços públicos, o desmonte da política ambiental, a tentativa de privatização de setores considerados estratégicos, e a falta de entrega de mudanças estruturantes no estado.

Eulália Alvarenga acredita que a dificuldade na relação com o funcionalismo é outro dificultador para o governador realizar seus objetivos em 2026.

“Os embates que ele enfrenta com o funcionalismo público de Minas devem influenciar o funcionalismo dos outros estados. Zema foi muito agressivo com os servidores e isso dificulta ampliar a base de apoio dele. O governo teve, devido a suspensão do pagamento da dívida do estado com a União, uma situação financeira melhor que a das gestões anteriores e, mesmo assim,  não vimos nenhuma realização que melhorasse a vida da população. O que ele poderá apresentar de concreto para o Brasil?”, questiona.

 

•                        Tendência da política é caminhar para centro-direita em 2026. Por Marcos Augusto Gonçalves

O que a farta comprovação da trama golpista de Jair Bolsonaro e seus asseclas representará, enfim, para a direita? Afora os fanáticos que continuarão a idolatrar o Mito caído, o transatlântico do conservadorismo e do liberalismo econômico já vem manobrando em busca de nova rota. A adesão de figurões da centro-direita à candidatura Lula no segundo turno foi um sinal de que a carona no cavalo das trevas se revelava equivocada.

Lula carrega em sua posição de centro-esquerda o pacote petista, com suas visões estatistas em economia, avessas ao mercado e à livre iniciativa. Não é, obviamente, o candidato ideal da centro-direita, embora palatável dentro de certas circunstâncias.

CONSERVADORES

Na esfera federal, a direita vinha de seis anos no poder antes da derrocada de Bolsonaro. Temer, que fazia parte da bagunçada aliança com Dilma Rousseff, apoiou a conspiração que desalojou a presidente do poder, e tratou de construir com articulações direitistas sua pinguela (como dizia FHC) para o futuro –só que um futuro do passado obscuro, que ainda projeta suas sombras sobre a política nacional.

Embora sobrem diagnósticos de que a sociedade brasileira é conservadora e majoritariamente de direita, o fato é que essa hegemonia não tem-se traduzido no empoderamento de projetos políticos vitoriosos com vistas à Presidência.

No plano federal é o Congresso Nacional que mais tem conseguido expressar essa faixa do espectro ideológico, mas de maneira muitas vezes oportunista, gastadora e irresponsável.

SEM TUCANOS

Fernando Henrique Cardoso e o PSDB representaram momentos virtuosos da centro-direita, mas de lá para cá, nada. A carona no extremismo bolsonarista repetiu em outra fase histórica uma tardia aliança dos tempos da ditadura.

Não por acaso, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que seria uma espécie de fiador dessa adesão à nostalgia de 1964, mal disfarçava sua admiração pelo Chile de Pinochet –que acompanhava sua perversa visão anti-pobre.

Agora, a moda nos salões, além do café, do azeite e do carro elétrico, é a “direita civilizada”. Menos mal. Resta saber o que vai sair daí.

TARCÍSIO DESPONTA

Por ora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ainda em processo de remodelagem da sua argila bolsonarista, destaca-se como nome mais badalado.

Lula, no entanto, está vivo e até poderá renovar o fôlego a depender da queda de braço do ajuste fiscal em curso. Mesmo que o clima melhore, Lula tende a não ser o ungido pela grande iniciativa privada.

O antipetismo é muito forte e uma quarta gestão, com o pretendente já chegando aos 80, não é tida como a melhor opção.

OUTROS FATORES

Tarcísio, de fato, reúne condições favoráveis a uma candidatura, mas, como já se ponderou, dependerá de outros fatores, em especial de como a continuidade do atual governo se apresentará em 2026, seja com a proposta de uma reeleição ou com outro nome.

Há ainda a considerar uma dose de imponderável. O surgimento de um candidato tipo raio em céu azul, como Pablo Marçal na eleição paulistana, não pode ser descartado.

É certo que o eixo político, como escreveu Christian Lynch nesta Folha, desloca-se para a centro-direita sob um presidencialismo de coalização fraco. Não é condição suficiente, porém, para garantir uma conquista presidencial.

 

•                        Fracasso da democracia no Brasil não a torna o pior dos regimes. Por Mário Sabino

A democracia que acaba de se salvar é que faz disparar a cotação do dólar. Depois do pacote fiscal, que de fiscal não tinha nada e que só serviu para fazer disparar a cotação do dólar, ficou mais evidente que o Brasil cresce a despeito do governo Lula, não por causa do governo Lula.

Exemplo de hoje: a taxa de desemprego divulgada há pouco, de apenas 6,2%, a menor desde 2012, deve-se, em boa parte, à reforma trabalhista feita durante o governo de Michel Temer, quem diria — reforma que jamais teria sido feita sob um governo qualquer do PT.

MAIOR SEGURANÇA

Só a reforma trabalhista já valeu o impeachment de Dilma Rousseff. Ela permitiu contratações em diversos regimes, flexibilizou as pesadíssimas obrigações trabalhistas herdadas da CLT getulista e deu maior segurança jurídica a quem emprega — e quem emprega é o empresário, não é o governo ou o sindicato, ao contrário do que pensa o petista obtuso, com o perdão do pleonasmo.

Há sete anos, o país parecia estar no rumo certo: o da recuperação econômica baseada em reformas estruturais imprescindíveis, o da privatização de estatais e o da redução da corrupção a níveis compatíveis com os da civilização.

Mas tudo foi posto a perder por Jair Bolsonaro e a reação oportunista que lhe foi muro e que tirou Lula da cadeia para recolocá-lo no poder, a pretexto de salvar a democracia.

RETROCESSO

Pegamos o trem do retrocesso. A democracia que foi salva é a democracia que fracassou miseravelmente na missão de colocar o Brasil no rol das nações desenvolvidas. É a democracia do Estado paquidérmico, do patrimonialismo e do seu corolário, o capitalismo de compadrio, do cemitério das ideias ainda assombrado pelo socialismo, do assistencialismo coronelista, da corrupção institucionalizada.

É a democracia que mantém metade da população sem esgoto no século da Inteligência Artificial. É a democracia que faz disparar a cotação do dólar.

O fracasso da democracia brasileira não a faz o pior dos regimes, porque a opção, uma ditadura de direita ou de esquerda, seria ainda mais nefasta.

MEDIOCRIDADE É META

Sem opção, temos de almejar a mediocridade, no máximo, que é sempre o melhor dos mundos por estas latitudes, haja vista também, ou principalmente, a estagnação e a queda de índices que mensuram os graus de avanço de uma sociedade, como o educacional e o tecnológico, as exceções confirmando a regra.

Vai piorar, mas rezemos que seja com certo vagar. Era para estarmos assistindo ao processo civilizatório, mas estamos diante de um processo de imbecilização. Ele está presente nas escolas, nas universidades, na cultura, na imprensa, nos debates em Brasília, nas relações sociais, todas as esferas sob o estigma de um quociente de inteligência da população que só faz cair desde 1909, não importa o regime político sob o qual padecemos, porque o esforço nesse sentido não conheceu grandes tréguas.

Em alguns momentos, entrevimos a saída. Agora, não há mais nenhuma visível.

 

Fonte: Brasil de Fato/Folha/Metrópoles

 

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