domingo, 30 de abril de 2023

Documento da Abin contradiz depoimento de ex-ministro sobre alertas do dia 8/1

O documento da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que mostra o envio de alertas para órgãos do governo federal e do DF sobre as possíveis invasões em 8 de janeiro contradiz a versão apresentada pelo ex-ministro Gonçalves Dias, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), em seu depoimento à Polícia Federal.

Segundo o relatório obtido pela Folha de S.Paulo, GDias como o ex-ministro é conhecido teria recebido 11 informes em seu próprio WhatsApp do dia 6 de janeiro até o início dos ataques, por volta das 15h do dia 8.

Do total, três mensagens teriam sido encaminhadas exclusivamente para o ex-ministro, sem repasse para os órgãos que compõem o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência).

O documento oficial contraria a versão apresentada pelo ex-ministro em seu depoimento à PF. Aos investigadores, Gonçalves Dias disse que soube do envio dos alertas apenas quando teve de elaborar, em meados de janeiro, uma resposta aos pedidos de informações da CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência) do Congresso Nacional.

"Indagado se recebeu informações de inteligência da Abin a respeito do aumento de fluxo de ônibus e chegada de pessoas após 6 de janeiro à BSB, [o ex-ministro] informou que não recebeu qualquer relatório de inteligência", diz trecho do depoimento.

O documento obtido pela Folha de S.Paulo é um compilado de mensagens distribuídas pelo WhatsApp em grupos ou individualmente entre 2 e 8 de janeiro.

A prática de usar o aplicativo de mensagens para essa finalidade se tornou comum no governo Jair Bolsonaro (PL), durante a gestão do general Augusto Heleno no GSI. À época, a Abin era comandada pelo delegado e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) que deve ser indicado para a CPI mista do 8 de janeiro.

Segundo o depoimento, o ex-ministro afirmou "que as mensagens do dia 8 pela manhã constavam pessoas fazendo discursos exaltados, ameaçando invadir prédios públicos da República; [e] que o compilado de mensagens não pode ser considerado tecnicamente um relatório de inteligência para produção de conhecimento para assessorar a decisão do gestor".

GDias ainda disse que, mesmo após receber o documento da Abin com todas as mensagens enviadas às vésperas de 8 de janeiro, "não havia informações relevantes" nos comunicados.

"Ele [GDias] não foi alertado por nenhuma agência ou órgão oficial antes dos atos de 8 de janeiro. Ao contrário do divulgado, o general promoveu todos os esforços que estavam a seu alcance para que nada de mais grave ocorresse, conforme será provado ao cabo de todas as investigações em curso", afirma o advogado André Callegari, que defende o ex-ministro.

O conteúdo das mensagens enviadas pelo WhatsApp já indicava na noite de sexta-feira, dia 6 de janeiro, a possibilidade de "ações violentas" e invasão às sedes dos Poderes, segundo o documento da Abin.

"A perspectiva de adesão às manifestações contra o resultado da eleição convocadas para Brasília para os dias 7, 8 e 9 jan. 2023 permanece baixa. Contudo, há risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades", diz trecho da mensagem a primeira que teria sido enviada ao ex-ministro.

"Destaca-se a convocação por parte de organizadores de caravanas para o deslocamento de manifestantes com acesso a armas e a intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional. Outros edifícios na Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo das ações violentas", completa o texto, enviado às 19h40.

Às 10h30 do dia 7 de janeiro, sábado, a Abin envia nova atualização sobre os atos previstos para aquele fim de semana.

"Em Brasília, há registro de chegada no QG do Exército de 18 ônibus de outros estados para participar de manifestações. Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios."

As três mensagens enviadas diretamente a Gonçalves Dias, segundo o relatório, foram atualizações do próprio dia 8 de janeiro.

"Cerca de 100 ônibus chegaram a Brasília/DF para os atos previstos na Esplanada", diz o texto das 8h53.

Às 12h05, minutos antes dos manifestantes caminharem até a Esplanada dos Ministérios, a Abin enviou outro alerta: "Deslocamento dos manifestantes para a Esplanada está previsto para as 13h. Ânimo pacífico no momento, mas há relatos de pessoas que se dizem armadas".

O último texto que teria sido encaminhado exclusivamente ao ex-ministro, às 13h, diz que havia sido "identificado discurso radical de vândalo com perfil já conhecido com ânimo exaltado".

O general Gonçalves Dias pediu demissão do GSI em 19 de abril na esteira da crise causada pela divulgação das imagens do circuito interno de segurança do Palácio do Planalto. Foi a primeira queda no primeiro escalão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As gravações do circuito interno de segurança do Planalto mostram o baixo efetivo de policiais e militares no início das invasões. A entrada do palácio, por exemplo, chegou a ficar desguarnecida por 45 minutos enquanto vândalos depredavam as vidraças, equipamentos de segurança e obras de arte dentro do prédio.

O acesso dos golpistas à porta principal do Planalto só foi dificultado pelas forças de segurança por volta de 16h, quando os militares do BGP (Batalhão da Guarda Presidencial) avançaram em linha contra os vândalos. O principal meio para dispersar os golpistas foi o gás lacrimogêneo, sem necessidade de confronto direto.

Somente às 16h43, dois grupos com cerca de cem militares do BGP deixaram o estacionamento reservado ao comboio presidencial rumo à área externa do Planalto. Parte do grupo foi para a entrada do palácio, enquanto outra se mobilizou no segundo andar do prédio e auxiliou na prisão dos vândalos.

 

Ø  Alertas do 8/1 foram enviados pelo WhatsApp, e Abin defende mecanismo

 

Informes de inteligência da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sobre o risco de ataque às sedes dos três Poderes foram enviados em grupos de WhatsApp e diretamente a alguns dirigentes de órgãos públicos ou autoridades, segundo relatos feitos à reportagem.

Os alertas da Abin entre os dias 2 e 8 de janeiro foram compilados pela agência e entregues sob sigilo à CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência) do Congresso Nacional em 20 de janeiro.

O documento enviado à comissão e informações levantadas pela CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal mostram que, em 7 de janeiro, a Abin ingressou em um grupo de WhatsApp com integrantes do governo federal e do Distrito Federal.

Antes disso, no entanto, o relatório da Abin afirma que os alertas de inteligência já estavam sendo disparados para o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Gonçalves Dias e 13 órgãos dos governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ibaneis Rocha (MDB).

Segundo uma pessoa que participava do grupo criado em 7 de janeiro, alguns informes também foram enviados diretamente para o WhatsApp de autoridades envolvidas na segurança da Esplanada dos Ministérios.

O uso do aplicativo para troca de informações de inteligência se tornou comum no governo Jair Bolsonaro (PL), durante a gestão de Augusto Heleno no GSI. À época, a Abin era comandada pelo delegado e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) que deve ser indicado para a CPI mista do 8 de janeiro.

Durante o governo Bolsonaro, a Abin escanteou o sistema oficial utilizado para a distribuição de alertas e relatórios o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) e passou a enviar os informes por grupos de WhatsApp, sob o pretexto de agilizar a comunicação.

Procurada pela reportagem, a Abin afirmou que envia e recebe informações "por meio de canais adequados", e que "os mesmos canais de comunicação escolhidos em relação aos atos de 8 de janeiro de 2023 foram utilizados, com eficiência, em eventos críticos" de 2021 e 2022, como as eleições e a posse presidencial.

"A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) trabalha em plena cooperação com os órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e demais parceiros. São enviadas e recebidas informações por meio de canais adequados, decididos prévia e conjuntamente", afirmou a agência.

"Para a decisão do canal, são levados em consideração a sensibilidade do assunto tratado, o grau de sigilo e a necessidade de difusão de forma célere e oportuna. Os mesmos canais de comunicação escolhidos em relação aos atos de 8 de janeiro de 2023 foram utilizados, com eficiência, em eventos críticos como os movimentos dos caminhoneiros em 2021, os atos de 7 de setembro de 2022, as eleições de 2022 e a posse presidencial em 1º de janeiro de 2023."

Em fevereiro, o governo Lula decidiu transferir a Abin do guarda-chuva do GSI para a Casa Civil, comandada pelo ministro Rui Costa.

O relatório enviado à CCAI e obtido pela Folha de S.Paulo indica que ao menos três mensagens foram enviadas diretamente para o ex-ministro do GSI Gonçalves Dias todas no dia 8 de janeiro, às 8h53, às 12h05 e às 13h.

Já o grupo criado no dia 7 de janeiro foi batizado de CIISP/DF Manifestações, sigla para Célula Integrada de Inteligência de Segurança Pública do Distrito Federal.

A célula, segundo o documento da Abin entregue ao Congresso Nacional, era chefiada pela delegada Marília Ferreira de Alencar, subsecretária de Inteligência do DF na Secretaria de Segurança Pública liderada por Anderson Torres.

Marília também trabalhou no Ministério da Justiça —à época comandado por Torres como diretora de Inteligência.

O relatório da Abin afirma que o grupo era composto por representantes do GSI, PF (Polícia Federal), PRF (Polícia Rodoviária Federal), DINT/SEOPI/MJSP (Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça), PM/DF (Polícia Militar do Distrito Federal), PC/DF (Polícia Civil do Distrito Federal) e SSI/DF (Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal).

O documento entregue à CCAI não informa, no entanto, o nome dos representantes de cada instituição. Antes da criação do grupo, em 7 de janeiro, a Abin diz que alertas de inteligência também foram enviados a sete órgãos, incluindo os ministérios da Justiça, da Defesa e de Infraestrutura.

São eles: CIE (Centro de Inteligência do Exército), CIM (Centro de Inteligência da Marinha), AID/MD (Assessoria de Inteligência de Defesa do Ministério da Defesa), DINT/SEOPI (Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), MINFRA (Ministério da Infraestrutura) e Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

A participação da Abin no grupo de WhatsApp também está documentada em um memorando feito pela Secretaria de Segurança Pública do DF no dia 25 de janeiro. Nele, a pasta afirma que criou o grupo em 7 de janeiro para "aumentar e viabilizar a troca de informações".

A defesa de Gonçalves Dias afirmou em nota que ele não foi alertado por nenhuma agência ou órgão oficial sobre os atos de 8 de janeiro.

"Ao contrário do divulgado, o general promoveu todos os esforços que estavam a seu alcance para que nada de mais grave ocorresse, conforme será provado ao cabo de todas as investigações em curso", afirmou o advogado André Callegari.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que nenhum dos dirigentes da nova gestão participou de grupos de WhatsApp gerenciados pela Abin. A pasta diz ainda que não tem informações sobre "materiais eventualmente enviados para dirigentes que pertenciam ao governo passado".

"As informações oriundas da Polícia Federal, que o MJSP recebeu na noite do dia 7 de janeiro, foram imediatamente repassadas ao Governo do Distrito Federal, órgão que, segundo a Constituição Federal e as leis, detém a competência exclusiva para fazer o policiamento ostensivo na Esplanada dos Ministérios."

Nesta sexta (28), o ministro interino do GSI Ricardo Capelli condenou o uso do WhatsApp para troca de informações de inteligência. A Abin não explicou, no entanto, se continua usando o WhatsApp.

 

Fonte: FolhaPress

 

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