sábado, 29 de abril de 2023

Cerrado brasileiro pode ser exemplo de pecuária sustentável no mundo

A avaliação é do líder da National Wildlife Federation (NWF) no Brasil, o engenheiro agrônomo Francisco Beduschi Neto. Para que isso aconteça, no entanto, ele considera que é necessário integrar os diversos atores que atuam no bioma. O especialista destaca que, nesse processo, é importante encontrar formas de trabalho conjunto e conectado e que possam ser replicadas como negócio de pecuária sustentável no Cerrado.

A “tempestade perfeita” que envolve o potencial do bioma inclui a cadeia de valor de carne bovina, com produtores dispostos a cumprir essa finalidade, crédito para financiamento da atividade, diversas tecnologias e inovações.

•        Pecuária sustentável no Cerrado inclui uso inteligente dos recursos

Uma das estrelas de tecnologias sustentáveis praticadas na região é a Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), uma estratégia de produção que utiliza diversos sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área, de forma integrada. O sistema aprimora o uso da terra, aumentando a produtividade, aproveitando melhor os insumos, diversificando a produção e gerando mais renda e emprego.

Outro ponto a favor é a existência do Protocolo Cerrado, iniciativa voluntária que conta com a participação de atores da indústria frigorífica e varejo, e que tem o objetivo de contribuir para o alinhamento das melhores práticas de monitoramento socioambiental da cadeia de fornecimento de bovinos no bioma.

De acordo com a Rede ILPF, organização sem fins lucrativos focada na tecnologia, o Brasil conta com mais de 17,4 milhões de hectares de área produtiva onde se aplicam o ILPF, com destaque para o Mato Grosso Sul, com mais de 3 milhões de hectares com a tecnologia, o que representa cerca de 16% da área agrícola do estado. Na última década, a expansão do ILPF bateu os 248%.

Outra iniciativa necessária, segundo o Beduschi, é melhorar a comunicação do setor. Ele defende que todas as ações e iniciativas implementadas pela cadeia de valor da carne sejam de conhecimento dos compradores, consumidores, investidores e varejistas. “Devemos melhorar a nossa narrativa, ou seja, contar a história. Isso inclui falar sobre o caminho sustentável que o agro brasileiro está percorrendo, qual sua direção, progresso e objetivos”, resume.

 

       Pecuária intensiva e sustentável é o futuro, mostra Embrapa

 

O modelo de pecuária extensiva não cabe no prato do futuro. “Nos próximos anos, a intensificação das pastagens trará mais sustentabilidade e a tão sonhada carne neutra de emissões de gases de efeito estufa”. A afirmação é de André Luiz Monteiro, chefe adjunto do Centro de Pesquisa Embrapa Pecuária Sudeste. Monteiro fez apresentação na ANUFOOD Brasil 2023, que aconteceu entre os dias 11 e 13 de abril em São Paulo.

O modelo de pecuária extensiva está fadado a desaparecer em breve, segundo ele. “Pode demorar quatro, cinco ou 10 anos, mas com certeza não é o modelo de produção de carne do futuro”, enfatizou. Para Monteiro, a intensificação da pecuária, bem como o uso mais eficiente da pastagem, trará oportunidades de crescimento para o setor.

No Brasil, pelos seus cálculos, há 150 milhões de hectares de pasto produzindo carne e leite, o que dá muito espaço para aumentar a produção sem necessitar “abrir um hectare a mais de pasto”.

Mas o que está por de trás do modelo intensivo? Para Monteiro, é uma mistura de tecnologia, ciência e uso de técnicas que já eram conhecidas e que fazem todo sentido no solo brasileiro, como os sistemas de interação lavoura-pecuária-floresta (ILPF).

O uso de gramíneas e sistemas de forragem próprios também podem apoiar o sequestro de carbono da atmosfera, o que apoia ainda mais a neutralidade das emissões – e também o sequestro do metano emitido. “O Brasil tem um clima único, que permite trabalhar com lavoura e árvores no mesmo lugar”, apontou.

•        Menos emissões

Intensificar o sistema significa também usar técnicas de melhoramento genético e de manejo do pasto. Os resultados práticos já podem ser vistos em redução de emissões.

De acordo com dados da Embrapa, as práticas de melhoramento genético, por exemplo, podem reduzir em até 38% as emissões de GEE do gado. Já o pastejo contínuo e manejado tem potencial de reduzir em 22% esse indicador.

O pastejo racionado e manejado, por sua vez, tem capacidade de reduzir as emissões de GEE em 35%, e os ajustes da alimentação podem diminuir em 37% as emissões provenientes do gado. ”Isso porque não foram contabilizadas as reduções de emissões etéreas de metano, e nem o potencial de captura de carbono das raízes e folhas de árvores e plantas no sistema ILPF”, afirma Monteiro.

A rastreabilidade da cadeia, um passo importantíssimo para esse sistema, também ficou de fora das contas e ela tem um potencial para trazer melhorias contínuas para o mercado.

Com estas ações, é possível chegar ao equilíbrio entre as emissões e o capturado de carbono no ar. Quando se fala numa produção do tamanho da brasileira, esses tipos de alterações tendem a ter um impacto gigantesco. “Não se trata de uma ciência que vai ser lançada ainda, de uma tecnologia nova. Isso tudo já está sendo usado hoje em dia no gado. E tende a ser ainda mais desenvolvido nos próximos anos”, disse Monteiro.

•        Transformação em grupo da pecuária intensiva sustentável

Há 10 anos, o uso de tecnologia era pequeno, voltado para poucos produtores. Hoje, já são 18 milhões de hectares que usam sistemas com algum modelo de integração com a floresta. E está crescendo cada vez mais, de acordo com o especialista da Embrapa Pecuária Sudeste.

Esse tipo de sistema de produção é o futuro, onde há recursos mais baratos, o produtor consegue diversificar a renda e também emitir menos.

Mesmo assim, as transformações não são simples, e exigem um esforço contínuo e coordenado do mercado e da sociedade. “É um desafio global, que exige um esforço global. Precisam mudar sistemas de produção, mexer com a dieta, com a forma que o animal é produzido”, concluiu Monteiro.

 

       Pecuária precisa de métricas padronizadas para medir gases de efeito estufa

 

O setor pecuário global precisa urgentemente de um sistema de medição padronizado para os dados de gases de efeito estufa (GEE). Essa avaliação foi feita pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT), organismo da União Europeia, e resumida no documento que descreve a necessidade crítica de ferramentas e métricas padronizadas para apoiar o setor de pecuária de ruminantes no Reino Unido e na Irlanda, com o objetivo de atingir a neutralidade de carbono.

Intitulado Achieving Net Zero Targets in the Ruminant Livestock Industry in the UK and Ireland, o white paper descreve seis recomendações prioritárias que incluem, dentre outras iniciativas, a promoção de estratégias de agricultura regenerativa e formas de recompensar os agricultores que apoiam a transição para a economia de baixo carbono.

Segundo o relatório, a diversidade do setor pecuário significa que uma combinação de soluções será crucial para permitir todo o seu potencial de redução de emissões de GEE. Apesar de se concentrar no Reino Unido e na Irlanda, as recomendações do relatório podem ser relevantes em toda a indústria global de gado ruminante.

•        Sistema global de métricas de GEE na atmosfera pode ser solução para controle de emissões

Um dos desafios descritos é o cenário atual que mostra que os dados de gases de efeito estufa não estão sendo capturados atualmente na maioria das fazendas no Reino Unido e na Irlanda. Um sistema de medição padronizado internacionalmente poderia avaliar os efeitos de quaisquer mudanças ou intervenções ao longo do tempo, caso fosse aplicado.

Outras recomendações do relatório incluem ações para formuladores de políticas, a implantação de soluções inovadoras e pesquisas adicionais necessárias para permitir a transição do setor pecuário de ruminantes para o Net Zero.

Além da padronização citada, outras recomendações incluem a otimização da idade de abate de gado ruminante, para reduzir as emissões de metano, e políticas que recompensem os agricultores por apoiarem a transição para as estratégias de redução de emissões. “O envolvimento dos agricultores será essencial para apoiar o envolvimento e a confiança destes empreendidos nas soluções de impacto propostas”, destaca o relatório.

As sugestões incluem ainda a expansão da rede de fazendas-modelo, a promoção de estratégias de gestão de terras para o Net Zero, a melhoria da compreensão da complexidade do sequestro de carbono para garantir uma resposta holística e a combinação de soluções em função da diversidade de sistemas, espécies e geografias na indústria pecuária de ruminantes.

 

       Rastreabilidade na pecuária é fundamental para a sustentabilidade

 

A pecuária não deve ser uma ameaça aos biomas. Para que seja sustentável, é necessária a adoção de uma série de medidas, que envolvem monitoramento, financiamento e tecnologia para evitar o desmatamento. E, apesar de o Brasil ser atualmente o maior exportador global de carne bovina, a falta de rastreabilidade na pecuária pode comprometer essa posição de protagonismo.

Por exemplo, em dezembro do ano passado a União Europeia (terceira maior compradora de produtos de origem brasileira) proibiu a entrada de itens oriundos de áreas de desmatamento. Além disso, consumidores do Reino Unido, Estados Unidos e Japão se mostram cada vez mais exigentes com questões que envolvem a procedência da carne e o bem-estar dos animais.

“É por isso que o Brasil precisa de uma política pública ‘robusta’ que estabeleça a rastreabilidade da carne”, defende Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da Marfrig. Segundo ele, a indústria pode ser uma mitigadora de riscos, mas o governo tem papel fundamental neste processo, especialmente no que diz respeito à rastreabilidade.

Em conteúdo apresentado pela Marfrig no NeoFeed, Pianez explica a complexidade da indústria de carne e a importância de tecnologias e ferramentas que possam garantir o controle e a conformidade com as exigências internacionais. Segundo ele, já existem alguns instrumentos, que precisam ser aprimorados. Um exemplo é a Guia de Trânsito Animal (GTA), que atualmente é usada somente para controle sanitário, mas que também pode contribuir para o monitoramento.

•        GTA e blockchain podem garantir a rastreabilidade

Para o biólogo Roberto Waack, integrante do Conselho de Administração da Marfrig, as informações coletadas pela GTA, com a segurança da blockchain, poderiam contribuir para a identificação das áreas de risco, além de promover a rastreabilidade.

Porém, uma das grandes barreiras é o fato de que cerca de 75% dos 2,5 milhões de produtores nacionais são considerados de pequeno e médio porte e enfrentam dificuldades para se adaptarem às regras — normalmente por desconhecimento ou por falta de financiamento para a implementação de tecnologias.

Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que não basta financiamento para aquisição de animais. “É preciso que os produtores aprendam a fazer o manejo sustentável do solo e a diversificação das pastagens, pensando também no bem-estar animal. Só deveria receber financiamento aqueles que se comprometessem com a pecuária regenerativa”, disse ele ao NeoFeed.

•        Programa Verde+ da Marfrig

Vale destacar que a sustentabilidade é um dos pilares da Marfrig, que criou, há três anos, o Programa Verde+, com o objetivo de garantir que até 2030 100% de sua cadeia de fornecimento esteja livre do desmatamento. Para tanto, além de investimentos da ordem de R$ 500 milhões, a empresa deve instituir, até 2025, protocolos para reinclusão de fornecedores bloqueados.

Também até 2025, a Marfrig pretende rastrear 100% da cadeia de fornecimento da Amazônia — atualmente, esse índice é de 71% no caso dos produtores da Amazônia e 72% dos localizados na região do Cerrado.

 

       Tecnologias reprodutivas podem melhorar eficiência da pecuária

 

O uso inteligente de tecnologias reprodutivas, como inseminação artificial e transferência de embriões, pode melhorar a eficiência da produção de alimentos de origem animal e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto ambiental da produção pecuária. Essa é a avaliação dos especialistas do Departamento de Ciência Animal da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. O ponto de vista deles foi consolidado no e-book Reproductive Technologies for Sustainable Livestock Production.

O documento destaca o papel da inseminação artificial e da transferência de embriões como iniciativas para facilitar o melhoramento genético do gado. Com a inseminação artificial, por exemplo, os machos geneticamente superiores produzem um número maior de descendentes altamente produtivos do que ocorreria com os programas de reprodução convencionais. Da mesma forma, com a transferência de embriões, as fêmeas geneticamente superiores produzem um número maior de descendentes altamente produtivos do que ocorreria com programas de reprodução convencionais.

A indústria de gado leiteiro nos Estados Unidos é usada como exemplo de aplicação das duas tecnologias. Segundo os especialistas, muitas mudanças aconteceram após a adoção generalizada da inseminação artificial (começando em 1965) e da transferência de embriões (começando em 2000). Entre 1965 e 2021, o número de vacas leiteiras naquele país caiu 37% e a oferta nacional de leite aumentou 74%. Já a produtividade por vaca aumentou 295%.

Esse melhoramento genético também melhorou a sustentabilidade da indústria de gado leiteiro dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a genética aprimorada e as melhorias de técnicas de manejo animal reduziram a pegada de carbono da indústria de gado leiteiro.

Um estudo revelou que, em 2007, a pegada de carbono do setor era apenas 37% da pegada de carbono do segmento em 1944. Para cada litro de leite produzido em 2007, a indústria de gado leiteiro dos Estados Unidos usou apenas 10% da terra, 21% dos animais, 23% dos alimentos e 35% da água que eram usados em 1944. Os números ficaram ainda melhores em 2017: comparado com 1944, a indústria leiteira norte-americana utilizou apenas 79,2% da terra, 74,8% dos animais, 82,7% das rações e 69,5% da água.

“Esse modelo de produção eficiente de leite, se adotado de forma mais ampla em escala global, aumentaria a sustentabilidade. Ele também pode ser adaptado para uso em outras espécies pecuárias, melhorando as tecnologias reprodutivas”, destacam os especialistas da Universidade de Iowa.

 

Fonte: Pra Todo Amanhã

 

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