Não aceitamos
coleira ou focinheira do governo Lula, diz líder nacional do MST
O
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) está em meio a uma
encruzilhada.
A
mais importante entidade de luta pela reforma agrária do Brasil voltou a ter
influência e canais de diálogo com a volta ao poder do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), um aliado histórico.
Por
outro lado, enfrenta uma ofensiva que inclui pressão do agronegócio ligado ao
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e criação de uma CPI para investigar o
movimento e as invasões de terra, cujo requerimento foi lido nesta quarta pelo
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Em
entrevista à Folha de S.Paulo por videoconferência, o coordenador nacional do
MST João Paulo Rodrigues faz um balanço das ações de mobilização do movimento
durante o chamado abril vermelho, nega que há uma mudança de tática do
movimento sob Lula e reafirma a autonomia em relação ao governo.
• A Câmara dos Deputados se mobiliza em
torno da criação da CPI do MST, iniciativa que se repete em Assembleias
Legislativas. Temem esta ofensiva?
JOÃO
PAULO RODRIGUES - A direita vai usar o parlamento federal e as Assembleias
Legislativas do país inteiro para enfrentar o MST. Junto com isso há os meios
de comunicação deles, as fake news e as milícias armadas dos clubes de tiro e
dos CACs [Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores]. É uma mistura
demoníaca.
Essa
CPI [na Câmara] é preventiva sobre o futuro. Não é sobre o passado porque não
há fato que a justifique. Nossas ações estão dentro do marco na democracia. Se
o Congresso reafirmar essa CPI, será uma perseguição política. Nós vamos
judicializar junto ao Supremo Tribunal Federal porque ela é inconstitucional.
• A criação da CPI é sinal de abandono por
parte do governo? Ou Lula tem uma base fraca no Congresso?
JR
- Acredito que o governo está fraco no Congresso Nacional. PT, PSOL, PC do B e
PSB vão lutar para não ter a CPI, vão fazer um bom combate contra o latifúndio
e a defesa do MST. Não devemos ficar com medo da direita. Nós já passamos por
quatro CPIs, e o MST saiu mais forte de todas elas. A CPI é desnecessária e não
acumula para o debate democrático no Brasil.
As
invasões de terras pelo MST durante o abril vermelho irritaram o governo e
devem atrasar a retomada das políticas de reforma agrária. A estratégia foi a
mais acertada? A jornada tinha quatro grandes objetivos. O primeiro era
movimentar nossa base social após o governo Bolsonaro. O segundo foi tratar da
reforma agrária na sociedade e, bem ou mal, o tema voltou para a pauta. O
terceiro componente eram as ocupações. Fizemos um número muito menor para não
ter embates com os fazendeiros nem querer provocar a direita. Por fim, eram as
negociações com o governo. Avançamos, criarmos canais negociação. Mas o governo
não fez nenhum anúncio até agora. Isso frustrou nossa base.
• Houve forte reação do governo à invasão
de terras da Suzano e da Embrapa. Qual o objetivo destas ocupações?
JR
- Elas não vão contra o discurso do MST de ocupar apenas áreas improdutivas?
Foram
protestos. No Espírito Santo, a Suzano ocupa terras públicas do governo que
deveriam ser destinadas à reforma agrária. No caso da Embrapa, são 2.000
hectares abandonados há mais de seis anos. Estamos questionando o Estado sobre
terras do governo federal que são improdutivas. Não é razoável que o Exército
tenha na região de Petrolina 18 mil hectares para fazer cavalgada, que a
Codevasf tenha 15 mil hectares em volta do rio São Francisco sendo ocupados por
grandes latifúndios.
A
Embrapa alega que aquela área é usada para pesquisas de desenvolvimento de
mudas e sementes. Desafiamos a Embrapa a mostrar qual pesquisa que eles têm
naquela área.
• Houve alguma mudança na tática de
pressão do governo federal neste início de governo Lula comparado ao governo
Jair Bolsonaro?
JR
- Não mudou nada. O MST diminuiu sensivelmente o número de ocupações nesse
primeiro semestre porque estamos no início do governo e não queremos criar um
tensionamento político. Me chamou atenção como o governo foi induzido pela
imprensa a achar que o MST tinha voltado a fazer megaocupações, o que na
prática não aconteceu.
• Com um governo aliado, as invasões e os
protestos voltam a ser ferramenta de pressão?
JR
- O MST sempre trabalha com as mesmas formas de luta: ocupação de áreas
improdutivas, protestos e ações para chamar atenção das autoridades. Me
preocupa o governo e setores da sociedade acharem que o MST deixou de ocupar
terra para ser um grande movimento de cooperativas e de produção de arroz. A
luta pela terra é central na estratégia no MST, não temos como abandoná-la.
Mas
o próprio Lula falou na campanha, em entrevista ao Jornal Nacional, que aquele
MST de 30 anos atrás não existe mais. Ele está certo. No primeiro ano do
governo Lula, nós ocupamos 270 latifúndios. Neste ano, ocupamos 14. Mas no
primeiro governo Lula não tínhamos arroz orgânico, não tínhamos cooperativa.
Agora nós temos, mas não mudamos as ações da luta pela terra. Queremos que o
governo Lula se antecipe, desaproprie latifúndios e assente as 60 mil famílias
acampadas. A previsão desse ano é assentar 6.000 famílias. Se continuar nesse
ritmo, vamos precisar de três mandatos para assentar somente as famílias que
estão acampadas. Não tem como trabalhar assim.
• Esse 'novo rosto' do MST com foco na
produção de alimentos orgânicos não se perde quando as invasões vêm para o
primeiro plano?
JR
- Não há uma perda do ponto de vista de imagem? É uma pena se isso acontecer. O
MST se construiu e é vivo até hoje não por ser produtor de comida ou uma grande
ONG, mas por ser um movimento de luta pela terra. Não podemos ficar cuidando da
imagem do MST sob pena de a reforma agrária não sair. Não há como produzir
comida em varanda de apartamento, a comida que é produzida depende de terra. E
o MST tem muito cuidado de atuar dentro das margens da Constituição. Se as
fazendas forem produtivas e respeitarem as leis, não há por que fazendeiros ficarem
preocupados.
• O MST ficou ao lado de Lula nos momentos
mais difíceis, incluindo a Lava Jato e as eleições. O movimento se vê como
credor do presidente?
JR
- De forma alguma. Lula não tem nenhuma dívida com MST e nem o MST tem nenhuma
dívida com Lula. Vamos defender o governo Lula em todos os momentos, não somos
vacilões sobre esse aspecto. O governo é nosso, nós ajudamos a construir. Mas o
MST tem autonomia em relação ao PT e ao governo. Nós não somos correia de
transmissão [do governo] e não aceitamos nenhum tipo de coleira ou focinheira
sobre a organização do MST.
• O senhor vê ingratidão do governo e do
comando do PT com as causas do MST?
RJ
- O governo errou politicamente em não atender nossa pauta. Mas não cabe a nós
dizer que o governo tem que fazer. Nós reivindicamos. Na minha avaliação, o
governo não gostou das ações do MST e deve ter pedido nas conversas internas:
"Vamos colocar o MST no cantinho do pensamento, depois nós atendemos
eles". Imagino que não seja uma decisão de Lula, mas dos ministros da
burocracia do governo. É uma pena porque quem tinha comportamento de não
negociar com o MST em ocupação de terra eram outros.
Fazendeiros
se organizaram em vários estados e sinalizam com reação a possíveis invasões de
terra, inclusive com o uso de armas. Isso o preocupa? A direita brasileira foi
organizada pelo Bolsonaro e recebeu dinheiro, infraestrutura e orçamento
secreto para ter uma máquina de deputados, de comunicação e de organização. É
natural que saia fortalecida. A questão é quem vai ter o apoio da sociedade.
Nosso modelo de agricultura preserva o meio ambiente, não usa agrotóxico e
cuida das pessoas. O agronegócio produz veneno, desmatamento e venda de soja
para exportação. A sociedade vai definir qual modelo quer para as futuras
gerações.
• Acha possível dialogar com o
agronegócio?
JR
- É possível. Inclusive, autorizamos ao presidente [da Câmara] Arthur Lira a
marcar encontros com a bancada agropecuária para ver o que é possível ter de
agenda comum. Tem um agronegócio que é sério, que produz e respeita as leis
ambientais. O MST tem maturidade para respeitar quem produz alimentos. Agora,
com grileiro, com assassino de índio, com quem desmata e produz trabalho
escravo, nós não queremos conversa.
• O MST cobra a exoneração de dirigentes
do Incra nomeados no governo Bolsonaro. Existe um pleito por cargos no governo?
JR
- O MST não tem nenhum pleito individual. As indicações nos estados ficaram sob
comando dos deputados federais e estaduais. O MST, junto com os demais
movimentos do campo, ajudou a construir consensos em torno de alguns nomes.
• Ainda permanecem nos Incras um primo de
Arthur Lira e e um aliado Davi Alcolumbre remanescentes do governo Bolsonaro. O
MST seguirá pressionando?
JR
- Em Alagoas, não tem como manter porque o cara é perigoso, é um capataz, anda
armado nos assentamentos. Se o governo definir que a indicação é do Arthur
Lira, nós vamos respeitar. Mas não queremos é continue esse superintendente
atual.
• Quais demandas da reforma agrária dos
governos Lula 1 e 2 que o MST espera que sejam cumpridas neste terceiro
governo?
JR
- O governo precisa de um plano para os quatro anos que tenha como centro a
produção de alimentos e o respeito à questão ambiental. Para isso, é preciso
terra, crédito, agroindústria, sementes, biofertilizantes e uma política de
comércio justo. O Brasil tem 200 milhões de hectares de terras agricultáveis
improdutivas. Essa terra tem que ser para produzir alimento e pode servir aos
pequenos agricultores, aos assentados e ao grande produtor. Não pode ser para
produção de soja para exportação ou para especulação imobiliária.
Fonte:
FolhaPress
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