Cuca:
as torcedoras entraram em campo
Nem tudo foi política na semana passada: houve
inesperadas manifestações, principalmente de mulheres, torcedoras do maior
clube futebolístico paulista, o Corinthians. A causa nada tem a ver com os
apetrechos utilizados pelos jogadores e nem mesmo com o próprio futebol.
Ela decorre do fato de, nos últimos anos, ter se
desenvolvido dentro da sociedade ocidental o conceito da igualdade das mulheres
com os homens, decorrente de sérias reivindicações lançadas pelas mulheres,
denominadas há cerca de meio século, com certo desdém, pelos machões da época e
mesmo de hoje, como feministas.
Sem esquecer da importância do movimento #metoo,
criado em 2006 pela afroamericana Tarna Burke, para ajudar as mulheres do
Harlem, em Nova Iorque, vítimas de violências sexuais. O movimento cresceu e se
tornou internacional, em 2017, depois do processo do produtor de cinema norte
americano Weinstein, acusado de numerosas violações e abusos de atrizes.
Em linhas gerais, a mulher com certa cultura e não
religiosa fundamentalista, não aceita mais ser considerada inferior ao homem,
nem sua serva e nem seu objeto sexual, destinada a gerar filhos. Isso dentro da
nossa civilização ocidental derivada da cultura judaico-cristã, que hoje, nos
países europeus, se tornou laica. Mesmo no Brasil, nos centros urbanos mais
evoluídos, acabou aquela história da mulher ser submissa e servil para agradar
seu amo, por ter sido criada de uma costela de Adão. Nem as crianças levam mais
a sério essas fábulas ou lorotas bíblicas.
Essa libertação gradativa da mulher com paridade ao
homem ocorre numa pequena parte do nosso planeta. Do lado islâmico, a situação
da mulher é ainda mais dramática e inferior, obrigada a obedecer a ditames
restringindo o uso do seu próprio corpo e de seu vestuário, destinado a cobrir
pernas, coxas, braços e o próprio rosto. Mulher não tem outra finalidade ou
utilidade senão a de dar prazer ao seu dono. Uma sociedade na qual o importante
é o macho ou o varão.
Pois bem, essa figura de mulher, que viveram nossas
avós e mesmo mães, está em desaparecimento. E isso assusta muitos homens, ainda
vivendo as “delícias” dos anos 50, em que ao homem tudo era permitido e à
mulher, destinada ao casamento e à procriação, tudo era proibido, mesmo gozar
no ato sexual. Quem saísse desse padrão, era sem vergonha ou puta, porque os
machões queriam ter certas liberdades que não tinham com a santa esposa.
Hoje a coisa mudou ou está mudando. As mulheres vão
sozinhas aos estádios de futebol, gritam, torcem, vão beber cerveja com os
torcedores, comemoram a vitória do seu clube, abraçam e beijam quem escolhem e
vão pra cama quando querem.
E, principalmente, querem ser tratadas como iguais
aos homens com os quais convivem no trabalho, na família e na sua vida em
geral. Não querem ser espancadas em casa e muito menos estupradas.
Por isso, a crise deflagrada pelas torcedoras do
Corinthians contra a escolha do futebolista paranaense Cuca como treinador do
clube. Há 36 anos, faz tempo, mas nem todo mundo esqueceu, Cuca foi acusado de
ter participado direta ou indiretamente de uma curra no quarto de um hotel,
junto com três outros jogadores do Grêmio de Porto Alegre. Apesar de terem
alegado sexo consentido, a vítima, após a violência, foi à polícia dar queixa.
Assim, em julho de 1987, o quarteto foi preso em
Berna, capital da Suíça, cidade onde tinha jogado o Grêmio com o clube local
suíço de futebol. E a coisa se complicou porque a vítima do assédio e estupro
era menor de 13 anos. Com menor de idade, a lei suíça e a brasileira também não
admitem a alegação de sexo consentido. Na época, tudo isso foi relatado pelos
jornais brasileiros, inclusive pela revista esportiva Placar, que permite aos
seus leitores relerem online o publicado por seus enviados à Suíça, há 36 anos.
Os quatro jogadores amargaram um mês e meio de
prisão e foram soltos com o pagamento de uma fiança de 8 mil francos suíços
cada um, hoje o equivalente a 40 mil reais, enquanto aguardassem julgamento.
Mas viajaram depressa para o Brasil e nunca mais puseram os pés na Suíça, mesmo
porque foram condenados e Cuca teria de cumprir quinze meses de prisão.
Diversos grupos de torcedores corinthianos não
aceitam Cuca como treinador, por considerar que sua presença compromete o
passado e as lutas sociais do Corinthians.
Na Suíça, mesmo se Cuca e seus colegas não cumpriram
a condenação, o processo foi considerado prescrito. Mas para muitos torcedores
e não só torcedoras, o fato de ser prescrito não significa absolvição. Mesmo
porque essa é a tendência da justiça na Europa, no que se refere a crimes sexuais,
como estupro de menores e incesto. Na França, país vizinho da Suíça, a Lei
Schiapa, promulgada em 2017, prorrogou o prazo para a prescrição de violência
sexual contra menores para mais trinta anos ao chegarem à maioridade.
Cuca, numa longa entrevista aos jornais paulistas,
jurou ser inocente e não ter participado da curra. Seu azar teria sido a de se
encontrar no mesmo local, quando a menina foi abusada, pois estava num quarto
duplo.
A equipe feminina do Corinthians aproveitou o jogo
de domingo do time, para protestar no estádio. “‘Respeita As Minas’ não é uma
frase qualquer. É, acima de tudo, um estado de espírito e um compromisso
compartilhado”, enfatizaram as jogadoras, incluindo a capitã Tamires. A decisão
da direção corinthiana de ignorar e minimizar o protesto de suas torcedoras não
parece ter sido a melhor; parece mais um desrespeito a todas elas.
Nem sempre os heróis da bola dão bom exemplo fora do
gramado, como é o caso de Daniel Alves e Robinho. A menina suíça tinha se
aproximado dos jogadores do Grêmio para ter autógrafos, quando foi induzida a
entrar no quarto.
A crise criada no Corinthians com a contratação de
Cuca, as acusações de estupro feitas contra Daniel Alves e Robinho talvez
ajudem os jogadores de futebol a deixarem de ser machões e a se atualizarem nas
suas relações com as fãs e a entenderem que o mundo mudou com o feminismo e com
o movimento #metoo.
'Temos
que pagar', disse Cuca em entrevista há 35 anos sobre violência sexual
Cuca deixou o comando do Cortinhians após virem à
tona acusações de estupro contra adolescente de 13 anos em 1987. Na época, ele
defendia o Grêmio e foi acusado e condenado a 15 meses de prisão e pagamento de
multa pelo caso de violência sexual.
Em entrevista a jornalista em 2021, Cuca negou
acusações e chegou a dizer que tinha uma vaga memória do episódio. "Eu
tenho uma lembrança muito vaga, até porque não houve nada. Não houve estupro
como falam. Houve uma condenação por uma menor ter adentrado o quarto,
simplesmente isso. Não houve abuso sexual", disse.
Entrevista publicada em 30 de agosto pelo jornal
Zero Hora de 1987, no entanto, revela um posicionamento diferente do ex-jogador.
"Jamais pensei que uma coisa assim pudesse acontecer comigo. Não sei se
foi ato infantil, um passo em falso, mas é difícil julgar os 50 dias em poucos
minutos. Só posso garantir que isso nunca se repetirá. A tensão e a angústia
quase me mataram. Se tivesse que ficar preso, eu preferia morrer. Eu pensava na
minha mulher, quase nunca dormia", disse ao jornal na época.
"Passei 10 dias sem falar nada e só me acalmava
com injeções e sedativos. Foi um longo martírio de reflexão... tive medo de
ficar traumatizado sem saber qual a reação das pessoas, dos torcedores, dos
dirigentes. Estou de braços abertos para qualquer decisão. Temos que pagar,
todos os envolvidos. Não adianta separar menor ou maior participação",
contou.
• Prova
da Justiça da Suíça
A reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, teve
acesso ao processo judicial de 1.023 páginas, guardado nos Arquivos do Estado
do Cantão de Berna, capital da Suíça. A Justiça da Suíça confirmou que havia
sêmen de Cuca no corpo da adolescente de 13 anos, vítima de abuso sexual, em
1987. A afirmação foi da diretora da instituição, Barbara Studer, que leu o
processo na íntegra.
Sem violar o sigilo, ela confirmou que fazem parte
do processo informações publicadas em jornais suíços que cobriram o caso na
época. Na semana passada, Cuca negou a situação em entrevista coletiva de
apresentação no Corinthians, bem como qualquer relação com a vítima.
Os advogados de defesa do treinador, Daniel Bialski
e Ana Beatriz Saguas, enviaram a seguinte nota ao portal, negando mais uma vez
o caso.
"A defesa de Cuca reputa ser lamentável o
irresponsável linchamento por situações ocorridas há 34 anos e contrária à
realidade dos fatos. Reafirme-se que Cuca não manteve qualquer relação ou
contato físico com a vítima, que, aliás, não o reconheceu, conforme confirmado
por diversas reportagens daquela época. Distorções e especulações serão
responsabilizadas cível e penalmente, ainda mais por se tratar de processo
sigiloso, evidenciando a precariedade e inconsistência de qualquer pretensa informação
fornecida por terceiros".
Em agosto de 1989, o jornal suíço Der Bund relatou
que havia sêmen de Cuca no corpo da vítima, que teria tentado suicídio. Barbara
Studer confirmou as informações.
"Posso dizer que o que está no artigo [do
jornal] está correto. Realmente o que está provado é que houve uma situação
sexual com uma menor de idade, de 13 anos", disse Barbara Studer.
• Saída
do Corinthians
Após pressão pública, Cuca deixou o comando da
equipe do Corinthians. O treinador esteve à frente do clube em apenas dois
jogos, na derrota contra o Goiás, por 3 a 1, pelo Campeonato Brasileiro, e no
triunfo contra o Remo, por 2 a 0, que gerou a classificação às oitavas de final
da Copa do Brasil.
Justiça
suíça confirma que havia sêmen de Cuca no corpo de menina de 13 anos
A demissão do técnico do Corinthians por causa de
uma condenação judicial na Suíça trouxe de volta ao noticiário um caso que teve
repercussão enorme 34 anos atrás. Nesta sexta (28), o site ge confirmou, com
exclusividade, a sentença que condenou o então jogador Cuca por violação
sexual. A reportagem é de Guilherme Pereira, Martín Fernández e Rogério Romera.
O processo do caso está guardado nos Arquivos do
Estado de Cantão de Berna, capital da Suíça, onde ficam arquivados documentos
históricos e processos judiciais do país. Ele tem 1023 páginas. O Jornal
Nacional teve acesso à página de número 915, em que a sentença do juiz começa.
Ela contém o nome dos quatro condenados - o primeiro
é o de Alexi Stival, o Cuca - e os crimes que eles cometeram: ato sexual com
menor e coação. O conteúdo completo do processo está em sigilo de 110 anos.
Barbara Studer, diretora do Arquivo de Berna, leu o
processo nesta sexta-feira (28) e confirmou informações que se tornaram
públicas por jornais suíços que acompanharam o julgamento e a condenação, em 15
de agosto de 1989.
O crime aconteceu em um hotel do centro de Berna, no
dia 30 de julho de 1987. Cuca e outros dois homens que na época também jogavam
no Grêmio foram condenados por por terem cometidos atos sexuais com uma menina
de 13 anos. Um quarto jogador foi absolvido dessa acusação, mas foi condenado
por coação, por ter participado do crime.
De acordo com o Barbara Studer, consta no processo
que o sêmen de Cuca foi encontrado no corpo da vítima e que ela também
reconheceu o treinador como um dos agressores.
Em uma entrevista coletiva na semana passada, quando
foi apresentado como técnico do Corinthians, Cuca negou essas informações.
"Por três vezes a moça esteve lá na frente. Não
é que não reconheceu, é que eu não estava. E ela, a vítima - não sou eu, é ela
- falou: o rapaz não está, o rapaz não está. Se a vítima fala que não estava,
como é que eu posso ser condenado?", afirmou Cuca.
Barbara Studer também confirmou que a vítima tentou
se suicidar depois do crime.
Os quatro acusados ficaram presos durante quase um
mês. Pagaram fiança e voltaram ao Brasil. O julgamento ocorreu quase dois anos
depois, sem a presença deles.
Cuca, Henrique Etges e Eduardo Hamester foram
condenados a 15 meses de prisão. Os quatro receberam uma pena condicional que
faz parte da legislação da Suíça. O condenado, nesse caso, não é preso por ser
réu primário; só vai para a cadeia caso cometa algum outro tipo de delito
durante um prazo determinado pelo juiz e este prazo já prescreveu no caso de
Cuca e os demais condenados.
O advogado suíço Peter Kriebel explicou que na Suíça
a coação sexual não é considerada estupro.
"A coação sexual é aplicar violência ou uma
ameaça para fazer uma pessoa tolerar ou fazer atos sexuais. Estupro sempre
contém o coito, isto é, a penetração", explica.
No Brasil, o crime cometido pelos jogadores seria
considerado estupro.
Em nota, a defesa de Cuca voltou a dizer que a
vítima não o reconheceu, diferentemente do que confirmou a justiça suíça. A
defesa reafirmou que cuca não manteve qualquer relação ou contato físico com a
vítima e lamentou o que chamou de linchamento irresponsável por situações
ocorridas há 34 anos.
Fonte: Por Rui Martins, no Observatório da
Imprensa/Redação Terra/g1
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