Nem senti, diz
paciente de tratamento que “congela” câncer de mama
A
psicóloga Cristina Frias Reina, 62 anos, descobriu um nódulo no seio durante
exames de rotina na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de sua casa, na
Vila Prudente (zona leste de SP), em março de 2021. O diagnóstico foi seguido
de uma proposta para participar de um estudo que está testando um novo tipo de
tratamento contra o câncer de mama. Seis meses depois, veio uma notícia boa:
ela estava livre do câncer por conta do procedimento que consiste em “matar de
frio” o tumor.
“Quando
eu conto para as pessoas que fiz um tratamento que congela o câncer, penso,
‘nossa, como que não senti nada?’ Não tem frio, não tem calor: só fiquei com a
região mais endurecida. É interessante quando os médicos explicam que congela e
esquenta [o nódulo], porque você realmente não sente nada”, conta a psicóloga,
que fez todo o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A
crioablação para câncer de mama consiste em introduzir uma agulha no interior
do tumor e submetê-lo a uma temperatura muito baixa – entre -140°C a -160°C –
para congelar as células tumorais. A agulha utilizada é aquecida, depois de
resfriada. Estes ciclos de frio e calor permitem que a temperatura esfrie o
suficiente na região do tumor, mas sem lesar o tecido mamário que fica em torno
da agulha, já que o congelamento se dá apenas na sua extremidade.
O
procedimento inovador está sendo realizado no Brasil desde 2021, quando teve
início uma pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o
Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desde o
final do ano passado, a pesquisa inclui também o hospital HCor (Hospital do
Coração).
“É
usada uma agulha de calibre pequeno que desprende de seu interior um gás de
argônio ou nitrogênio. Essa agulha é colocada dentro do nódulo e são feitos
vários ciclos até se obter o total congelamento do tumor”, explica Silvio
Bromberg, mastologista do Albert Einstein e coordenador do estudo.
De
acordo com o médico, uma das vantagens deste tratamento é poder controlar, em
tempo real, o alcance do processo de resfriamento e aquecimento. “A gente
enxerga, por ultrassom, a agulha penetrando e congelando o tecido. Vai se
formando uma bola de gelo, e é como se você colocasse um palito de picolé. Você
consegue controlar o quanto essa espécie de ‘bola de gelo’ deve crescer”, conta
o médico.
Os
primeiros resultados do estudo, publicados em março deste ano, sugerem que o
tratamento em testes no país pode ter alta eficácia no combate a tumores
pequenos e com pouca chance de recorrência.
Pesquisas
similares realizadas nos Estados Unidos e no Japão também já mostraram bons
resultados. Alguns experimentos ainda em andamento sugerem que pode não ser
necessária a cirurgia para retirar o nódulo depois da crioablação já que, com
as células tumorais inativas, o câncer não se espalha mais.
No
caso da psicóloga, a cirurgia foi necessária porque, no estudo em curso no
Brasil, todas as pacientes têm os tumores retirados e analisados para medir a
eficácia do procedimento. Além disso, elas passam por exames de ressonância
magnética para checar se o tratamento retirou todo o tecido afetado.
Felizmente, o resultado da análise da paciente foi positivo.
“Quando
veio o resultado dos meus exames, eles me informaram que houve 100% de
eficácia, ou seja, que não tinha restado nada do câncer mesmo. E isso foi ótimo
porque depois da cirurgia de retirada do tumor eu fiz só radioterapia, não
precisei fazer quimioterapia. Foi um grande alívio”, conta.
Estudo
inédito
A
ideia por trás do uso da crioablação para câncer de mama não é nova. Isto
porque os pesquisadores já sabem que o frio tem capacidade de matar células,
provocar microtrombos na vascularização do nódulo e congelar os vasos
intratumorais, o que faz com que a área fique sem irrigação.
Diante
desses efeitos já conhecidos, os médicos passaram a explorar a possibilidade de
usar o congelamento para provocar a morte do tecido tumoral, especialmente para
nódulos pequenos. Ainda não se sabe como esta técnica pode evoluir nos próximos
anos, mas estudos em andamento no exterior já sugerem que a recorrência da
doença, após o tratamento, é baixa.
Apesar
de já estar em uso em outros países, a crioablação para câncer de mama ainda é
novidade no Brasil: o estudo que envolve os hospitais Israelita Albert
Einstein, São Paulo e Hcor é o primeiro do tipo no país.
Os
mastologistas Bromberg, do Albert Einstein e Afonso Celso Pinto Nazário, da
Unifesp e HCor, coordenam a pesquisa ao lado da mastologista Vanessa Sanvido,
da Unifesp, contam que o projeto teve início pouco antes da pandemia de
Covid-19, e houve uma dificuldade inicial na seleção de pacientes.
“A
gente estava vendo um número muito pequeno de novos diagnósticos, e os casos
que apareciam eram muito avançados. Tínhamos poucos [casos] iniciais, que é o
que a gente pode tratar com este método no momento. Daí surgiu a ideia de
incluir mais um hospital, o Hcor, que a gente acha que vai contribuir para
chegar ao total de participantes mais cedo”, explica Bromberg.
Até
agora, 14 pacientes já foram submetidas ao procedimento, em um estudo que deve
incluir 30 voluntárias. Para evitar que o congelamento afete a pele, os tumores
que podem ser submetidos a este tratamento, segundo o protocolo de pesquisa
atual, devem ter até 2,5 centímetros de diâmetro e precisam ter sido
diagnosticados como nódulos malignos de baixa agressividade.
As
pacientes que se enquadram nesses critérios fazem, em um mesmo dia, mamografia,
ultrassom, ressonância magnética e o procedimento de crioablação, todos
realizados no Hospital Israelita Albert Einstein. Depois, os mesmos exames são
repetidos e, finalmente, a cirurgia para retirada do nódulo é agendada no
Hospital São Paulo ou Hcor, onde também ocorrem os diagnósticos iniciais.
Voluntárias
são indicadas pelos médicos
Não
é possível se candidatar ao estudo, pois todas as participantes são indicadas
pelos próprios médicos, que verificam se os casos atendem aos requisitos do
protocolo. Foi o caso da psicóloga, que recebeu a proposta quando estava dando
início ao seu tratamento pelo SUS.
“Logo
após o meu diagnóstico, quando os médicos do Hospital São Paulo viram o tamanho
do meu nódulo, um olhou para o outro e logo falaram que era o tamanho certo
para a pesquisa. Aí me contaram o que era crioablação, porque nunca tinha
ouvido falar nesse método para câncer de mama”, lembra.
“Não
tive dúvida, logo de cara quis participar. Muita gente tem medo, mas eles me
passaram muita tranquilidade, e foram muito claros na hora de explicar o
estudo”, afirma a paciente.
Segundo
Bromberg, além da psicóloga paulistana, outras sete pacientes, das 14 que
fizeram a crioablação, já tiveram os resultados analisados. “A gente já fez 14
casos, e temos a análise de oito deles. A taxa de ablação completa foi de 88%,
ou seja, em 88% dos casos o câncer foi inteiramente destruído. Quando
consideramos a erradicação somente da doença na forma invasiva, que é a mais
agressiva, nossa taxa de sucesso foi de 100%”, afirma o coordenador da
pesquisa.
“A
análise da ressonância magnética é importante porque precisamos ter certeza,
através do exame, que o tumor desapareceu. Até agora vimos que a ressonância
acertou sobre o desaparecimento do tumor na forma invasiva em 100% dos casos, o
que é muito promissor, completa Bromberg.
Os
resultados positivos animam os pesquisadores e os pacientes e seus familiares,
que se impressionam com a rapidez do tratamento.
“Meus
irmãos me acompanharam durante todo o processo, e todo mundo ficou chocado com
o atendimento. Eu sou a única da família que não tem convênio, eu confio
bastante no SUS, e esse meu lado otimista me diz sempre que vai dar tudo certo.
E, na hora que eu mais precisei, deu tudo certo mesmo”, comemora a paciente.
Inteligência artificial ajuda no
diagnóstico precoce de câncer de mama
A
medicina dá mais um passo importante em busca do diagnóstico precoce do câncer
de mama. Um estudo publicado no Radiology, o jornal da Sociedade Radiológica da
América do Norte (RSNA, na sigla em inglês), mostra que os riscos da doença
podem ser identificados mais cedo com a ajuda da inteligência artificial (IA).
O
pesquisador Vignesh Arasu, um dos integrantes da tese, revelou ao portal
norte-americano Healthline que gostaria de dar aos pacientes uma imagem mais
clara dos perigos da doença por meio do estudo.
Unsplash/Reprodução
O
resultado mostrou que a inteligência artificial poderia superar um dos modelos
clínicos atuais de avaliação e, assim, prever o risco de uma pessoa desenvolver
câncer de mama em cinco anos. “Isso sugere que a IA usada sozinha ou combinada
com modelos atuais de previsão de risco fornece um novo caminho para o
prognóstico de ameaças futuras”, disse Arasu ao Healthline.
Vignesh
revelou que a equipe começou a tese identificando mais de 324 mil mulheres que
fizeram mamografia na Kaiser Permanente Northern California, em 2016, e não
tinham sinais do tumor. Em seguida, os pesquisadores reduziram a análise para
um subgrupo aleatório de 13.628 participantes. As pacientes, com idade média de
60 anos, foram acompanhadas até 2021.
“Em
seguida, procuramos ver quais desenvolveram câncer de mama entre 2016 e 2021.
Descobrimos que havia 4.584 mulheres diagnosticadas com o tumor”, explicou
Arasu.
E
acrescentou: “Avaliamos cinco algoritmos de inteligência artificial e geramos
uma pontuação para as mamografias negativas dessas mulheres de 2016. Essas
pontuações são destinadas à detecção de câncer de mama, mas agora avaliamos se
elas poderiam prever o risco da doença em cinco anos”.
Embora
os resultados sejam promissores, Vignesh afirma que mais estudos sobre o tema
são necessários a fim de “tornar os algoritmos ainda mais precisos”.
De
acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de mama é o tumor
que mais acomete mulheres no mundo. A neoplasia atinge mais de 2 milhões de
pessoas e causa, em média, 627 mil óbitos, segundo a Organização Pan-Americana
de Saúde (OPAS).
“A
identificação de novos fatores nos ajudaria a identificar mulheres que poderiam
se beneficiar de mais exames de câncer com o objetivo de diminuir diagnósticos
avançados e mortes por causa da doença”, concluiu Arasu.
Fonte:
Agência Einstein/Metrópoles
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