Em viagem pela
Europa, Lula pretende (re)colocar Brasil 'no centro da política mundial', dizem
analistas
O
presidente brasileiro encerrou suas visitas a Portugal e Espanha, onde foi
recebido por suas mais altas autoridades. A relação União Europeia-Mercosul e a
crise na Ucrânia foram os temas centrais.
Na
Espanha, ao final de sua curta passagem pela Europa, Luiz Inácio Lula da Silva
se reuniu com o anfitrião, o primeiro-ministro Pedro Sánchez, e o rei Felipe
VI.
O
líder sul-americano destacou a importância da presidência espanhola do Conselho
da União Europeia, no segundo semestre de 2023.
Na
opinião dos dois dirigentes, a posição de Madri representa uma oportunidade
"extraordinária" para fechar um possível acordo de livre comércio
entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.
Ambos
os presidentes estão cientes de que a concretização desse tratado é difícil
devido à relutância de alguns países do bloco europeu. É o caso da França, por
exemplo.
"Lula
busca colocar o Brasil mais uma vez no centro da política mundial. Com o
governo anterior de Jair Bolsonaro, o país ficou em uma posição de pária em
relação à histórica política externa nacional. E agora também há a intenção do
Brasil de trazer a União Europeia para mais perto do Mercosul", disse o
doutor em Ciência Política, Guilherme Simões Reis, para a Sputnik.
A
Sputnik também conversou com Pedro Silva Barros, ex-diretor de Assuntos
Econômicos da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
"Com
este encontro na Espanha fica evidente o interesse político, diplomático e
comercial do atual governo do Brasil. E há também uma importante conotação
política: reforçar a amizade histórica entre o Partido dos Trabalhadores [PT,
de Lula] e o Partido Socialista Trabalhador Espanhol [PSOE, de Sánchez]",
disse o entrevistado.
O
especialista destacou a intenção de Lula de "reforçar a imagem do Brasil
não apenas como um país ligado à integração regional [América Latina e Caribe],
que não é contrária às suas relações com a Europa, mas sim um elo com este
continente. Não há uma competição, mas uma complementaridade".
Durante
sua estada em Madri, Lula defendeu a necessidade de "promover um movimento
de paz" que permita uma saída para o conflito na Ucrânia.
Cabe
lembrar que a Espanha — como membro da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) — condenou a operação militar especial russa na Ucrânia, iniciada
em fevereiro de 2022, e apoia Kiev no contexto do conflito.
Ao
participar da cerimônia de encerramento do Encontro Empresarial Espanha-Brasil,
o presidente sul-americano destacou a necessidade de "tentar encontrar um
denominador comum para alcançar a paz".
"A
política do Brasil é de não alinhamento ativo. Nas últimas semanas, o assessor
presidencial de Lula esteve em Moscou e foi recebido pelo presidente Vladimir
Putin. E, mais recentemente, o chanceler russo foi recebido por Lula em
Brasília", disse Silva Barros.
Segundo
o analista, "o Brasil busca o diálogo e não apoia nenhuma das partes [no
conflito na Ucrânia]. O país não está alinhado com os Estados Unidos e nem com
a Rússia".
Ø
Brasil rejeita
novas exigências europeias para acordo UE-Mercosul; pacto pode travar de novo
Novas
exigências europeias enviadas recentemente transformam compromissos voluntátios
do Brasil em obrigações vinculantes, manobra considerada como arriscada pelo
Itamaraty, uma vez que a negociação comercial já foi concluída.
Um
dos passos mais esperados no campo do comércio internacional para o Brasil é a
finalização do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que se arrasta para
ser ratificado há 23 anos.
Após
resistência europeia à gestão Bolsonaro, os europeus sinalizaram, com a vitória
de Luiz Inácio Lula da Silva, que voltariam a conversar sobre o acordo quando a
nova gestão começasse.
As
tratativas de fato recomeçaram, contudo, o lado europeu fez ainda mais
exigências ambientais aos países-membros do Mercosul, e o governo Lula já teria
se posicionado sinalizando que não aceitará os compromissos ambientais extras
sejam exigidos, segundo a coluna de Jamil Chade no UOL.
Para
Lula, existe um espaço real para que o tratado seja finalmente assinado. Mas o
temor do governo brasileiro é de que as economias mais protecionistas do bloco
europeu usem os aspectos ambientais para justificar a criação de novos
obstáculos ou mesmo medidas restritivas às exportações nacionais, escreve o
jornalista.
Em
entrevista ao El Pais nesta quinta-feira (27) Lula disse que "estamos em
2023 e a proposta ainda é impossível de aceitar. Vamos propor mudanças".
O
mandatário esteve em Portugal e na Espanha nestes últimos dias e o assunto foi
posto na mesa. Em Lisboa, o tema foi inserido na declaração conjunta entre os
dois países, mas as nações mercosulinas não estariam satisfeitas com o
andamento da negociação.
Há
duas semanas, a União Europeia apresentou um projeto para tentar superar o
impasse nas negociações com o Brasil e, assim, concluir o acordo, mas o texto
adicional ampliava as exigências ambientais, em um gesto considerado pelo
Itamaraty como uma manobra que pode até mesmo ameaçar o tratado.
Pelo
novo pacto, os países teriam de assumir uma série de compromissos ambientais,
de biodiversidade e sobre direitos humanos. O ponto mais delicado é que o novo
texto transforma o que são compromissos voluntários do Brasil sobre o clima em
obrigações vinculantes.
Um
dos argumentos usados pelo governo brasileiro é de que os europeus já adotaram
protocolos extras em outros tratados comerciais, mas os documentos jamais
significaram condições adicionais. Um exemplo citado é o acordo entre a Europa
e o Canadá, outro importante exportador agrícola.
No
protocolo adicional, há apenas uma lista de esclarecimentos sobre alguns dos
pontos mais sensíveis do tratado comercial. Mas não a imposição de novas
exigências.
Internamente,
escreve o jornalista, o governo Lula acredita que, se os europeus querem atuar
para ajudar o Brasil com o meio ambiente, não precisam fazer exigências. Eles
podem recorrer ao Fundo da Amazônia e investir para ajudar o país a reduzir o
desmatamento.
A
interpretação, é que o pacto Mercosul-União Europeia trata-se de uma negociação
comercial já concluída, e que tal protocolo extra não poderia ser apresentado
como uma carta de adesão com assinatura, como querem os europeus.
Com
as negociações concluídas em 28 de junho de 2019, o pacto entre o bloco
sul-americano e europeu ainda dependente do processo de revisão, assinatura e
ratificação para entrar em vigor.
Ø
Posição
de Lula sobre Ucrânia é 'contrária' à UE, mas 'Europa precisa de aliados', diz
especialista
O
presidente do governo espanhol e o presidente brasileiro passaram em revista a
cooperação bilateral no quadro da negociação do acordo entre a UE e o Mercosul,
"difícil" de concretizar, segundo analistas que destacam a figura
"esmagadora" de Lula e o mundo "emergente" que representa.
Os líderes divergiram sobre as perspectivas de paz na Ucrânia.
Na
véspera, após o encontro de Luiz Inácio Lula da Silva com a ministra da
Economia espanhola, Nadia Calviño, e representantes do mundo empresarial do
país, o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, reuniu-se no Palácio da
Moncloa com o seu homólogo brasileiro para discutir diversos aspectos da
cooperação bilateral em um contexto dominado pelas negociações sobre a
renovação do acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, bem como as
perspectivas de uma paz negociada na Ucrânia.
Durante
a coletiva de imprensa, após o encontro e as perguntas dos jornalistas, os dois
dirigentes deixaram claras as suas divergências quanto ao envio de armas para a
Ucrânia, mas também a sua vontade de transigir para avançar nas negociações que
resultem na renovação do acordo entre Bruxelas e Mercosul. Embora o presidente
espanhol tenha admitido que há países europeus que nutrem "dúvidas",
destacou a necessidade do acordo "porque a Europa precisa de
aliados".
"A
hora do acordo é agora, espero que este ano, quando o Brasil presidir o
Mercosul e a Espanha a União Europeia", destacou Sánchez.
Conforme
explicou à Sputnik o diretor do Centro Estratégico Latino-Americano de
Geopolítica (CELAG), Alfredo Serrano Mancilla, a dificuldade da UE e da Espanha
em fechar acordos com o Mercosul também vem do governo brasileiro anterior.
"Porque na era Bolsonaro se incentivava uma individualização das relações
políticas e econômicas com a UE. Agora Lula defende o fortalecimento interno do
Mercosul como bloco para chegar a acordos com a UE", diz o especialista.
"Na
realidade, a UE é contra o Mercosul porque o Mercosul significa abrir a porta a
importações brutais de cereais, carne e energia", comenta o cientista
político Jorge Verstrynge à Sputnik ao qualificar o acordo como "problemático".
No entanto, ele admite que tal negociação pode funcionar como um
"truque" diante de algum apoio às teses da UE sobre a resolução do
conflito na Ucrânia.
Outros
atores na negociação
"A
proposta brasileira sobre a Ucrânia é muito interessante, embora seja apenas
propositiva, ela propõe atores terceiros como mediadores", explica o
analista da área latino-americana do portal internacional de análises
Deciphering War, Néstor Prieto, à Sputnik.
No
entanto, Prieto adverte que é preciso "ler as letras miúdas" de tal
proposta "porque Lula depois fez declarações contraditórias".
"Mas o que está claro", continua ele, "é que é antitético ao que
a UE representa." Em sua opinião, Pedro Sánchez pode ter tentado baixar o
tom da proposta brasileira que, assim como a da China, tira o papel dos EUA.
"Porque Sánchez está tentando ter uma projeção internacional, se
identificando como um aliado de confiança dos EUA e adaptando um discurso
marcadamente atlantista e europeísta", diz o especialista.
Para
Jorge Verstrynge, uma das tarefas de Pedro Sánchez durante o encontro "sem
dúvida" foi suavizar a proposta de paz de Lula. "É preciso levar em
conta que neste momento não há governos na Europa, o que há são franqueados em
nome dos EUA, então aqui eles vão fazer o que Washington pede deles. E Lula não
quer ser um delegado, entre outras coisas, porque tem um país muito importante
e tem a chance de defender suas decisões."
Durante
a entrevista à mídia, Lula foi questionado diretamente se considera que a
Crimeia e Donbass pertencem à Ucrânia. "Não sou eu que tenho de decidir de
quem são, temos de conversar e são coisas da responsabilidade destes dois
países", declarou.
E
sobre se o envio de armas espanholas para Kiev poderia ser um obstáculo para a
Espanha se juntar ao grupo de países pela paz, ele disse: "Quando você se
senta para negociar, você deve considerar estas coisas. Primeiro você deve
parar a guerra e aí começamos a conversar. A Espanha vai fazer o que tem que
fazer, o Brasil não pode dizer nada a ela, não pode interferir. Mas não sei o
que pode acontecer se a guerra se arrastar, temos que trabalhar para evitar um
infortúnio maior", afirmou.
Surgiu
e decolou
"Vamos
buscar que o Banco do BRICS seja um grande banco de investimentos, o Brasil vai
voltar a crescer e contamos com a Espanha para avançar nos acordos. O Brasil
voltou", declarou Lula. A afirmação, explica Néstor Prieto, significa que
o gigante latino-americano "se afirma como um ator importante diante de um
Bolsonaro que olhava mais para a política interna, já que era um negador de
espaços multilaterais, só olhava para os EUA e Israel".
"O
Brasil tem uma importância geoeconômica e geopolítica fundamental",
concorda Alfredo Serrano, que explica que "em termos quantitativos e
simbólicos" o país tem um papel global relevante. "É maior que a UE,
demográfica e economicamente", diz Prieto. E, continua Serrano, "está
no quadro de alguns países que não são mais emergentes, mas emergiram, que são
os países do BRICS e outros que também poderiam estar lá, como Indonésia, Turquia
e alguns outros", lembra. Em sua opinião, o Brasil "pode contribuir
para desdolarizar as relações econômicas" enquanto o Banco do BRICS,
"presidido por Dilma Rousseff", poderia ser "uma
contrapotência" ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial.
O
grande objetivo da visita à Espanha e, na véspera, a Portugal, é trabalhar o
acordo UE-Mercosul. Para o efeito, Pedro Sánchez recordou a celebração da
cúpula CELAC-UE em Bruxelas, em junho, a primeira desde 2015. Apesar das
dificuldades, "é do interesse de ambas as partes" que o acordo
prossiga, diz Prieto que vê "harmonia" entre os dois líderes sobre
isso. Para ele, o Mercosul também é um sinal de que "a nova ordem
multipolar tem uma configuração incerta, mas é claro que caminha para ela. E o
Brasil está claramente comprometido com ela".
Líder
arrebatador
"A
aposta de Lula na defesa de uma nova ordem multipolar está se aprofundando,
assim como na América Latina, com a volta à CELAC", diz Néstor Prieto.
"Ele é uma figura fundamental para entender a América Latina
contemporânea", aponta, destacando que a personalidade do brasileiro é
"tão avassaladora" que nem mesmo os setores mais contrários a ele
podem negar-lhe a legitimidade "à qual a UE se rende".
"Lula
sabe estar nos foros internacionais, promoveu o Foro de São Paulo há 30 anos,
tem uma grande leitura da política em termos internacionais que sempre concebeu
em âmbito global", declarou o especialista.
"Lula
pertence à comunidade de países que é contra a política dos EUA e da UE para
resolver a questão da Ucrânia. E há muito mais países do que a comunidade
internacional que nos vendem a mídia aqui, que não é maioria, mas uma
minoria", acrescenta Verstrynge, concluindo que o continente
latino-americano "sempre teve a tentação da multipolaridade para afastar a
maldição de, como dizem no México, estar tão longe de Deus e tão perto dos
Estados Unidos".
Fonte:
Sputnik Brasil
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