Sintoma de
Parkinson que 'congela' movimento pode ser contido com tratamento desenvolvido
no Brasil
Uma
pessoa vai dar um passo, mas, de repente, congela. A sensação é como se os pés
tivessem ficado presos ao chão.
Esta
é uma consequência frequente da doença de Parkinson, o chamado
"congelamento da marcha". Pesquisadores estimam que mais de um terço
das pessoas com a doença têm este sintoma, que é uma causa frequente de quedas,
dependência e má qualidade de vida.
Uma
equipe da Universidade de São Paulo (USP), liderada pela pesquisadora Carla da
Silva Batista e supervisionada por Carlos Ugrinowitsch, da Escola de Educação
Física e Esporte da universidade, publicou em junho os resultados de um estudo
clínico que mostrou a eficácia de um protocolo de treinamento para tratar do
congelamento da marcha.
O
estudo dividiu 32 pessoas com Parkinson em dois grupos: um passou por
fisioterapia tradicional (15 pessoas) e outro, um treino específico proposto
pelos pesquisadores (17). Este combina exercícios de sobrecarga, coordenação
motora, cognição e instabilidade com bolas e pranchas — sim, cair também fez
parte do treinamento pelo qual os pacientes passaram por 12 semanas, em um
total de 36 sessões.
O
segundo grupo, que passou pelo treinamento específico, teve resultados melhores
em vários critérios, observados em questionários respondidos pelos próprios
pacientes, por avaliação médica do quadro e também por ressonância magnética.
"Construímos
um conjunto de exercícios complexos, porque a complexidade induz à
neuroplasticidade — que é a adaptação do cérebro a novos estímulos",
explicou Carla Batista à BBC News Brasil, destacando que os problemas vividos
por quem sofre do congelamento estão relacionados a uma parte do cérebro
chamada região locomotora mesencefálica.
A
neuroplasticidade cerebral se expressa, por exemplo, na formação de neurônios e
sinapses, conexões entre eles.
"No
treinamento específico para o congelamento da marcha, combinamos tarefas
concomitantes, exercícios de coordenação, força e equilíbrio. Também
trabalhamos o medo de cair, às vezes induzindo à queda — e os pacientes
relataram não só melhora nos movimentos, mas também na percepção do medo."
• Detalhes do estudo clínico
Os
resultados dos testes com os 32 participantes, todos tratados na Faculdade de
Medicina da USP, foram publicados mês passado no Movement Disorders, periódico
de sociedade internacional dedicada ao Parkinson.
Carla
Batista aparece com autora principal, ao lado de colegas da USP, da
Universidade Federal do ABC, e também de universidades no exterior, fruto de
períodos de estudo dela nos Estados Unidos. Ela fez parte do doutorado na
Northwestern University e agora pós-doutorado na Oregon Health and Science
University, nos dois casos com bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp).
O
estudo publicado no Movement Disorders é do tipo clínico randomizado controlado
(RCT, na sigla em inglês) — que envolve pacientes (clínico), divididos
aleatoriamente (randomizado) em grupos, um deles usando o tratamento sob teste.
Os experimentos, nesse caso, foram realizados entre junho de 2018 e abril de
2019.
Pelos
relatos dos participantes, o grupo que participou do treino específico apontou
maior melhora do que o grupo que seguiu a fisioterapia tradicional no
congelamento da marcha em si (melhora de 20% vs. melhora de 1%) e na qualidade
de vida (melhora de 23% vs. piora de 9%).
Na
ressonância magnética, foi possível observar também a reativação das áreas do
cérebro relacionadas ao congelamento da marcha. O modelo de análise de imagens
de ressonância magnética usado neste estudo foi desenvolvido por equipes da USP
e de pesquisadores dos EUA e Inglaterra, conforme apresentado em um artigo
anterior, de 2017.
Já
exames — ou seja, uma avaliação técnica e objetiva, e não relatos dos pacientes
—, indicaram melhora de 51% na frequência do congelamento da marcha entre os
que passaram por tratamento específico (versus piora de 63% na terapia
tradicional) e, na chamada preparação postural no início do passo, melhora de
58% versus piora de 12%, segundo o estudo.
A
preparação postural é um indicador importante, pois o congelamento da marcha
normalmente ocorre no início do passo ou na virada do corpo, possivelmente por
anormalidades motoras e cognitivas na configuração que precede o movimento.
• O que uma pessoa que tem congelamento da
marcha pode fazer hoje?
Entre
os sintomas de Parkinson, estão ainda rigidez nos músculos, lentidão nos
movimentos corporais, tremores e perda de equilíbrio.
De
acordo com Carla Batista, o congelamento pode durar de segundos a dois minutos.
Há remédios e até uma cirurgia, de estimulação cerebral profunda, que são
usados para tratar do congelamento da marcha — mas, segundo a pesquisadora, até
hoje, os resultados destes tratamentos são considerados inconclusivos.
"Com
nossa proposta de tratamento, estamos apostando em uma terapia de baixo custo —
na comparação com uma cirurgia, por exemplo — e que é eficaz em modificar a
doença, seja diminuindo, retardando ou até prevenindo o aparecimento do
congelamento da marcha. No futuro, a terapia poderia ser incorporada pelo Sistema
Único de Saúde, por exemplo", apontou.
Agora,
um próximo passo previsto para testar o tratamento será fazer um estudo clínico
com número maior de pessoas e, possivelmente, envolvendo pessoas que tenham
Parkinson mas não congelamento da marcha. A ideia é verificar se o treino
específico desenvolvido pela equipe e aplicado durante dois anos é capaz de
prevenir o aparecimento do sintoma.
Enquanto
o tratamento não passa por esta nova validação e diante das incertezas atuais
sobre remédios e cirurgias existentes, Batista diz que o paciente que passar
pelo congelamento deve respirar fundo e depois tentar levantar a ponta do pé,
seguida pelo calcanhar. Depois de respirar fundo, a pessoa pode tentar também
balançar o corpo, jogando-o de um lado para o outro, até que venha um
"gatilho" que dispara o movimento do passo.
Conhecida
por seus sintomas motores, como tremor nas mãos, doença de Parkinson tem
alcance mais amplo pouco a pouco descoberto, diz pesquisadora
Graduada
em educação física, Batista fez também seu doutorado na USP sobre o Parkinson —
ela também testou um protocolo de exercícios em pacientes com quadros leves a
moderados, mostrando que este foi superior à fisioterapia tradicional e ao uso
de remédios no alívio de diversos sintomas motores e não motores, como a
capacidade cognitiva. Já no trabalho atual, que resultou no artigo
recém-publicado, ela e sua equipe focaram especificamente no congelamento da
marcha e em pessoas com quadros mais severos.
Um
estudo publicado em 2018 na revista científica Lancet estimou que, no mundo,
6,1 milhões de pessoas viviam com Parkinson em 2016. Para o Brasil, o número
estimado foi de 128.836.
O
número global aumentou desde 1990, quando havia cerca de 2,5 milhões de pessoas
com a doença. Mas, desde então, não foi somente a dimensão quantitativa da
doença que mudou.
"Antes,
acreditava-se que o Parkinson afetasse somente indivíduos a partir da meia
idade e na função motora — levando a músculos mais fracos, tremor… Hoje,
entendemos que não se trata apenas de uma desordem motora, mas também
cognitiva, gastrointestinal, cardiovascular… E temos evidências também de que
pessoas acima dos 20 anos já podem ser afetadas", diz a pesquisadora.
Fonte:
BBC News Brasil
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