Por que cada vez
menos pessoas têm plano B na carreira
Chris
tem 35 anos e trabalha na indústria de animação há mais de uma década. Ele
ainda fica animado com suas tarefas semanais.
Chris
adora o seu emprego, mas a instabilidade financeira o está forçando a
considerar outras opções.
“A
indústria não investe no planejamento de produção de longo prazo, nem na
retenção de talentos”, explica ele. “Por isso, quando a produção acaba, você é
descartado – sem rescisão, sem nada.”
No
passado, ele conseguia lidar com as incertezas. Mas, agora, ele quer ter filhos
e as flutuações do fluxo de caixa estão ficando problemáticas.
Por
isso, o animador (que mora na Califórnia, nos Estados Unidos) pensa em se mudar
para uma “carreira alternativa” em design de experiência do usuário, um mercado
que está crescendo rapidamente com salários relativamente altos. Ele considera
que esta é uma opção bastante segura.
Muitos
outros profissionais como Chris têm um plano B para o caso de sua carreira não
decolar – uma espécie de retorno em um setor mais estável, ao qual eles podem
se voltar se a sua carreira original não der certo.
Em
alguns casos, essa contingência pode estar em um campo relacionado aos seus
hobbies e interesses. Em outros, é um campo tolerável que consegue pagar as
contas.
Essencialmente,
a carreira alternativa é um setor com muitos empregos e segurança, geralmente
estável, mesmo com fortes ventos contrários na economia.
Os
profissionais que assumem empregos em setores voláteis ou seletivos podem se
sentir seguros por saberem que têm uma opção “estável” se a sua primeira
escolha de carreira não funcionar.
“Ter um plano B de carreira mais ‘seguro’
atende à necessidade das pessoas de sentir segurança e confiança para buscar
carreiras menos tradicionais”, afirma a cientista comportamental Sarah Henson,
da plataforma digital de coach de carreiras CoachHub.
De
fato, ao longo dos anos, ter um plano B na manga era geralmente uma
possibilidade realista. Mas, atualmente, com os altos custos da nova formação,
o burnout da indústria e a instabilidade nos setores tradicionalmente seguros,
migrar para uma carreira preparada com antecedência não é tão fácil, ou mesmo
possível, como era no passado.
• O custo da nova formação
Não
existem carreiras “à prova de falhas”. Mas muitos profissionais consideram
manter um plano B em setores como a educação ou o comércio, que são mais
estáveis.
No
caso de Chris, ele está se mudando para um setor que parece estar se expandindo
rapidamente e procurando talentos com conhecimento das novas tecnologias.
As
carreiras alternativas têm fama de permanecerem fortes – em sua maioria, elas
parecem estáveis ou suficientemente “seguras” frente às mudanças do panorama
econômico.
“Esses
cargos tendem a estar onde existe falta de conhecimento e, por isso, eles
oferecem boas perspectivas de trabalho”, afirma a professora Fiona Christie, da
Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido. Ela é especializada
em empregabilidade e recém-formados.
É
verdade que a maioria desses empregos realmente é estável, mas buscar uma nova
carreira, muitas vezes, exige novo treinamento ou formação, o que custa tempo e
dinheiro. É claro que sempre foi assim, mas as condições econômicas atuais
estão fazendo com que fique mais difícil absorver estes custos adicionais.
“Existem
barreiras significativas para novos treinamentos, incluindo o pagamento do
curso simultaneamente aos custos básicos de vida e a possibilidade de reduzir
as horas de trabalho para fins de estudo”, segundo Catherine Foot, diretora do
centro de pesquisa e debates Phoenix Insights, mantido pela seguradora
britânica Phoenix Group.
“Isso
foi exacerbado pela elevação do custo de vida, que coloca mais pressão sobre a
renda disponível”, explica ela.
No
Reino Unido, dados de 2021 da organização dedicada à educação vocacional City
& Guilds demonstram que os cidadãos britânicos que gostariam de mudar de
carreira estão preocupados com os custos do novo treinamento, particularmente
entre os profissionais com 25 a 34 anos de idade.
Estes
temores são exacerbados pelo fato de que muitas pessoas estão economizando
menos dinheiro em meio à atual instabilidade econômica. Dados do final de 2022
do Federal Reserve Bank de St. Louis, nos Estados Unidos, demonstram, por
exemplo, que os norte-americanos conseguem agora economizar apenas 2,4% da sua
renda disponível, contra cerca de 34% no auge da pandemia.
Estas
são preocupações de Tiffany, que tem 30 anos de idade e está ansiosa para mudar
de carreira, depois de passar uma década trabalhando no setor culinário.
“Mesmo
em uma padaria respeitada, que paga altos salários, estou tendo dificuldade
para não me sentir culpada por comprar sapatos ou alimentos”, ela conta. “A
animação seria minha próxima carreira ideal, mas o grande problema são os
estudos – simplesmente não tenho dinheiro para me sustentar.”
Tiffany
mora em Minnesota, nos Estados Unidos. Para ela, pedir um empréstimo parece
“assustador”, já que ela receia nunca ganhar o suficiente para pagar a dívida e
ainda cobrir suas despesas normais.
Já
para Chris, evitar os gastos com educação está definindo sua estratégia sobre a
mudança de carreira. Ele definiu o design de experiência de usuário porque não
precisaria estudar em tempo integral.
“Como
tenho mais de 30 anos e estou a ponto de formar família, quero evitar ter que
voltar para a escola e perder renda com isso”, ele conta.
Mudar
de carreira é difícil para muitas pessoas, mas pode ser particularmente
problemático para aquelas que não dispõem de “uma rede de segurança financeira,
como economias familiares” ou que têm a responsabilidade de cuidar de outras
pessoas, segundo Christie.
Além
disso, como os salários perdem terreno em meio às turbulências da economia,
alguns profissionais estão ganhando uma pausa para sair dos seus empregos
atuais. Os dados do City & Guilds demonstram que mais de 25% dos cidadãos
britânicos pesquisados estão preocupados com os salários de outras carreiras.
Os dados mostram que as pessoas com 25 a 34 anos de idade são as mais preocupadas.
Um
profissional que conseguiu fazer essa mudança é Lee, de 36 anos.
Depois
de trabalhar como técnico musical freelancer por seis anos, ele quis um emprego
mais sólido e confiável, com padrão de trabalho fixo e benefícios. E, para
ajudá-lo, ele herdou algum dinheiro de um parente e investiu nos estudos para
se tornar professor de ensino médio.
Mas,
mesmo com a receita inesperada, os custos de vida têm sido um problema na
transição para a carreira que ele esperava ser a garantia do sucesso.
Lee
precisou se mudar para uma região mais cara na Inglaterra, para ficar perto da
escola onde estudava. Com isso, seu aluguel disparou no ano passado.
E,
sem receber salário no seu primeiro ano de magistério, ele precisou trabalhar
também como tutor para cobrir suas despesas e está exausto de gerenciar tudo
aquilo.
“Eu
sempre tive o magistério em mente, mas não teria conseguido dar o salto sem o
dinheiro que entrou”, ele conta. “E, mesmo agora, estou pensando se fiz a
escolha certa. Com a inflação e tudo o mais, [o dinheiro] não durou tanto
quanto planejei.”
• Novo tipo de instabilidade
O
cenário profissional atual também está prejudicando a viabilidade de algumas
dessas carreiras alternativas tradicionais.
“Muitos
setores, mesmo aqueles que tradicionalmente eram considerados opções ‘seguras’,
como TI ou direito, também enfrentaram desemprego e mudanças organizacionais em
níveis alarmantes”, afirma Henson.
Por
isso, os profissionais estão repensando os empregos que antes eram considerados
seguros, com salários decentes e, às vezes, até muito altos.
O
setor de tecnologia, por exemplo, foi atingido por uma onda significativa de
demissões em massa, que ainda não chegou ao fim.
Em
2022, o setor presenciou a maior onda de demissões nos Estados Unidos desde o
estouro da “bolha pontocom”, no início dos anos 2000. Mais funcionários do
setor de tecnologia foram demitidos em 2022 do que em 2021 e 2020, somados.
Como
os cargos são limitados, aquelas funções que pareciam sempre ter demanda podem
não existir mais – e não se sabe se elas irão voltar, especialmente com as
novas tecnologias ameaçando eliminar ou, pelo menos, mudar significativamente
os empregos.
No
Reino Unido, por exemplo, milhares de professores e enfermeiros entraram em
greve, devido ao excesso de trabalho e aos baixos salários.
Os
dados indicam que o burnout está aumentando nesses setores. Este é um problema
que foi exacerbado pela pandemia e está afastando os profissionais existentes,
em vez de incentivar a vinda de novos trabalhadores.
Uma
pesquisa realizada em 2022 pelo instituto YouGov entre professores com 34 anos
de idade ou menos demonstra que, se pudessem voltar atrás, dois em cada cinco
deles hoje não seriam professores.
“Não
podemos mais idealizar este tipo de plano B de carreira, nem acreditar que ele
esteja firme e a pleno vapor”, afirma Christie.
• ‘Eu me pergunto se fiz a escolha certa’
Mudanças
como essas aumentaram a incerteza sobre o futuro das carreiras alternativas – e
até mesmo da própria ideia de um plano B de carreira.
Mas
nem tudo são más notícias: os avanços da educação na pandemia reduziram um
desses problemas.
“Três
anos se passaram e a demanda por ferramentas digitais de aprendizado e
desenvolvimento permanece alta. O ensino à distância mostrou-se uma forma
conveniente para que as pessoas desenvolvam seu crescimento individual no seu
próprio ritmo”, segundo Henson.
“Além
da oferecerem valiosos conhecimentos que estão em alta demanda, as ferramentas
de ensino à distância permitem que os profissionais experimentem realizar as
tarefas relacionadas ao novo emprego, garantindo que eles tomem a decisão
correta antes de saltarem para o plano B em outro setor”, afirma ele.
Tiffany
afirma que assistiu a aulas online de design gráfico gratuitas para aprender o
básico e espera que isso ajude no seu progresso.
Mas
não é possível obter nova formação online em todos os setores. Alguns deles
exigem treinamento prático ou intensos períodos de estudos e exames, com horas
de experiência profissional (normalmente, com pagamento simbólico ou, como Lee,
sem pagamento). Tudo isso dificulta ainda mais o ingresso nesses setores que,
antes, eram seguros, especialmente em tempos de retração da economia.
Lee
ainda está buscando sua nova formação como professor, mas pretende trabalhar
como entregador à noite e nos feriados, para suplementar seus ganhos como
tutor. Ele acredita que, quando começar a ganhar dinheiro como professor
qualificado, irá se sentir financeiramente mais estável.
“Não
muito tempo atrás, voltar a estudar para ser professor parecia um caminho
delicado, mas atraente”, ele conta. “Agora, percebo que desfazer a vida, voltar
a pegar os livros e receber pouco para isso é uma mudança bastante arriscada –
em qualquer momento.”
“Só
espero que valha a pena e vou ficar feliz quando chegar lá.”
*Os
sobrenomes de Chris, Tiffany e Lee são omitidos para manter sua segurança
profissional.
Fonte:
BBC Worklife
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