De olho
nas eleições presidenciais, Zema faz acenos à extrema direita, mas
especialistas apontam limites
Após
as últimas movimentações da gestão do governador de Minas Gerais, Romeu Zema
(Novo), especialistas avaliam que o político do Novo corre contra o tempo,
buscando fazer acenos ao mercado e à extrema direita para se tornar um nome
viável para a disputa eleitoral nacional de 2026.
Há
poucos dias, o governo de Minas encaminhou para a Assembleia Legislativa (ALMG)
dois projetos de lei que visam a privatização da Companhia Energética de Minas
Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), promessa
de campanha que o governador não conseguiu concretizar, por enfrentar
resistência na sociedade e no parlamento.
“Ele
não teve êxito em relação às privatizações e não teve êxito também ao projeto
de recuperação fiscal, tanto é que ele aderiu ao plano por meio de decreto.
Acredito que ele quer ser vice de Tarcísio de Freitas, mas é muito cedo para
saber quais serão as possibilidades. Ele não é um nome conhecido nacionalmente,
e nem é muito conhecido em Minas”, comenta a economista e especialista em
gestão pública Eulália Alvarenga.
Também
neste mês, Zema proibiu a entrada e o consumo de cigarros em todas as 171
unidades prisionais do estado. Analistas viram a medida como uma forma de
acenar para os setores mais conservadores da população, que nas últimas
eleições se alinharam a Jair Bolsonaro (PL), que ainda estará inelegível no
próximo pleito.
O
chefe do Executivo mineiro também se ausentou em uma reunião com os
governadores, convocada pelo presidente Lula (PT), para discutir sobre a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe alterar a estrutura da
segurança pública. O encontro aconteceu no início de novembro.
• Há muitas variáveis
abertas
O
cientista político Estevão Cruz acredita que as movimentações de Romeu Zema
representam sim gestos ao mercado e aos setores mais neoliberais e
conservadores da direita e da extrema direita. Porém, para ele, ainda é cedo
para se falar em definição de candidatura à presidência no campo bolsonarista.
“Ainda
mais com o impacto das revelações dos planos golpistas e dos indiciamentos
feitos pela Polícia Federal (PF). Há ainda muitas variáveis abertas. Mas Zema,
certamente, quer estar bem posicionado para as eleições de 2026, mesmo que não
seja encabeçando uma chapa presidencial. Penso haver uma sintonia entre ele e o
governador de Goiás, Ronaldo Caiado, como figuras mais integradas às frações de
extrema-direita e do agronegócio”, avalia.
Na
última semana, Jair Bolsonaro e aliados
do primeiro escalão de seu governo foram indiciados pela PF por tentativa de
abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e
organização criminosa. O inquérito mostra que o planejamento para matar Lula,
Alckmin e Alexandre de Moraes durou ao menos 36 dias, e teve a participação do
ex-presidente. Ao todo, são 37 indiciados, a grande maioria militares. A lista
inclui Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Valdemar Costa
Neto.
Além
da possibilidade de prisão de Bolsonaro, os últimos acontecimentos também podem
intensificar a disputa dentro do campo da extrema direita para a definição de
quem será o candidato do bolsonarismo.
Os governadores de São Paulo, do Paraná e de Goiás — Tarcísio de Freitas
(Republicanos), Ratinho Júnior (PSD) e Ronaldo Caiado (União Brasil),
respectivamente — também estariam buscando se projetar para o pleito de 2026,
além da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
• Derrotado em 2024 ou
pré-candidato?
Em
um encontro do Novo, em Atibaia (SP), na segunda-feira (24), Zema foi tratado
por seus colegas de legenda como pré-candidato à presidência, mas não houve ato
oficial de lançamento nem deliberação da convenção nacional do partido.
Na
avaliação de Estevão Cruz, a euforia dos correligionários do governador de
Minas se dá em função do desempenho da sigla nas eleições de 2024 no estado.
Nos
municípios mineiros, o Novo elegeu apenas nove prefeituras, pouco, em
comparação com outras siglas, como o PSD, que comandará 142 cidades do estado a
partir do próximo ano, ou o PT, que elegeu 35 prefeitos.
Todavia,
ao observar o desempenho nacional do partido de Zema, 50% das prefeituras
conquistadas pelo Novo são de Minas Gerais.
“Praticamente
60% dos vereadores eleitos pelo partido também estão no estado. Então, é muito
natural que ele seja considerado, no interior do partido, como pré-candidato à
presidente”, comenta o cientista político.
Mas
Estevão destaca que Zema também amargou derrotas nas eleições municipais e que,
não necessariamente, a sua base de apoio na ALMG compartilha das aspirações
nacionais do governador.
“As
candidaturas apoiadas por Zema em BH
foram derrotadas. Também é preciso lembrar que Zema, mesmo fazendo uso
ostensivo da máquina pública, não conseguiu dar a vitória para Bolsonaro em
Minas. Em outra situação, após anos de domínio no estado, Aécio Neves também
foi derrotado por Dilma Rousseff em Minas Gerais, em 2014”, explica.
Fora
da capital mineira, candidaturas apoiadas pelo governador nas eleições de 2024
também saíram derrotadas em outros municípios importantes do estado, como
Uberlândia, Contagem, Juiz de Fora, Uberaba e Governador Valadares.
“Foi
uma performance muito ruim em cinco dos principais municípios do estado. É
significativo”, avaliou o cientista político e professor da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer, na época da divulgação do
resultado eleitoral.
Para
Eulália Alvarenga, o “fracasso” é indicador de que Romeu Zema não tem apoio
suficiente da população mineira para disputar o Executivo nacional.
“Ele
é pouco conhecido em várias regiões do estado, a exceção do Sul de Minas e do
Triângulo mineiro. Mesmo em Belo Horizonte, ele não tem o apoio de uma grande
parcela da população, porque, até agora, não vimos nada de definitivamente
realizado pelo governo do Zema. É muita fala para pouca entrega”, avalia a
especialista em gestão pública.
• Embate com os servidores
públicos
Ao
mesmo tempo em que tenta se apresentar como uma possibilidade para o cenário
nacional, Zema enfrenta no próprio estado um conjunto de embates com as
categorias do funcionalismo público, que avaliam negativamente a gestão do
governador.
Com
a mensagem política “governo diferente, Estado eficiente”, na avaliação dos
trabalhadores, na verdade, o governo Zema trabalha para reduzir o papel do
Estado na promoção de políticas públicas, enquanto concede benefícios ao
empresariado e a seus aliados políticos.
Como
consequência, eles relatam uma série de retiradas de direitos, a precarização
dos serviços públicos, o desmonte da política ambiental, a tentativa de
privatização de setores considerados estratégicos, e a falta de entrega de
mudanças estruturantes no estado.
Eulália
Alvarenga acredita que a dificuldade na relação com o funcionalismo é outro
dificultador para o governador realizar seus objetivos em 2026.
“Os
embates que ele enfrenta com o funcionalismo público de Minas devem influenciar
o funcionalismo dos outros estados. Zema foi muito agressivo com os servidores
e isso dificulta ampliar a base de apoio dele. O governo teve, devido a
suspensão do pagamento da dívida do estado com a União, uma situação financeira
melhor que a das gestões anteriores e, mesmo assim, não vimos nenhuma realização que melhorasse a
vida da população. O que ele poderá apresentar de concreto para o Brasil?”,
questiona.
• Tendência da política é
caminhar para centro-direita em 2026. Por Marcos Augusto Gonçalves
O
que a farta comprovação da trama golpista de Jair Bolsonaro e seus asseclas
representará, enfim, para a direita? Afora os fanáticos que continuarão a
idolatrar o Mito caído, o transatlântico do conservadorismo e do liberalismo
econômico já vem manobrando em busca de nova rota. A adesão de figurões da
centro-direita à candidatura Lula no segundo turno foi um sinal de que a carona
no cavalo das trevas se revelava equivocada.
Lula
carrega em sua posição de centro-esquerda o pacote petista, com suas visões
estatistas em economia, avessas ao mercado e à livre iniciativa. Não é,
obviamente, o candidato ideal da centro-direita, embora palatável dentro de
certas circunstâncias.
CONSERVADORES
Na
esfera federal, a direita vinha de seis anos no poder antes da derrocada de
Bolsonaro. Temer, que fazia parte da bagunçada aliança com Dilma Rousseff,
apoiou a conspiração que desalojou a presidente do poder, e tratou de construir
com articulações direitistas sua pinguela (como dizia FHC) para o futuro –só
que um futuro do passado obscuro, que ainda projeta suas sombras sobre a
política nacional.
Embora
sobrem diagnósticos de que a sociedade brasileira é conservadora e
majoritariamente de direita, o fato é que essa hegemonia não tem-se traduzido
no empoderamento de projetos políticos vitoriosos com vistas à Presidência.
No
plano federal é o Congresso Nacional que mais tem conseguido expressar essa
faixa do espectro ideológico, mas de maneira muitas vezes oportunista,
gastadora e irresponsável.
SEM
TUCANOS
Fernando
Henrique Cardoso e o PSDB representaram momentos virtuosos da centro-direita,
mas de lá para cá, nada. A carona no extremismo bolsonarista repetiu em outra
fase histórica uma tardia aliança dos tempos da ditadura.
Não
por acaso, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que seria uma espécie
de fiador dessa adesão à nostalgia de 1964, mal disfarçava sua admiração pelo
Chile de Pinochet –que acompanhava sua perversa visão anti-pobre.
Agora,
a moda nos salões, além do café, do azeite e do carro elétrico, é a “direita
civilizada”. Menos mal. Resta saber o que vai sair daí.
TARCÍSIO
DESPONTA
Por
ora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ainda em processo de
remodelagem da sua argila bolsonarista, destaca-se como nome mais badalado.
Lula,
no entanto, está vivo e até poderá renovar o fôlego a depender da queda de
braço do ajuste fiscal em curso. Mesmo que o clima melhore, Lula tende a não
ser o ungido pela grande iniciativa privada.
O
antipetismo é muito forte e uma quarta gestão, com o pretendente já chegando
aos 80, não é tida como a melhor opção.
OUTROS
FATORES
Tarcísio,
de fato, reúne condições favoráveis a uma candidatura, mas, como já se
ponderou, dependerá de outros fatores, em especial de como a continuidade do
atual governo se apresentará em 2026, seja com a proposta de uma reeleição ou
com outro nome.
Há
ainda a considerar uma dose de imponderável. O surgimento de um candidato tipo
raio em céu azul, como Pablo Marçal na eleição paulistana, não pode ser
descartado.
É
certo que o eixo político, como escreveu Christian Lynch nesta Folha,
desloca-se para a centro-direita sob um presidencialismo de coalização fraco.
Não é condição suficiente, porém, para garantir uma conquista presidencial.
• Fracasso da democracia
no Brasil não a torna o pior dos regimes. Por Mário Sabino
A
democracia que acaba de se salvar é que faz disparar a cotação do dólar. Depois
do pacote fiscal, que de fiscal não tinha nada e que só serviu para fazer
disparar a cotação do dólar, ficou mais evidente que o Brasil cresce a despeito
do governo Lula, não por causa do governo Lula.
Exemplo
de hoje: a taxa de desemprego divulgada há pouco, de apenas 6,2%, a menor desde
2012, deve-se, em boa parte, à reforma trabalhista feita durante o governo de
Michel Temer, quem diria — reforma que jamais teria sido feita sob um governo
qualquer do PT.
MAIOR
SEGURANÇA
Só
a reforma trabalhista já valeu o impeachment de Dilma Rousseff. Ela permitiu
contratações em diversos regimes, flexibilizou as pesadíssimas obrigações
trabalhistas herdadas da CLT getulista e deu maior segurança jurídica a quem
emprega — e quem emprega é o empresário, não é o governo ou o sindicato, ao
contrário do que pensa o petista obtuso, com o perdão do pleonasmo.
Há
sete anos, o país parecia estar no rumo certo: o da recuperação econômica
baseada em reformas estruturais imprescindíveis, o da privatização de estatais
e o da redução da corrupção a níveis compatíveis com os da civilização.
Mas
tudo foi posto a perder por Jair Bolsonaro e a reação oportunista que lhe foi
muro e que tirou Lula da cadeia para recolocá-lo no poder, a pretexto de salvar
a democracia.
RETROCESSO
Pegamos
o trem do retrocesso. A democracia que foi salva é a democracia que fracassou
miseravelmente na missão de colocar o Brasil no rol das nações desenvolvidas. É
a democracia do Estado paquidérmico, do patrimonialismo e do seu corolário, o
capitalismo de compadrio, do cemitério das ideias ainda assombrado pelo
socialismo, do assistencialismo coronelista, da corrupção institucionalizada.
É a
democracia que mantém metade da população sem esgoto no século da Inteligência
Artificial. É a democracia que faz disparar a cotação do dólar.
O
fracasso da democracia brasileira não a faz o pior dos regimes, porque a opção,
uma ditadura de direita ou de esquerda, seria ainda mais nefasta.
MEDIOCRIDADE
É META
Sem
opção, temos de almejar a mediocridade, no máximo, que é sempre o melhor dos
mundos por estas latitudes, haja vista também, ou principalmente, a estagnação
e a queda de índices que mensuram os graus de avanço de uma sociedade, como o
educacional e o tecnológico, as exceções confirmando a regra.
Vai
piorar, mas rezemos que seja com certo vagar. Era para estarmos assistindo ao
processo civilizatório, mas estamos diante de um processo de imbecilização. Ele
está presente nas escolas, nas universidades, na cultura, na imprensa, nos
debates em Brasília, nas relações sociais, todas as esferas sob o estigma de um
quociente de inteligência da população que só faz cair desde 1909, não importa
o regime político sob o qual padecemos, porque o esforço nesse sentido não
conheceu grandes tréguas.
Em
alguns momentos, entrevimos a saída. Agora, não há mais nenhuma visível.
Fonte:
Brasil de Fato/Folha/Metrópoles
Nenhum comentário:
Postar um comentário