domingo, 2 de julho de 2023

Nem senti, diz paciente de tratamento que “congela” câncer de mama

A psicóloga Cristina Frias Reina, 62 anos, descobriu um nódulo no seio durante exames de rotina na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de sua casa, na Vila Prudente (zona leste de SP), em março de 2021. O diagnóstico foi seguido de uma proposta para participar de um estudo que está testando um novo tipo de tratamento contra o câncer de mama. Seis meses depois, veio uma notícia boa: ela estava livre do câncer por conta do procedimento que consiste em “matar de frio” o tumor.

“Quando eu conto para as pessoas que fiz um tratamento que congela o câncer, penso, ‘nossa, como que não senti nada?’ Não tem frio, não tem calor: só fiquei com a região mais endurecida. É interessante quando os médicos explicam que congela e esquenta [o nódulo], porque você realmente não sente nada”, conta a psicóloga, que fez todo o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A crioablação para câncer de mama consiste em introduzir uma agulha no interior do tumor e submetê-lo a uma temperatura muito baixa – entre -140°C a -160°C – para congelar as células tumorais. A agulha utilizada é aquecida, depois de resfriada. Estes ciclos de frio e calor permitem que a temperatura esfrie o suficiente na região do tumor, mas sem lesar o tecido mamário que fica em torno da agulha, já que o congelamento se dá apenas na sua extremidade.

O procedimento inovador está sendo realizado no Brasil desde 2021, quando teve início uma pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desde o final do ano passado, a pesquisa inclui também o hospital HCor (Hospital do Coração).

“É usada uma agulha de calibre pequeno que desprende de seu interior um gás de argônio ou nitrogênio. Essa agulha é colocada dentro do nódulo e são feitos vários ciclos até se obter o total congelamento do tumor”, explica Silvio Bromberg, mastologista do Albert Einstein e coordenador do estudo.

De acordo com o médico, uma das vantagens deste tratamento é poder controlar, em tempo real, o alcance do processo de resfriamento e aquecimento. “A gente enxerga, por ultrassom, a agulha penetrando e congelando o tecido. Vai se formando uma bola de gelo, e é como se você colocasse um palito de picolé. Você consegue controlar o quanto essa espécie de ‘bola de gelo’ deve crescer”, conta o médico.

Os primeiros resultados do estudo, publicados em março deste ano, sugerem que o tratamento em testes no país pode ter alta eficácia no combate a tumores pequenos e com pouca chance de recorrência.

Pesquisas similares realizadas nos Estados Unidos e no Japão também já mostraram bons resultados. Alguns experimentos ainda em andamento sugerem que pode não ser necessária a cirurgia para retirar o nódulo depois da crioablação já que, com as células tumorais inativas, o câncer não se espalha mais.

No caso da psicóloga, a cirurgia foi necessária porque, no estudo em curso no Brasil, todas as pacientes têm os tumores retirados e analisados para medir a eficácia do procedimento. Além disso, elas passam por exames de ressonância magnética para checar se o tratamento retirou todo o tecido afetado. Felizmente, o resultado da análise da paciente foi positivo.

“Quando veio o resultado dos meus exames, eles me informaram que houve 100% de eficácia, ou seja, que não tinha restado nada do câncer mesmo. E isso foi ótimo porque depois da cirurgia de retirada do tumor eu fiz só radioterapia, não precisei fazer quimioterapia. Foi um grande alívio”, conta.

Estudo inédito

A ideia por trás do uso da crioablação para câncer de mama não é nova. Isto porque os pesquisadores já sabem que o frio tem capacidade de matar células, provocar microtrombos na vascularização do nódulo e congelar os vasos intratumorais, o que faz com que a área fique sem irrigação.

Diante desses efeitos já conhecidos, os médicos passaram a explorar a possibilidade de usar o congelamento para provocar a morte do tecido tumoral, especialmente para nódulos pequenos. Ainda não se sabe como esta técnica pode evoluir nos próximos anos, mas estudos em andamento no exterior já sugerem que a recorrência da doença, após o tratamento, é baixa.

Apesar de já estar em uso em outros países, a crioablação para câncer de mama ainda é novidade no Brasil: o estudo que envolve os hospitais Israelita Albert Einstein, São Paulo e Hcor é o primeiro do tipo no país.

Os mastologistas Bromberg, do Albert Einstein e Afonso Celso Pinto Nazário, da Unifesp e HCor, coordenam a pesquisa ao lado da mastologista Vanessa Sanvido, da Unifesp, contam que o projeto teve início pouco antes da pandemia de Covid-19, e houve uma dificuldade inicial na seleção de pacientes.

“A gente estava vendo um número muito pequeno de novos diagnósticos, e os casos que apareciam eram muito avançados. Tínhamos poucos [casos] iniciais, que é o que a gente pode tratar com este método no momento. Daí surgiu a ideia de incluir mais um hospital, o Hcor, que a gente acha que vai contribuir para chegar ao total de participantes mais cedo”, explica Bromberg.

Até agora, 14 pacientes já foram submetidas ao procedimento, em um estudo que deve incluir 30 voluntárias. Para evitar que o congelamento afete a pele, os tumores que podem ser submetidos a este tratamento, segundo o protocolo de pesquisa atual, devem ter até 2,5 centímetros de diâmetro e precisam ter sido diagnosticados como nódulos malignos de baixa agressividade.

As pacientes que se enquadram nesses critérios fazem, em um mesmo dia, mamografia, ultrassom, ressonância magnética e o procedimento de crioablação, todos realizados no Hospital Israelita Albert Einstein. Depois, os mesmos exames são repetidos e, finalmente, a cirurgia para retirada do nódulo é agendada no Hospital São Paulo ou Hcor, onde também ocorrem os diagnósticos iniciais.

Voluntárias são indicadas pelos médicos

Não é possível se candidatar ao estudo, pois todas as participantes são indicadas pelos próprios médicos, que verificam se os casos atendem aos requisitos do protocolo. Foi o caso da psicóloga, que recebeu a proposta quando estava dando início ao seu tratamento pelo SUS.

“Logo após o meu diagnóstico, quando os médicos do Hospital São Paulo viram o tamanho do meu nódulo, um olhou para o outro e logo falaram que era o tamanho certo para a pesquisa. Aí me contaram o que era crioablação, porque nunca tinha ouvido falar nesse método para câncer de mama”, lembra.

“Não tive dúvida, logo de cara quis participar. Muita gente tem medo, mas eles me passaram muita tranquilidade, e foram muito claros na hora de explicar o estudo”, afirma a paciente.

Segundo Bromberg, além da psicóloga paulistana, outras sete pacientes, das 14 que fizeram a crioablação, já tiveram os resultados analisados. “A gente já fez 14 casos, e temos a análise de oito deles. A taxa de ablação completa foi de 88%, ou seja, em 88% dos casos o câncer foi inteiramente destruído. Quando consideramos a erradicação somente da doença na forma invasiva, que é a mais agressiva, nossa taxa de sucesso foi de 100%”, afirma o coordenador da pesquisa.

“A análise da ressonância magnética é importante porque precisamos ter certeza, através do exame, que o tumor desapareceu. Até agora vimos que a ressonância acertou sobre o desaparecimento do tumor na forma invasiva em 100% dos casos, o que é muito promissor, completa Bromberg.

Os resultados positivos animam os pesquisadores e os pacientes e seus familiares, que se impressionam com a rapidez do tratamento.

“Meus irmãos me acompanharam durante todo o processo, e todo mundo ficou chocado com o atendimento. Eu sou a única da família que não tem convênio, eu confio bastante no SUS, e esse meu lado otimista me diz sempre que vai dar tudo certo. E, na hora que eu mais precisei, deu tudo certo mesmo”, comemora a paciente.

 

       Inteligência artificial ajuda no diagnóstico precoce de câncer de mama

 

A medicina dá mais um passo importante em busca do diagnóstico precoce do câncer de mama. Um estudo publicado no Radiology, o jornal da Sociedade Radiológica da América do Norte (RSNA, na sigla em inglês), mostra que os riscos da doença podem ser identificados mais cedo com a ajuda da inteligência artificial (IA).

O pesquisador Vignesh Arasu, um dos integrantes da tese, revelou ao portal norte-americano Healthline que gostaria de dar aos pacientes uma imagem mais clara dos perigos da doença por meio do estudo.

Unsplash/Reprodução

O resultado mostrou que a inteligência artificial poderia superar um dos modelos clínicos atuais de avaliação e, assim, prever o risco de uma pessoa desenvolver câncer de mama em cinco anos. “Isso sugere que a IA usada sozinha ou combinada com modelos atuais de previsão de risco fornece um novo caminho para o prognóstico de ameaças futuras”, disse Arasu ao Healthline.

Vignesh revelou que a equipe começou a tese identificando mais de 324 mil mulheres que fizeram mamografia na Kaiser Permanente Northern California, em 2016, e não tinham sinais do tumor. Em seguida, os pesquisadores reduziram a análise para um subgrupo aleatório de 13.628 participantes. As pacientes, com idade média de 60 anos, foram acompanhadas até 2021.

“Em seguida, procuramos ver quais desenvolveram câncer de mama entre 2016 e 2021. Descobrimos que havia 4.584 mulheres diagnosticadas com o tumor”, explicou Arasu.

E acrescentou: “Avaliamos cinco algoritmos de inteligência artificial e geramos uma pontuação para as mamografias negativas dessas mulheres de 2016. Essas pontuações são destinadas à detecção de câncer de mama, mas agora avaliamos se elas poderiam prever o risco da doença em cinco anos”.

Embora os resultados sejam promissores, Vignesh afirma que mais estudos sobre o tema são necessários a fim de “tornar os algoritmos ainda mais precisos”.

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de mama é o tumor que mais acomete mulheres no mundo. A neoplasia atinge mais de 2 milhões de pessoas e causa, em média, 627 mil óbitos, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

“A identificação de novos fatores nos ajudaria a identificar mulheres que poderiam se beneficiar de mais exames de câncer com o objetivo de diminuir diagnósticos avançados e mortes por causa da doença”, concluiu Arasu.

 

Fonte: Agência Einstein/Metrópoles

 

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