Documento da Abin
contradiz depoimento de ex-ministro sobre alertas do dia 8/1
O
documento da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que mostra o envio de
alertas para órgãos do governo federal e do DF sobre as possíveis invasões em 8
de janeiro contradiz a versão apresentada pelo ex-ministro Gonçalves Dias, do
GSI (Gabinete de Segurança Institucional), em seu depoimento à Polícia Federal.
Segundo
o relatório obtido pela Folha de S.Paulo, GDias —como o ex-ministro é
conhecido— teria recebido 11 informes em seu próprio
WhatsApp do dia 6 de janeiro até o início
dos ataques, por volta das 15h do dia 8.
Do
total, três mensagens teriam sido encaminhadas exclusivamente para o
ex-ministro, sem repasse para os órgãos que compõem o Sisbin (Sistema
Brasileiro de Inteligência).
O
documento oficial contraria a versão apresentada pelo ex-ministro em seu
depoimento à PF. Aos investigadores, Gonçalves Dias disse que soube do envio
dos alertas apenas quando teve de elaborar, em meados de janeiro, uma resposta
aos pedidos de informações da CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades
de Inteligência) do Congresso Nacional.
"Indagado
se recebeu informações de inteligência da Abin a respeito do aumento de fluxo
de ônibus e chegada de pessoas após 6 de janeiro à BSB, [o ex-ministro]
informou que não recebeu qualquer relatório de inteligência", diz trecho
do depoimento.
O
documento obtido pela Folha de S.Paulo é um compilado de mensagens distribuídas
pelo WhatsApp —em grupos ou individualmente—
entre 2 e 8 de janeiro.
A
prática de usar o aplicativo de mensagens para essa finalidade se tornou comum
no governo Jair Bolsonaro (PL), durante a gestão do general Augusto Heleno no
GSI. À época, a Abin era comandada pelo delegado e atual deputado federal
Alexandre Ramagem (PL-RJ) —que deve ser
indicado para a CPI mista do 8 de janeiro.
Segundo
o depoimento, o ex-ministro afirmou "que as mensagens do dia 8 pela manhã
constavam pessoas fazendo discursos exaltados, ameaçando invadir prédios
públicos da República; [e] que o compilado de mensagens não pode ser
considerado tecnicamente um relatório de inteligência para produção de
conhecimento para assessorar a decisão do gestor".
GDias
ainda disse que, mesmo após receber o documento da Abin com todas as mensagens
enviadas às vésperas de 8 de janeiro, "não havia informações
relevantes" nos comunicados.
"Ele
[GDias] não foi alertado por nenhuma agência ou órgão oficial antes dos atos de
8 de janeiro. Ao contrário do divulgado, o general promoveu todos os esforços
que estavam a seu alcance para que nada de mais grave ocorresse, conforme será
provado ao cabo de todas as investigações em curso", afirma o advogado
André Callegari, que defende o ex-ministro.
O
conteúdo das mensagens enviadas pelo WhatsApp já indicava na noite de
sexta-feira, dia 6 de janeiro, a possibilidade de "ações violentas" e
invasão às sedes dos Poderes, segundo o documento da Abin.
"A
perspectiva de adesão às manifestações contra o resultado da eleição convocadas
para Brasília para os dias 7, 8 e 9 jan. 2023 permanece baixa. Contudo, há
risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades", diz
trecho da mensagem —a primeira que teria sido enviada ao ex-ministro.
"Destaca-se
a convocação por parte de organizadores de caravanas para o deslocamento de
manifestantes com acesso a armas e a intenção manifesta de invadir o Congresso
Nacional. Outros edifícios na Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo das
ações violentas", completa o texto, enviado às 19h40.
Às
10h30 do dia 7 de janeiro, sábado, a Abin envia nova atualização sobre os atos
previstos para aquele fim de semana.
"Em
Brasília, há registro de chegada no QG do Exército de 18 ônibus de outros
estados para participar de manifestações. Mantêm-se convocações para ações
violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na
Esplanada dos Ministérios."
As
três mensagens enviadas diretamente a Gonçalves Dias, segundo o relatório,
foram atualizações do próprio dia 8 de janeiro.
"Cerca
de 100 ônibus chegaram a Brasília/DF para os atos previstos na Esplanada",
diz o texto das 8h53.
Às
12h05, minutos antes dos manifestantes caminharem até a Esplanada dos
Ministérios, a Abin enviou outro alerta: "Deslocamento dos manifestantes
para a Esplanada está previsto para as 13h. Ânimo pacífico no momento, mas há
relatos de pessoas que se dizem armadas".
O
último texto que teria sido encaminhado exclusivamente ao ex-ministro, às 13h,
diz que havia sido "identificado discurso radical de vândalo com perfil já
conhecido com ânimo exaltado".
O
general Gonçalves Dias pediu demissão do GSI em 19 de abril na esteira da crise
causada pela divulgação das imagens do circuito interno de segurança do Palácio
do Planalto. Foi a primeira queda no primeiro escalão do governo Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
As
gravações do circuito interno de segurança do Planalto mostram o baixo efetivo
de policiais e militares no início das invasões. A entrada do palácio, por
exemplo, chegou a ficar desguarnecida por 45 minutos enquanto vândalos
depredavam as vidraças, equipamentos de segurança e obras de arte dentro do
prédio.
O
acesso dos golpistas à porta principal do Planalto só foi dificultado pelas
forças de segurança por volta de 16h, quando os militares do BGP (Batalhão da
Guarda Presidencial) avançaram em linha contra os vândalos. O principal meio
para dispersar os golpistas foi o gás lacrimogêneo, sem necessidade de
confronto direto.
Somente
às 16h43, dois grupos com cerca de cem militares do BGP deixaram o
estacionamento reservado ao comboio presidencial rumo à área externa do
Planalto. Parte do grupo foi para a entrada do palácio, enquanto outra se
mobilizou no segundo andar do prédio e auxiliou na prisão dos vândalos.
Ø Alertas do 8/1
foram enviados pelo WhatsApp, e Abin defende mecanismo
Informes
de inteligência da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sobre o risco de
ataque às sedes dos três Poderes foram enviados em grupos de WhatsApp e
diretamente a alguns dirigentes de órgãos públicos ou autoridades, segundo
relatos feitos à reportagem.
Os
alertas da Abin entre os dias 2 e 8 de janeiro foram compilados pela agência e
entregues sob sigilo à CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência) do Congresso Nacional em 20 de janeiro.
O
documento enviado à comissão e informações levantadas pela CPI da Câmara
Legislativa do Distrito Federal mostram que, em 7 de janeiro, a Abin ingressou
em um grupo de WhatsApp com integrantes do governo federal e do Distrito
Federal.
Antes
disso, no entanto, o relatório da Abin afirma que os alertas de inteligência já
estavam sendo disparados para o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança
Institucional) Gonçalves Dias e 13 órgãos dos governos Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) e Ibaneis Rocha (MDB).
Segundo
uma pessoa que participava do grupo criado em 7 de janeiro, alguns informes
também foram enviados diretamente para o WhatsApp de autoridades envolvidas na
segurança da Esplanada dos Ministérios.
O
uso do aplicativo para troca de informações de inteligência se tornou comum no
governo Jair Bolsonaro (PL), durante a gestão de Augusto Heleno no GSI. À
época, a Abin era comandada pelo delegado e atual deputado federal Alexandre
Ramagem (PL-RJ) —que deve ser indicado para a CPI mista do 8 de janeiro.
Durante
o governo Bolsonaro, a Abin escanteou o sistema oficial utilizado para a
distribuição de alertas e relatórios —o Sisbin (Sistema
Brasileiro de Inteligência)— e passou a enviar
os informes por grupos de WhatsApp, sob o pretexto de agilizar a comunicação.
Procurada
pela reportagem, a Abin afirmou que envia e recebe informações "por meio
de canais adequados", e que "os mesmos canais de comunicação
escolhidos em relação aos atos de 8 de janeiro de 2023 foram utilizados, com
eficiência, em eventos críticos" de 2021 e 2022, como as eleições e a
posse presidencial.
"A
Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) trabalha em plena cooperação com os
órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e demais
parceiros. São enviadas e recebidas informações por meio de canais adequados,
decididos prévia e conjuntamente", afirmou a agência.
"Para
a decisão do canal, são levados em consideração a sensibilidade do assunto
tratado, o grau de sigilo e a necessidade de difusão de forma célere e
oportuna. Os mesmos canais de comunicação escolhidos em relação aos atos de 8
de janeiro de 2023 foram utilizados, com eficiência, em eventos críticos como
os movimentos dos caminhoneiros em 2021, os atos de 7 de setembro de 2022, as
eleições de 2022 e a posse presidencial em 1º de janeiro de 2023."
Em
fevereiro, o governo Lula decidiu transferir a Abin do guarda-chuva do GSI para
a Casa Civil, comandada pelo ministro Rui Costa.
O
relatório enviado à CCAI e obtido pela Folha de S.Paulo indica que ao menos
três mensagens foram enviadas diretamente para o ex-ministro do GSI Gonçalves
Dias —todas no dia 8 de janeiro, às
8h53, às 12h05 e às 13h.
Já
o grupo criado no dia 7 de janeiro foi batizado de CIISP/DF Manifestações,
sigla para Célula Integrada de Inteligência de Segurança Pública do Distrito
Federal.
A
célula, segundo o documento da Abin entregue ao Congresso Nacional, era
chefiada pela delegada Marília Ferreira de Alencar, subsecretária de
Inteligência do DF na Secretaria de Segurança Pública liderada por Anderson
Torres.
Marília
também trabalhou no Ministério da Justiça —à época
comandado por Torres— como diretora de Inteligência.
O
relatório da Abin afirma que o grupo era composto por representantes do GSI, PF
(Polícia Federal), PRF (Polícia Rodoviária Federal), DINT/SEOPI/MJSP (Diretoria
de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça),
PM/DF (Polícia Militar do Distrito Federal), PC/DF (Polícia Civil do Distrito
Federal) e SSI/DF (Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança
Pública do Distrito Federal).
O
documento entregue à CCAI não informa, no entanto, o nome dos representantes de
cada instituição. Antes da criação do grupo, em 7 de janeiro, a Abin diz que
alertas de inteligência também foram enviados a sete órgãos, incluindo os
ministérios da Justiça, da Defesa e de Infraestrutura.
São
eles: CIE (Centro de Inteligência do Exército), CIM (Centro de Inteligência da
Marinha), AID/MD (Assessoria de Inteligência de Defesa do Ministério da
Defesa), DINT/SEOPI (Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações
Integradas do Ministério da Justiça), ANTT (Agência Nacional de Transportes
Terrestres), MINFRA (Ministério da Infraestrutura) e Anatel (Agência Nacional
de Telecomunicações).
A
participação da Abin no grupo de WhatsApp também está documentada em um
memorando feito pela Secretaria de Segurança Pública do DF no dia 25 de
janeiro. Nele, a pasta afirma que criou o grupo em 7 de janeiro para
"aumentar e viabilizar a troca de informações".
A
defesa de Gonçalves Dias afirmou em nota que ele não foi alertado por nenhuma
agência ou órgão oficial sobre os atos de 8 de janeiro.
"Ao
contrário do divulgado, o general promoveu todos os esforços que estavam a seu
alcance para que nada de mais grave ocorresse, conforme será provado ao cabo de
todas as investigações em curso", afirmou o advogado André Callegari.
O
Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que nenhum dos dirigentes da
nova gestão participou de grupos de WhatsApp gerenciados pela Abin. A pasta diz
ainda que não tem informações sobre "materiais eventualmente enviados para
dirigentes que pertenciam ao governo passado".
"As
informações oriundas da Polícia Federal, que o MJSP recebeu na noite do dia 7
de janeiro, foram imediatamente repassadas ao Governo do Distrito Federal,
órgão que, segundo a Constituição Federal e as leis, detém a competência
exclusiva para fazer o policiamento ostensivo na Esplanada dos
Ministérios."
Nesta
sexta (28), o ministro interino do GSI Ricardo Capelli condenou o uso do
WhatsApp para troca de informações de inteligência. A Abin não explicou, no
entanto, se continua usando o WhatsApp.
Fonte:
FolhaPress
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