Por que
atraso do La Niña pode ser boa notícia para o Brasil
Previsto
para dar seus primeiros sinais a partir de junho de 2024, o La Niña ainda não se
manifestou. O fenômeno se confirma sempre que o oceano Pacífico Equatorial fica
meio grau mais frio que o normal por, pelo menos, três meses consecutivos.
Neste momento, a temperatura da água naquela região está 0,3 °C abaixo da
média.
"O
Pacífico na área central esfriou razoavelmente, tem uma mancha de água mais
fria. Mas a intensidade desse resfriamento não atingiu o ponto necessário para
ser considerado La Niña", afirma à DW Marcelo Seluchi, coordenador geral
do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).
O
La Niña sucederia a outra face do mesmo fenômeno, o El Niño, que superaqueceu
as águas do Pacífico de junho de 2023 a junho deste ano. Em sua fase ativa, ele
foi responsável por eventos
climáticos extremos catastróficos,
como a enchente
recorde no
Rio Grande do Sul, em maio.
A
atual neutralidade, ou seja, a ausência desses fenômenos, pode ser uma boa
notícia para os brasileiros, explica Regina Rodrigues, professora de
Oceanografia Física e Clima na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
"Quando temos El Niño e La Niña, temos eventos climáticos extremos. Quando
o ano é neutro no Pacífico [sem aquecimento ou resfriamento acima da média], a
tendência é que tudo fique mais normal", pontua.
Mas
nada é garantido numa era de mudanças
climáticas.
"Como o clima está meio
bagunçado, estamos perdendo a sazonalidade, a normalidade", adiciona
Rodrigues.
Nesta
quinta-feira (12/12), o boletim divulgado pela Administração Nacional Oceânica
e Atmosférica dos EUA (NOAA, na sigla em inglês), previu 59% de chances de o La
Niña ainda aparecer em breve.
"Não
há indicações de que seja de intensidade forte, deve ser uma La Niña
fraca", avalia José Marengo, climatologista da Coordenação Geral de
Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.
·
A
diferença do meio grau
A
explicação para o surgimento das manchas mais quentes ou mais frias no Pacífico
é complexa. Uma série de fatores influenciam esses fenômenos, como correntes
oceânicas, ventos, águas profundas e da superfície remexidas.
A
temperatura média do oceano Pacífico é de 26 °C. Quando ela fica meio grau
abaixo do normal, o que se configura um episódio de La Niña, os impactos são
sentidos em todo o planeta. No Brasil, a região Sul costuma ficar mais seca. Na
Amazônia, chove mais – o mesmo acontece na região semiárida do Nordeste.
A
última temporada persistiu por três anos, de 2020 a 2023, uma duração
considerada rara. O período foi marcado por estiagem no Sul, quebra de safras e
a maior crise hídrica dos últimos 78 anos na bacia do Paraná-Prata, que
abastece reservatórios vitais para a geração de energia hidrelétrica.
"Desde
2014, estamos vivendo ciclos de El Niño e La Niña o tempo todo. Isso é um
problema sério porque eles causam extremos climáticos principalmente na América
do Sul", comenta Rodrigues.
·
Efeito
cascata
As
temperaturas globais dos oceanos estão muito acima da média há mais de um ano.
Em novembro não foi exceção, mostram medições da NOAA. Na porção norte do
Atlântico, que influencia o clima no Brasil, a temperatura está 0,8 °C acima do
normal, o que ajuda a explicar a pouca chuva na Amazônia, abalada por uma
estiagem histórica.
"Algumas
áreas do Atlântico chegaram a registrar 3 °C a mais que a média, o que é muito
raro. Talvez já seja uma evidência do enfraquecimento da Célula de Revolvimento
Meridional do Atlântico, mais conhecida como Amoc, e isso é seríssimo",
comenta Rodrigues.
A
Amoc é um grande sistema de correntes que circulam água dentro do oceano
Atlântico. Ela traz água quente para o Norte, e carrega água fria para o Sul.
Por conta do aquecimento do planeta, ela tem perdido força e ameaça colapsar.
"Se isso acontecer, todo o sistema climático muda porque a Amoc não vai
mais distribuir o calor, a tendência é que ele se acumule mais perto dos
trópicos", explica a cientista da UFSC.
·
Mundo
mais quente
Com
2024 muito perto de ser confirmado como o ano mais
quente da história moderna,
batendo a marca de 2023, a preocupação com o futuro aumenta, diz Seluchi.
"O aumento da temperatura do planeta puxa a temperatura dos oceanos, isso
aumenta a evaporação. A atmosfera mais quente retem mais essa umidade e essa
água toda se torna em algum momento chuvas extremas", explica.
Mais
quentes, os oceanos também derretem mais rápido as calotas polares. Na
Antártida, grandes estruturas de gelo estão se perdendo. No Ártico, o último
verão registrou recordes, segundo a Agência Espacial Europeia. Um estudo
recente publicado na Nature Reviews
Earth & Environment estima que a região poderá ter dias de
verão praticamente sem gelo marinho antes de 2030.
"É
muito preocupante. Os modelos matemáticos ainda não conseguem reproduzir a
sensibilidade do sistema climático, ou seja, como o sistema todo responde a
essas mudanças. O que muda nos processos físicos, na biota, e como isso tudo
pode contribuir para o aumento da temperatura global", afirma Rodrigues.
"Tem muita gente estudando isso e logo teremos um salto científico, com
algumas respostas", complementa.
¨
Mega El Niño levou à maior extinção em massa da
história
O El Niño, um fenômeno
cíclico de aquecimento das águas do Oceano Pacífico equatorial e que
provoca episódios meteorológicos intensos, foi decisivo para a maior extinção em massa na Terra, há 252 milhões
de anos, quando acredita-se que o planeta perdeu cerca de 90% de suas espécies.
Essa é a conclusão de
cientistas que apresentaram novas evidências sobre por que a rápida mudança
climática no período do Permiano-Triássico foi tão devastadora para a vida
marinha e terrestre.
Os resultados do estudo,
liderado por pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e da
Universidade Chinesa de Geociências em Wuhan, foram publicados na revista
Science.
Há muito tempo tem se
relacionado na ciência a extinção em massa daquele período a erupções
vulcânicas massivas no que hoje é a Sibéria. As emissões de dióxido de carbono
resultantes aceleraram rapidamente o aquecimento do clima, provocando o colapso
dos ecossistemas marinhos e terrestres.
Mas a razão pela qual a vida
terrestre – incluindo plantas e insetos, geralmente resistentes – também teve
esse destino ainda era um mistério.
Coautor principal do estudo
e pesquisador associado da Universidade de Bristol, Alexander Farnsworth afirma
que o aquecimento do clima por si só não pode causar extinções tão devastadoras
"porque, como estamos vendo hoje, quando os trópicos se aquecem demais, as
espécies migram para latitudes mais altas e frias".
<><> Um clima
hostil e selvagem
"Nossa pesquisa revelou
que o aumento dos gases de efeito estufa não só esquenta a maior parte do
planeta, mas também aumenta a variabilidade meteorológica e climática,
tornando-o ainda mais selvagem e hostil à vida", explica Farnsworth.
A catástrofe do
Permiano-Triássico demonstra que o problema do aquecimento global não é apenas
o calor insuportável, mas também a oscilação extrema das condições de vida ao
longo de décadas.
A maior parte dos seres não
conseguiu se adaptar a essas condições. "Mas, felizmente, algumas coisas
sobreviveram, sem as quais hoje não estaríamos aqui. Foi quase, mas não
completamente, o fim da vida na Terra", diz o professor Yadong Sun, da
Universidade Chinesa de Geociências de Wuhan e coautor do estudo.
<><> Estudo de
isótopos de oxigênio em dentes fossilizados
Para descobrir a magnitude
do aquecimento do Permiano-Triássico, os cientistas estudaram os isótopos de
oxigênio presentes em dentes fossilizados de conodontos (seres nadadores
minúsculos) e analisaram o registro de temperatura desses organismos em todo o
mundo, descobrindo um notável colapso dos gradientes de temperatura nas
latitudes baixas e médias.
Farnsworth, cuja equipe usou
modelos climáticos pioneiros para avaliar os resultados, concluiu que
"essencialmente, esquentou demais em todos os lugares". "As
mudanças responsáveis pelos padrões climáticos identificados foram profundas
porque ocorreram episódios de El Niño muito mais intensos e prolongados do que
os atuais, e as espécies simplesmente não estavam preparadas para se adaptar ou
evoluir rápido o suficiente."
El Niño do
Permiano-Triássico durou muito mais do que um ou dois anos seguidos
Durante os últimos anos, os
fenômenos de El Niño provocaram grandes mudanças nos padrões de precipitação e
temperatura, como os extremos meteorológicos que provocaram a onda de calor de
junho de 2024 na América do Norte, quando as temperaturas registradas ficaram
uns 15 graus acima do normal.
O período de 2023-2024
também foi um dos mais quentes registrados a nível mundial devido ao El Niño,
que foi agravado por emissões humanas de carbono, provocando secas e incêndios
catastróficos em todo o mundo, como observam os autores do estudo no artigo.
Eles apontam que,
"felizmente", até agora esses fenômenos só têm durado um ou dois anos
seguidos, mas durante a crise do Permiano-Triássico o El Niño persistiu por
muito mais tempo, provocando uma década de seca generalizada seguida de anos de
inundações.
Naquela época, porém, não
havia Oceano Pacífico, e sim o colossal Pantalassa, cuja área era 30% mais
extensa na altura do Equador – o que significa que a área de aquecimento
anômalo das águas era muito maior e, portanto, tinha maior impacto sobre o
clima global.
<><> "Não
havia onde se esconder"
Os resultados do estudo
também ajudam a explicar a abundância de carvão vegetal nas camadas rochosas
daquele período. Paleontólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido, David
Bond afirma que os incêndios florestais se tornam muito comuns em climas
propensos à seca, e a Terra acabou presa a um estado de crise em que o continente
ardia e os oceanos estagnavam, tornando-se pobres em oxigênio. "Não havia
onde se esconder."
Esses mega El Niños acabaram
retroalimentando a elevação das temperaturas globais, levando à perda de
cobertura vegetal. Sem as plantas, que são essenciais para a captura de carbono
da atmosfera e a sobrevivência de outros seres, a terra perdeu uma de suas
defesas contra o acúmulo de gases causadores do efeito estufa, o que por sua
vez tornou os El Niños ainda mais intensos.
Segundo os pesquisadores, a
Terra registrou, ao longo de sua história, muitos fenômenos vulcânicos
parecidos com os da Sibéria, e muitos causaram extinções – mas argumentam que
nenhum provocou uma crise como a do Permiano-Triássico.
Isso também ajuda a entender
por que a extinção em massa do Permiano-Triássico no continente aconteceu
dezenas de milhares de anos antes da extinção nos oceanos.
"Enquanto os oceanos
estavam inicialmente protegidos do aumento das temperaturas, o mega El Niño fez
as temperaturas em terra excederem a tolerância térmica da maior parte das
espécies em um ritmo tão rápido que elas não puderam se adaptar a tempo",
explica Sun. "Só espécies que puderam migrar rapidamente puderam
sobreviver, e não havia muitas plantas ou animais que pudessem fazer
isso."
A extinção em massa ocorrida
naquela época, embora tenha sido devastadora, acabou fazendo dos dinossauros a
espécie dominante, até a extinção em massa do período Cretáceo levar ao
surgimento dos mamíferos e, eventualmente, dos humanos.
Fonte: DW Brasil
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