Como provocar raiva
nos outros nas redes sociais virou negócio lucrativo
"Recebo muito
ódio", diz a criadora de conteúdo Winta Zesu.
Em 2023, ela ganhou
US$ 150 mil (cerca de R$ 900 mil) com postagens nas redes sociais.
O que diferencia
Zesu de outros influenciadores é que as pessoas que comentam nas suas postagens
e levam tráfego para os seus vídeos, muitas vezes, são levadas pela raiva.
"Cada vídeo
meu teve milhões de visualizações devido aos comentários de ódio", explica a
jovem de 24 anos.
Nos vídeos, ela
documenta a vida de uma modelo na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Seu
maior problema é ser bonita demais.
O que algumas
pessoas que fazem comentários não percebem é que Zesu está interpretando uma
personagem.
"Recebo muitos
comentários desagradáveis", conta ela, do seu apartamento em Nova York.
"As pessoas dizem 'você não é a menina mais bonita' ou 'por favor, baixe a
bola, você tem confiança demais'."
Winta Zesu faz
parte de um grupo cada vez maior de criadores online que elaboram conteúdo que
serve de "isca de ódio" (rage-baiting, em inglês).
O objetivo é
simples: gravar vídeos, produzir memes e escrever postagens que provoquem raiva
visceral nas pessoas. Com isso, elas contam milhares, até milhões de curtidas e
compartilhamentos.
O rage-baiting é
diferente do seu primo clickbait, muito comum na internet. Neste, usa-se
uma manchete para incentivar o leitor a clicar para ver um vídeo ou reportagem.
"A isca de
ódio é criada para manipular as pessoas", diz a produtora de podcasts de
marketing Andréa Jones.
Mas a atração
exercida pelo conteúdo negativo sobre a psicologia humana está incrustada em
nós, segundo William Brady, que estuda as interações do cérebro com as novas
tecnologias.
"No passado,
este era o tipo de conteúdo em que realmente precisávamos prestar
atenção", explica ele. "Por isso, temos esses vieses embutidos na
nossa atenção e no nosso aprendizado."
O crescimento das
iscas de ódio coincidiu com o aumento do pagamento por conteúdo, por parte das
principais plataformas de redes sociais.
Esses programas de
criadores recompensam os usuários pelas curtidas, comentários e
compartilhamentos. Eles permitem a postagem de conteúdo patrocinado e são
considerados responsáveis pelo aumento do rage-baiting.
"Se
observarmos um gato, nós dizemos 'oh, que bonito' e rolamos a imagem. Mas, se
virmos alguém fazendo algo obsceno, podemos comentar 'isso é terrível'",
explica Jones. "E o algoritmo considera este tipo de comentário como
engajamento de melhor qualidade."
"Quanto mais
conteúdo um usuário criar, mais engajamento ele consegue e mais ele
recebe", prossegue ela, com ar preocupado. "Por isso, alguns
criadores farão de tudo para conseguir mais visualizações, mesmo se for algo
negativo ou se incitar a raiva e o ódio nas pessoas. Isso gera desvinculação."
O conteúdo criado
para gerar ódio pode vir de muitas formas, desde receitas de alimentos absurdos
até ataques contra o seu astro pop favorito. Mas, em um ano de
eleições em todo o mundo como 2024, a prática também se difundiu para a
política, especialmente nos Estados Unidos.
Brady observa que
"houve um pico no período que antecedeu as eleições [americanas], pois é
uma forma eficaz de mobilizar seu grupo político para talvez votar e
agir".
Ele destaca que as
eleições americanas foram fracas em questões políticas, mas centralizadas em
torno do ódio. "Elas foram hiperfocadas em 'Trump é horrível por este
motivo' ou 'Harris é horrível por aquela razão'."
Uma investigação da
repórter especializada em redes sociais da BBC Marianna Spring descobriu que
usuários do X (antigo Twitter) estavam recebendo "milhares de dólares" da plataforma
de rede social por compartilhar conteúdo que incluía desinformação, imagens geradas por IA e teorias da
conspiração.
Estudiosos destas
tendências estão preocupados com o excesso de conteúdo negativo, que pode levar
a pessoa média a se "desligar".
"Pode ser
muito cansativo ter todas essas emoções fortes, todo o tempo", afirma a
professora de comunicações Ariel Hazel, da Universidade de Michigan, nos
Estados Unidos. "Isso os desliga do ambiente jornalístico e estamos
observando cada vez mais pessoas evitando ativamente as notícias em todo o
mundo."
Outros se preocupam
com a normalização do ódio fora da internet e os efeitos prejudiciais sobre a
confiança das pessoas no conteúdo que elas observam.
"Os algoritmos
amplificam o ódio e fazem as pessoas pensarem que aquilo é mais normal",
afirma o psicólogo social William Brady.
Brady destaca que
"o que sabemos de certas plataformas, como o X, é que o conteúdo
extremista político, na verdade, é produzido por uma fração muito pequena da
sua base de usuários, mas os algoritmos podem amplificar aquilo como se fosse
uma grande maioria".
A BBC entrou em
contato com as principais redes sociais sobre a prática
de rage-baiting nas suas plataformas, mas não recebeu resposta até a
publicação desta reportagem.
Em outubro de 2024,
o executivo da Meta Adam Mosseri comentou no Threads o
"aumento das iscas de engajamento" na plataforma. Ele destacou:
"Estamos trabalhando para mantê-las sob controle."
Já seu concorrente
Elon Musk, dono da plataforma X, anunciou
recentemente alterações
no seu Programa de Compartilhamento de Receita com Criadores.
O programa irá
recompensar os criadores de conteúdo com base no engajamento dos usuários
premium do site, como suas curtidas, respostas e repostagens. Os pagamentos
anteriores se baseavam nos anúncios observados pelos usuários premium.
O TikTok e o
YouTube oferecem aos usuários a possibilidade de ganhar dinheiro com suas
postagens ou compartilhando conteúdo patrocinado. Mas as duas plataformas têm
regras que permitem desmonetizar ou suspender os perfis que postarem
desinformação. Já o X não tem orientações similares a este respeito.
Nossa conversa com
Winta Zesu em Nova York ocorreu dias antes das eleições americanas e não
poderíamos deixar de falar de política.
"Não concordo
com pessoas que usam iscas de ódio por motivos políticos", disse a
criadora de conteúdo. "Se eles estiverem realmente usando aquilo para
informar e instruir as pessoas, tudo bem. Mas, se eles usarem para espalhar
desinformação, discordo totalmente."
"Isso deixa de
ser brincadeira", conclui ela.
Fonte: Por Sam
Gruet e Megan Lawton, repórteres de tecnologia, BBC News
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