AVC:
acesso desigual ainda é desafio para avanços no tratamento e prevenção
O
Acidente Vascular Cerebral (AVC) é um grave problema de saúde pública mundial e
uma das principais causas de incapacidade, internação e morte no Brasil. Com
grandes impactos clínicos, a doença impacta drasticamente a qualidade de vida
dos pacientes e de suas famílias. Conforme dados levantados pela Firjan Sesi,
entre 2017 e 2023, cerca de 1,4 milhão de pessoas foram internadas no Sistema
Único de Saúde (SUS) por AVC, com uma taxa de mortalidade de 16,18%, o que
implica cerca de 32 mil mortes hospitalares por ano.
O
levantamento foi apresentado no evento “Pautadas por Elas”, uma iniciativa da
farmacêutica Boehringer Ingelheim, que reuniu em Brasília, DF, entidades e
autoridades de saúde para discutir a condição e propor caminhos. Na ocasião,
foi destacado como a doença também gera grandes impactos econômicos para o
sistema de saúde e para o país: segundo o levantamento, estima-se que, em
internações e serviços hospitalares, sejam dispendidos custos que podem chegar
a R$ 280 milhões por ano – durante todo o período de análise a soma estimada
pode chegar a R$1,9 bilhão. Além disso, o estudo em parceria com a Firjan
apontou que cerca de 40% das internações por AVC isquêmico ocorreram em uma
faixa economicamente ativa da população.
Durante
o encontro, a Rede Brasil AVC fez um apelo para que as entidades e autoridades
se comprometam com a Declaração Global sobre compromissos para enfrentar o AVC,
publicada em setembro de 2023 pela World Stroke Organization. Assinada por
gestores de saúde do mundo inteiro, o documento aponta 15 objetivos a serem
seguidos para melhorar o tratamento de acidentes vasculares.
“É
um problema de saúde mundial, cerca de 41% dos países não possuem acesso a
tratamentos medicamentosos essenciais. É uma questão muito importante que
precisa de uma aliança global para enfrentamento”, ressaltou Sheila Martins,
médica neurologista, presidente da Rede Brasil AVC e ex-presidente da World
Stroke Organization, uma das debatedoras do evento.
• Os tipos de AVC e as
disparidade no acesso
Existem
dois tipos de acidente vascular: o hemorrágico e o isquêmico. De acordo com o
Ministério da Saúde, o AVC hemorrágico ocorre quando o rompimento de um vaso
provoca hemorragia e, apesar de ser responsável por 15% dos casos da doença, é
grande causador de mortes. Já o isquêmico é o tipo mais comum da doença e
ocorre quando há obstrução de uma artéria por trombose ou embolia, o que impede
a passagem de sangue e oxigênio para as células cerebrais. Ambos os casos
provocam a paralisia da área cerebral por falta de circulação de sangue.
Os
principais sinais de alerta para qualquer tipo de AVC são fraqueza ou
formigamento, confusão mental, alteração da fala, da visão ou do equilíbrio e
dor de cabeça súbita, intensa e sem causa aparente. Os sintomas podem ser
identificados em um passo a passo sumarizado pela sigla “SAMU”: o S refere-se a
sorriso (ao pedir para a pessoa dar um sorriso, é possível avaliar a
musculatura da face); o A, de abraço, é para avaliar se a pessoa consegue
levantar os braços; o M é de música (ao cantar é possível avaliar a fala); e U
de urgência, caso os sintomas anteriores se demonstrem positivos.
Apesar
da sua alta gravidade, segundo a Rede Brasil AVC, o acidente vascular cerebral
pode ser prevenido em até 90% dos casos, por isso o cuidado deve começar de
forma individual. Existem diversos fatores que aumentam a probabilidade de
ocorrência de um AVC como idade avançada e histórico familiar. No entanto,
outros fatores podem ser controlados como tabagismo, alcoolismo, sedentarismo,
obesidade, hipertensão, estresse, diabetes tipo 2 e colesterol alto.
“Depende
de a pessoa reconhecer e tratar os seus fatores de risco para evitar ou pelo
menos diminuir o seu risco de ter”, destacou Martins. “Por exemplo, se eu
tratar e controlar a pressão, eu reduzo 50% dos casos de AVC. Além disso, é
fundamental que as pessoas conheçam a doença para buscar atendimento hospitalar
rapidamente.”
Um
dos principais desafios para o tratamento do acidente vascular é o acesso.
Apesar de seu alto índice de mortalidade, o AVC ainda é considerado uma doença
negligenciada no Brasil devido à disparidade do acesso da população aos
serviços de saúde, sendo a população de baixa renda a mais afetada.
Segundo
a Rede Brasil AVC, 77% dos centros de cuidado de acidente vascular estão no Sul
e no Sudeste. O estudo da Firjan, em complemento, mostrou que as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste tiveram, de fato, menor número de internações, o que
está relacionado com uma maior incidência de óbitos. Por exemplo, o
levantamento aponta que o Acre possui 38 internações e 28 óbitos a cada 100 mil
habitantes, enquanto o Rio Grande do Sul possui 104 internações e cerca de um
óbito.
“Sem
tratamento, 70% dos pacientes não voltam ao trabalho, 50% ficam dependentes de
outra pessoa para as atividades diárias e 30% desenvolvem demência. Se esses
pacientes chegam rápido a um hospital que está pronto, preparado para o
atendimento, essa história pode ser completamente diferente”, afirma Martins.
• Implementação de linhas
de cuidado para o AVC
Durante
o evento, autoridades em saúde destacaram também a importância da manutenção
das linhas de cuidado para garantir um tratamento eficaz apesar das
desigualdades de acesso. Aprovada em 2012 por meio da Portaria 665/2012, a
linha de cuidado tem como objetivo reduzir a mortalidade do acidente vascular
através de parâmetros que devem ser seguidos nas Redes de Atenção às Urgências
e Emergências.
A
secretária de saúde do Rio Grande do Norte e representante do Conselho Nacional
de Secretários de Saúde (CONASS) na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa),
Lyane Cortes, defende que, apesar da importância inquestionável da linha, ela
ainda é muito cara para ser implementada integralmente em todos os Estados. “O
Brasil é muito desigual economicamente e, infelizmente, nem todo Estado
consegue acompanhar os avanços no tratamento do AVC. Esse é um desafio que
estamos tentando endereçar, mas que ainda ocorre de forma muito heterogênea”,
relatou.
O
evento também contou com a participação da diretora do Departamento de Atenção
Hospitalar, Domiciliar e de Urgência do Ministério, Aline de Oliveira Costa,
que enfatizou que apesar dos gargalos, é fundamental que os Estados se baseiem
na linha de cuidado: “O tratamento do AVC está presente em todas as redes de
atenção porque transita entre elas. A linha tece o cuidado e a trajetória do
usuário no SUS, então temos que ter muita atenção com ela”, comenta.
Em
relação ao aumento do acesso, Costa salientou ainda que a pasta financia
diversos dispositivos para melhorar a distribuição do tratamento, como o
investimento em Unidades de Pronto Atendimento, a Política de Financiamento de
Salas de Estabilização em locais de vazio assistencial e no Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU).
O
Ministério alertou ainda a necessidade de melhorar os dados para se pensar na
criação de uma política nacional. “O AVC está pulverizado pelo país e o acesso
a dados claros e consistentes ainda é um desafio. Estamos buscando via
telessaúde um prontuário digital consolidado para termos acesso melhor a esses
dados e decidirmos se as ações precisam ser mais nacionais ou estaduais, por
exemplo”, explica Costa.
A
diretora também diz que é preciso endereçar outros problemas, como o fomento de
campanhas de prevenção para estimular o autocuidado e a construção de mais
estratégias de promoção da saúde, mas garante que a doença é uma prioridade do
órgão. Para a presidente da Rede Brasil AVC, os programas atuais e os recursos
investidos já estão à disposição dos hospitais, mas precisam ser melhor
geridos.
• Tendências de tratamento
Durante
o evento, outras entidades expressaram a falta de acesso a terapia de
trombectomia mecânica, indicado para casos de AVCs mais graves, mas que precisa
ser aplicado em uma janela de tempo. A solução já está incorporada ao SUS, mas
ainda não disponível em todas as localidades. “A inércia é um desafio, muitas
vezes o recurso já está ali, mas falta a iniciativa para utilizá-los
amplamente”, enfatiza Martins.
Dentre
outras tendências no campo do tratamento, o encontro destacou a necessidade de
investir em telemedicina e sua importância na linha de cuidado. Para as
entidades presentes, a telessaúde é essencial para melhorar o acesso e deve ser
o futuro das urgências, como apontou a presidente da Sociedade Brasileira de
AVC, Maramélia Miranda.
Segundo
ela, o aumento da telemedicina é uma tendência e uma necessidade para os
pacientes de acidente vascular. No entanto, para que o Brasil possa utilizar
amplamente essa ferramenta
é
preciso combater alguns problemas como, acesso à internet, falta de médicos
especialistas e principalmente financiamento. “Temos boas experiências com a
telemedicina em Estados que têm redes mais maduras. O problema é a questão do
financiamento, não temos código para a telemedicina no SUS, fica a critério do
governo estadual destinar recursos e isso é um entrave para lugares que não
possuem tantas condições”, relata Miranda.
Nesse
sentido, a diretora do Ministério da Saúde afirma que o governo tem trabalhado
para isso. “A saúde é prioridade e estamos investindo nisso. Estamos destinando
recursos para estratégias em telessaúde, bem como para o Programa de Aceleração
do Crescimento da Saúde, novos hospitais, policlínicas que forneçam atendimento
mais próximo dos usuários. Estamos buscando utilizar melhor os recursos que
temos”, conclui Costa.
Fonte:
Futuro da Saúde
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