sábado, 14 de dezembro de 2024

Por que atraso do La Niña pode ser boa notícia para o Brasil

Previsto para dar seus primeiros sinais a partir de junho de 2024, o La Niña ainda não se manifestou. O fenômeno se confirma sempre que o oceano Pacífico Equatorial fica meio grau mais frio que o normal por, pelo menos, três meses consecutivos. Neste momento, a temperatura da água naquela região está 0,3 °C abaixo da média.

"O Pacífico na área central esfriou razoavelmente, tem uma mancha de água mais fria. Mas a intensidade desse resfriamento não atingiu o ponto necessário para ser considerado La Niña", afirma à DW Marcelo Seluchi, coordenador geral do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).

O La Niña sucederia a outra face do mesmo fenômeno, o El Niño, que superaqueceu as águas do Pacífico de junho de 2023 a junho deste ano. Em sua fase ativa, ele foi responsável por eventos climáticos extremos catastróficos, como a enchente recorde no Rio Grande do Sul, em maio.

A atual neutralidade, ou seja, a ausência desses fenômenos, pode ser uma boa notícia para os brasileiros, explica Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). "Quando temos El Niño e La Niña, temos eventos climáticos extremos. Quando o ano é neutro no Pacífico [sem aquecimento ou resfriamento acima da média], a tendência é que tudo fique mais normal", pontua.

Mas nada é garantido numa era de mudanças climáticas. "Como o clima está meio bagunçado, estamos perdendo a sazonalidade, a normalidade", adiciona Rodrigues.

Nesta quinta-feira (12/12), o boletim divulgado pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA, na sigla em inglês), previu 59% de chances de o La Niña ainda aparecer em breve.

"Não há indicações de que seja de intensidade forte, deve ser uma La Niña fraca", avalia José Marengo, climatologista da Coordenação Geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.

·        A diferença do meio grau

A explicação para o surgimento das manchas mais quentes ou mais frias no Pacífico é complexa. Uma série de fatores influenciam esses fenômenos, como correntes oceânicas, ventos, águas profundas e da superfície remexidas.

A temperatura média do oceano Pacífico é de 26 °C. Quando ela fica meio grau abaixo do normal, o que se configura um episódio de La Niña, os impactos são sentidos em todo o planeta. No Brasil, a região Sul costuma ficar mais seca. Na Amazônia, chove mais – o mesmo acontece na região semiárida do Nordeste.

A última temporada persistiu por três anos, de 2020 a 2023, uma duração considerada rara. O período foi marcado por estiagem no Sul, quebra de safras e a maior crise hídrica dos últimos 78 anos na bacia do Paraná-Prata, que abastece reservatórios vitais para a geração de energia hidrelétrica.

"Desde 2014, estamos vivendo ciclos de El Niño e La Niña o tempo todo. Isso é um problema sério porque eles causam extremos climáticos principalmente na América do Sul", comenta Rodrigues.

·        Efeito cascata

As temperaturas globais dos oceanos estão muito acima da média há mais de um ano. Em novembro não foi exceção, mostram medições da NOAA. Na porção norte do Atlântico, que influencia o clima no Brasil, a temperatura está 0,8 °C acima do normal, o que ajuda a explicar a pouca chuva na Amazônia, abalada por uma estiagem histórica.

"Algumas áreas do Atlântico chegaram a registrar 3 °C a mais que a média, o que é muito raro. Talvez já seja uma evidência do enfraquecimento da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, mais conhecida como Amoc, e isso é seríssimo", comenta Rodrigues.

A Amoc é um grande sistema de correntes que circulam água dentro do oceano Atlântico. Ela traz água quente para o Norte, e carrega água fria para o Sul. Por conta do aquecimento do planeta, ela tem perdido força e ameaça colapsar. "Se isso acontecer, todo o sistema climático muda porque a Amoc não vai mais distribuir o calor, a tendência é que ele se acumule mais perto dos trópicos", explica a cientista da UFSC.

·        Mundo mais quente

Com 2024 muito perto de ser confirmado como o ano mais quente da história moderna, batendo a marca de 2023, a preocupação com o futuro aumenta, diz Seluchi. "O aumento da temperatura do planeta puxa a temperatura dos oceanos, isso aumenta a evaporação. A atmosfera mais quente retem mais essa umidade e essa água toda se torna em algum momento chuvas extremas", explica.

Mais quentes, os oceanos também derretem mais rápido as calotas polares. Na Antártida, grandes estruturas de gelo estão se perdendo. No Ártico, o último verão registrou recordes, segundo a Agência Espacial Europeia. Um estudo recente publicado na Nature Reviews Earth & Environment estima que a região poderá ter dias de verão praticamente sem gelo marinho antes de 2030.

"É muito preocupante. Os modelos matemáticos ainda não conseguem reproduzir a sensibilidade do sistema climático, ou seja, como o sistema todo responde a essas mudanças. O que muda nos processos físicos, na biota, e como isso tudo pode contribuir para o aumento da temperatura global", afirma Rodrigues. "Tem muita gente estudando isso e logo teremos um salto científico, com algumas respostas", complementa.

 

¨         Mega El Niño levou à maior extinção em massa da história

El Niño, um fenômeno cíclico de aquecimento das águas do Oceano Pacífico equatorial e que provoca episódios meteorológicos intensos, foi decisivo para a maior extinção em massa na Terra, há 252 milhões de anos, quando acredita-se que o planeta perdeu cerca de 90% de suas espécies.

Essa é a conclusão de cientistas que apresentaram novas evidências sobre por que a rápida mudança climática no período do Permiano-Triássico foi tão devastadora para a vida marinha e terrestre.

Os resultados do estudo, liderado por pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e da Universidade Chinesa de Geociências em Wuhan, foram publicados na revista Science.

Há muito tempo tem se relacionado na ciência a extinção em massa daquele período a erupções vulcânicas massivas no que hoje é a Sibéria. As emissões de dióxido de carbono resultantes aceleraram rapidamente o aquecimento do clima, provocando o colapso dos ecossistemas marinhos e terrestres.

Mas a razão pela qual a vida terrestre – incluindo plantas e insetos, geralmente resistentes – também teve esse destino ainda era um mistério.

Coautor principal do estudo e pesquisador associado da Universidade de Bristol, Alexander Farnsworth afirma que o aquecimento do clima por si só não pode causar extinções tão devastadoras "porque, como estamos vendo hoje, quando os trópicos se aquecem demais, as espécies migram para latitudes mais altas e frias".

<><> Um clima hostil e selvagem

"Nossa pesquisa revelou que o aumento dos gases de efeito estufa não só esquenta a maior parte do planeta, mas também aumenta a variabilidade meteorológica e climática, tornando-o ainda mais selvagem e hostil à vida", explica Farnsworth.

A catástrofe do Permiano-Triássico demonstra que o problema do aquecimento global não é apenas o calor insuportável, mas também a oscilação extrema das condições de vida ao longo de décadas.

A maior parte dos seres não conseguiu se adaptar a essas condições. "Mas, felizmente, algumas coisas sobreviveram, sem as quais hoje não estaríamos aqui. Foi quase, mas não completamente, o fim da vida na Terra", diz o professor Yadong Sun, da Universidade Chinesa de Geociências de Wuhan e coautor do estudo.

<><> Estudo de isótopos de oxigênio em dentes fossilizados

Para descobrir a magnitude do aquecimento do Permiano-Triássico, os cientistas estudaram os isótopos de oxigênio presentes em dentes fossilizados de conodontos (seres nadadores minúsculos) e analisaram o registro de temperatura desses organismos em todo o mundo, descobrindo um notável colapso dos gradientes de temperatura nas latitudes baixas e médias.

Farnsworth, cuja equipe usou modelos climáticos pioneiros para avaliar os resultados, concluiu que "essencialmente, esquentou demais em todos os lugares". "As mudanças responsáveis pelos padrões climáticos identificados foram profundas porque ocorreram episódios de El Niño muito mais intensos e prolongados do que os atuais, e as espécies simplesmente não estavam preparadas para se adaptar ou evoluir rápido o suficiente."

El Niño do Permiano-Triássico durou muito mais do que um ou dois anos seguidos

Durante os últimos anos, os fenômenos de El Niño provocaram grandes mudanças nos padrões de precipitação e temperatura, como os extremos meteorológicos que provocaram a onda de calor de junho de 2024 na América do Norte, quando as temperaturas registradas ficaram uns 15 graus acima do normal.

O período de 2023-2024 também foi um dos mais quentes registrados a nível mundial devido ao El Niño, que foi agravado por emissões humanas de carbono, provocando secas e incêndios catastróficos em todo o mundo, como observam os autores do estudo no artigo.

Eles apontam que, "felizmente", até agora esses fenômenos só têm durado um ou dois anos seguidos, mas durante a crise do Permiano-Triássico o El Niño persistiu por muito mais tempo, provocando uma década de seca generalizada seguida de anos de inundações.

Naquela época, porém, não havia Oceano Pacífico, e sim o colossal Pantalassa, cuja área era 30% mais extensa na altura do Equador – o que significa que a área de aquecimento anômalo das águas era muito maior e, portanto, tinha maior impacto sobre o clima global.

<><> "Não havia onde se esconder"

Os resultados do estudo também ajudam a explicar a abundância de carvão vegetal nas camadas rochosas daquele período. Paleontólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido, David Bond afirma que os incêndios florestais se tornam muito comuns em climas propensos à seca, e a Terra acabou presa a um estado de crise em que o continente ardia e os oceanos estagnavam, tornando-se pobres em oxigênio. "Não havia onde se esconder."

Esses mega El Niños acabaram retroalimentando a elevação das temperaturas globais, levando à perda de cobertura vegetal. Sem as plantas, que são essenciais para a captura de carbono da atmosfera e a sobrevivência de outros seres, a terra perdeu uma de suas defesas contra o acúmulo de gases causadores do efeito estufa, o que por sua vez tornou os El Niños ainda mais intensos.

Segundo os pesquisadores, a Terra registrou, ao longo de sua história, muitos fenômenos vulcânicos parecidos com os da Sibéria, e muitos causaram extinções – mas argumentam que nenhum provocou uma crise como a do Permiano-Triássico.

Isso também ajuda a entender por que a extinção em massa do Permiano-Triássico no continente aconteceu dezenas de milhares de anos antes da extinção nos oceanos.

"Enquanto os oceanos estavam inicialmente protegidos do aumento das temperaturas, o mega El Niño fez as temperaturas em terra excederem a tolerância térmica da maior parte das espécies em um ritmo tão rápido que elas não puderam se adaptar a tempo", explica Sun. "Só espécies que puderam migrar rapidamente puderam sobreviver, e não havia muitas plantas ou animais que pudessem fazer isso."

A extinção em massa ocorrida naquela época, embora tenha sido devastadora, acabou fazendo dos dinossauros a espécie dominante, até a extinção em massa do período Cretáceo levar ao surgimento dos mamíferos e, eventualmente, dos humanos.

 

Fonte: DW Brasil

 

Nenhum comentário: