segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Luís Nassif: Xadrez do caso Marielle e do pacto de Braga Netto com Bolsonaro

Aqui se mostra como o general Braga Netto negociou seu cargo no governo Bolsonaro, em troca do abafamento das investigações sobre o assassinato de Marielle.

“General Villas Bôas, o que já conversamos ficará entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, disse Bolsonaro ao comandante do Exército durante evento no Ministério da Defesa

No dia 2 de janeiro de 2019, durante cerimônia de posse do novo Ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, em seu primeiro dia como Presidente, Jair Bolsonaro soltou uma frase enigmática para o general Villas Bôas, cujo mandato se encerrava ali.

Qual o teor da conversa? Provavelmente passou pelo caso Marielle Franco. E pode explicar porque, até hoje, não foi desvendado o crime contra Marielle Franco.

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Foi um crime de repercussão internacional, em que o provável assassino foi detido quase um ano depois, já encerradas as eleições e Jair Bolsonaro empossado presidente, mantido isolado de qualquer contato com o mundo, criando o mais relevante segredo político dos tempos modernos: quem foi o mandante? Como se prende o assassino e não se identifica o mandante?

O próprio Ministro da Justiça do governo Temer, Raul Jungmann, declarou, certa vez, ter certeza da existência de “poderosos” por trás da morte de Marielle.

Uma cronologia ajudará, se não a elucidar, pelo menos a entender melhor a conspiração que levou Bolsonaro ao poder.

No dia 5 de janeiro de 2018 Bolsonaro lançou-se candidato à presidência,

Doze dias depois, no dia 17 de janeiro de 2018, o comandante do Exército, general Villas Bôas, dava o nihil obstat da força a Bolsonaro, garantindo que não haveria mais restrições a ele.

Em pouco tempo, Bolsonaro deixou de ser uma sombra e se tornou possibilidade concreta de vencer as eleições. No dia 31 de janeiro, o Datafolha já sustentava que o único candidato capaz de vencê-lo seria Lula.

No dia 16 de fevereiro de 2018, o governo Michel Temer promulga o decreto de intervenção militar no Rio de Janeiro e nomeia como interventor o general Braga Netto. Bolsonaro critica a forma branda da intervenção, mas vota a favor.

No dia 13 de março de 2018, Braga Netto muda o comando da Polícia, tornando-se o responsável direto pela segurança no estado.

No dia 14 de março de 2018 ocorre o assassinato de Marielle. As investigações ficam sob responsabilidade de Braga Netto, o interventor.

Nos dias seguintes, Braga Netto repudia os assassinatos e promete punir os assassinos.

No dia 7 de junho de 2018, Bolsonaro visita o general Villas Bôas, no primeiro encontro formal entre ambos.

No dia 14 de junho de 2018, Braga Netto informa ao Ministro Jungman possuir indícios claros sobre o assassino e os mandantes.

No dia 31 de agosto de 2018, Braga Netto garante que o crime será solucionado antes do final da intervenção.

No dia 28 de outubro de 2018 Bolsonaro é eleito presidente no 2º turno.

No dia 23 de novembro de 2018, Jungman fala da certeza de “poderosos” por trás da morte de Marielle.

No dia 31 de dezembro de 2018 termina a intervenção no Rio de Janeiro.

No dia 11 de janeiro de 2019, ainda cumprindo funções burocráticas finais do período da intervenção, Braga Netto diz saber quem matou Marielle, em uma declaração inacreditável.

Lógico que eu gostaria de ter entregado o caso, mas o próprio novo chefe de Homicídios (delegado do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) deu uma entrevista dizendo que já tomou conhecimento e viu que está muito adiantado (o trabalho de investigação). Nós fizemos todo um trabalho. Nós não procuramos protagonismo. Eu poderia ter anunciado quem a gente acha que foi, dito ao Richard (Nunes, ex-secretário de Segurança) para anunciar. Mas a gente quis fazer um trabalho profissional. Tenho confiança que se mantiver as equipes que estavam na investigação vão chegar a um resultado em breve”, disse o general de Exército.

No mesmo dia, disse que a intervenção evitou “achismos” sobre a morte de Marielle.

Na cerimônia de troca do comando do Exército, em 11 de janeiro de 2019, o general Villas Bôas saúda Bolsonaro, diz que sua eleição trouxe “renovação e liberação das amarras ideológicas”. E diz que Bolsonaro, Sérgio Moro e Braga Netto “fizeram história”.

Não agradece ao Ministro Luis Roberto Barroso que, tirando Lula da disputa, pavimentou a vitória de Bolsonaro. Provavelmente, por considerá-lo apenas um inocente útil.

Moro asssumiu o cargo de Ministro da Justiça e, menos de um mês depois, Bolsonaro nomeou Braga Netto para o mais importante cargo do governo, o de Ministro-Chefe da Casa Civil, responsável por toda a interlocução do Presidente com demais Ministérios e com o Congresso. Era um general recém-saído da ativa, sem nenhuma experiência política, que não fazia parte do círculo de amizades ou alianças de Bolsonaro. Mas era integrante do trio de salvação nacional, os afilhados do general Villas Bôas, os novos condestáveis de uma república chamada de Brasil.

Além disso, desde meados de 2018 havia uma disputa surda entre olavistas e militares, por cargos no governo Bolsonaro. A escolha de Braga Netto para a Casa Civil faz o pêndulo virar definitivamente para a ala militar.

No dia 13 de março de 2019, é preso Ronnie Lessa, como provável assassino de Marielle. Fica-se sabendo que morava no mesmo condomínio de Bolsonaro, a poucos metros de sua casa, era contrabandista de armas. Ao mesmo tempo, descobrem-se as ligações do vereador Carlos Bolsonaro com o Escritório do Crime, empregando parentes de Adriano da Nóbrega, o chefe do Escritório.

Aceitou-se como normal que Bolsonaro, ligado ao submundo do Exército e das milícias, com ligações diretas com os principais responsáveis pelo Escritório do Crime, morando a algumas dezenas de metros da casa de Ronnie Lessa, sustentasse não ter relações maiores de conhecimento com ele.

Nos meses seguintes, houve um jogo de varrer a sujeira para baixo do tapete, do qual participaram o Ministro da Justiça Sérgio Moro e procuradoras do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.

O jogo culminou com a informação de que, horas antes do assassinato de Marielle, houve uma reunião na casa de Ronnie Lessa, no próprio condomínio de Bolsonaro, do qual saiu o carro conduzindo o assassino.

Seguiu-se um jogo de apagar-pistas, com Carlos Bolsonaro confiscando o sistema de telefonia do condomínio, Sérgio Moro, colocando a Polícia Federal no encalço do porteiro – que sustentava que o motorista pediu, primeiro, para ir à casa de Bolsonaro, as procuradoras do MPE simulando uma perícia no sistema. E a mídia inteira engolindo o álibi de Bolsonaro de que, na hora, da ligação, estava em Brasilia.

Nem a informação de que o PABX do condomínio estava ligado nos telefones fixos e celulares dos moradores comoveu a imprensa.

Junto com Marielle, o jornalismo corporativo também havia sido assassinado.

 

¨      Golpista Braga Netto ficará sob custódia do exército

Neste sábado (14), foi preso pela Polícia Federal o General Braga Netto, homem de confiança de Bolsonaro, por sua participação nas conspirações golpistas em 2022, obstrução de justiça e outras questões. Para além do que está sendo anunciado como investigado, Braga Netto é vinculado a muito do que há de mais reacionário da política no país nos últimos anos, como foi a Intervenção Federal no Rio de Janeiro, onde assassinaram Marielle Franco. Foi quem escolheu o Rivaldo Barbosa como chefe da Polícia Civil, que está preso por envolvimento no assassinato de Marielle e Anderson.

O fato de ser a primeira vez na história das Forças Armadas que um general quatro estrelas é preso, em si mesmo, é um símbolo da impunidade histórica que tem os militares no país. É o motivo pelo qual Braga Netto e tantos outros militares e policiais participaram de conspirações golpistas com Bolsonaro e em tantos outros momentos da história nacional. O general ficará sob custódia do próprio exército, e figuras como o reacionário Mourão se apressaram em defendê-lo.

Braga Netto não é “caso isolado” de umas Forças Armadas que são “democráticas”. Ele expressa o que é o Alto Comando dessa instituição que historicamente está a serviço da burguesia e cumpre um papel reacionário ao longo da história, e que resolveu mais uma vez ter protagonismo na política nacional a partir da Lava Jato e do golpe institucional de 2016.

Com a paralisia do movimento de massas alentada pelas burocracias, que não convocam ações contra a extrema direita e nem pelas demandas operárias e populares, organizando no máximo um ato que foi uma grande farsa no último dia 10, são as instituições do regime político como o judiciário, que assumem o “protagonismo”, buscando se legitimar. Mas foi o judiciário que foi parte de alentar o golpe institucional de 2016 e a volta dos militares com peso na política, assim como são parte dos que sustentam historicamente a impunidade dos militares. O fato é que as forças do regime junto ao governo de Lula-Alckmin miram somente em uma parcela dos responsáveis pelas medidas e ações da extrema direita e fazem isso com objetivo de legitimar sua própria atuação, que também é contra a classe trabalhadora e alenta toda a retirada de direitos. Os setores que vão além cogitam, no máximo, responsabilizar Bolsonaro e punir alguns de seu clã. No próprio governo de Lula, o ministro da Defesa, José Múcio, não somente é um aliado dos militares desde os tempos do Arena, partido da ditadura, como havia saudado as manifestações bolsonaristas nos quartéis como “manifestações da democracia”.

Precisamos construir uma luta para impor punição a todos os militares e civis que tramaram as ações golpistas, sem nenhuma confiança no judiciário que avalizou a chegada desses militares ao poder. Junto com isso, batalhar contra tudo aquilo que mantém o poder militar no Brasil, começando pelo artigo 142, o fim da anistia aos militares e também o fim dos tribunais militares e dos inúmeros privilégios materiais da caserna, tudo isso que o judiciário vai querer manter intacto. Construir essa batalha é a única maneira de atacar a impunidade dos militares e forças policiais, rompendo com o pacto que a sustenta a partir das instituições desse regime, defendendo também o julgamento e punição contra todos os responsáveis civis e militares pelos crimes de Estado durante o regime militar, os quais Lula buscou apagar aos 60 anos do golpe. Todas as grandes empresas vinculadas ao bolsonarismo, que financiaram suas ações, precisam ser expropriadas e estatizadas sob controle dos trabalhadores, a começar pelas do agronegócio, com uma reforma agrária radical.

É preciso que as centrais sindicais rompam com essa política de paralisia, subserviente aos interesses burgueses do regime em que estão. Somente a classe trabalhadora, auto-organizada a partir dos centros nevrálgicos que fazem funcionar a sociedade capitalista, pode unir a luta por nenhuma anistia ao alto mando civil e militar a uma resposta operária à crise, como o fim da escala 6x1 e da violência policial e por justiça para as vítimas da violência do Estado, que são demandas que surgiram fortemente no país recentemente. É urgente um plano de luta que combine essas demandas e a luta contra o ajuste fiscal neoliberal em curso proposto pelo governo Lula e que está em discussão no parlamento. Uma plano de luta assim pode avançar para impor a revogação integral de todas as reformas e privatizações que são a herança econômica do golpe institucional de 2016, que as centrais colaboram para que se mantenha intocada, delegando às instituições enfrentar o bolsonarismo com interesses inconciliáveis aos da classe trabalhadora brasileira e ao povo pobre.

 

¨      Relatório, mariposas indiciadas, punhal verde-rosa e o golpe, da burrice. Por Jean Menezes de Aguiar

Alguém imagina o sr. Marcos Willians, popularmente Marcola, CEO do PCC, pedindo ‘pacificação’ ao Poder Judiciário? Delinquentes típicos, com crimes no Código Penal, têm direito de pedir ‘pacificação’, ou anistia? Só rindo...

Em 26.3.24, usei a frase de 6 palavras de Elio Gaspari, na Folha, ‘O golpe de Bolsonaro era público’, num artigo jurídico, ‘Crimes contra as instituições democráticas e a pedra cantada’, publicado no Portal Migalhas. Analisava ali 2 crimes, Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, e Golpe de Estado, art. 359, incisos L e M, ambos no Código Penal. Uma leitura meio hermética, dadas as dificuldades do Direito Penal. Os crimes são graves e complexos. Exigem criminosos capacitados, gente qualificada, de alto nível, com inteligência para cálculos, análises e projeções. Mentes toscas jamais vão conseguir uma empreitada criminal destas.

Era totalmente improvável que da política improvável, sabidamente do baixo clero, conseguissem, ao fim de tudo, derrotar sistemas, competências, estruturas, órgãos e Poderes constitucionais estabelecidos, bem como democraticamente sedimentados. Além de ainda vencer a maioria da população, sabidamente democrática, para reimplantar uma nova, e sempre cafona e criminosa, ditadura militar, bem coisa de republiqueta terceiro-mundista.

Mas, como disse o magistrado Luiz Roberto, do STF, chegou-se perto de um desastre. Pode-se, entretanto, extrair uma certeza: a democracia, enquanto valor, venceu. Aquele povo ideologicamente tacanho, às portas dos quarteis clamando pelo crime de ‘intervenção militar’, ou seja, golpe e ditadura, e todo um outro que o apoiou mas continua enrustido, perderam. Nem aquele sobrenatural movimento gaúcho, de novembro de 2022, invocando extraterrestres com celulares acesos sobre as cabeças, pedindo o fim da democracia conseguiu afetar a estrutura.

Por outro lado, se se passou por pouco, com uma vitória apertada, pode-se dizer que, simetricamente, houve uma imensa derrota, de muitos. Ou seja, mesmo os muitos que apoiaram um típico golpe de Estado, conforme o relatório policial, não conseguiram transformar a democracia brasileira em ditadura. Ou será que agora a tão queridinha polícia federal, para esses tantos aí, com um relatório repleto de provas, teria ... enlouquecido?

Também, os criminosos do 8 de janeiro, regularmente condenados e presos, sentiram o gosto da otarice, do abandono e, claro, agora, da traição. Se até militares já começaram a ser fritados e atirados aos leões, na nova versão golpe-punhal-verde-pink, dificilmente aquela delinquência do 8 de janeiro quererá praticar novos crimes. Tudo bem que cadeia aperfeiçoa mentes bandidas e safadas, ali há cursos e treinamentos, coachs e bons professores. É esperar para ver.

O longo, detalhado e certeiro relatório policial apresentado ao Ministério Público, é para lá de desconcertante, tamanhas as provas obtidas, autênticas, como imagens e falas. Só quem não leu, e não consegue ler, nada, continuará jurando que o relatório é uma invenção, uma conspiração, que agora a polícia lulizou, ou outra idiotice típica de mentes escapistas. E devedoras.

O trabalho policial foi irretorquível. Quase 900 páginas de centenas de provas. Isso mesmo provas em abundância.

Triste é o país ainda atrair este tipo de pensamento criminosamente golpista, socialmente atrasado, mas sobretudo bastante ligado a uma burrice agressiva, daquela estudada por Carlo Cipolla, por exemplo, no livro As leis da estupidez humana, com suas 4 categorias: inteligente, vulnerável, bandido e estúpido. Esta última categoria bem típica desses empreendimentos que além de sempre darem errado, envergonham, pela quantidade de estupidez pública e espumosa. 

Viva o Supremo, viva o Ministério Público, viva o povo brasileiro democrático.

 

Fonte: Jornal GGN/Esquerda Diário/Brasil 247

 

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