Eleições no
Paraguai: o partido que só perdeu uma eleição em 76 anos e agora se vê ameaçado
de nova derrota
Um
dos partidos políticos mais fortes da América Latina será
colocado à prova neste domingo (30/4).
O
Partido Colorado, legenda conservadora que governa o Paraguai quase
ininterruptamente desde 1947, enfrenta um grande desafio na eleição de turno
único que coloca seu candidato presidencial, Santiago Peña, contra vários
candidatos da oposição.
Vencer
nas urnas é uma especialidade dos colorados paraguaios: eles fazem isso há
décadas.
Seus
apoiadores atribuem esse sucesso à popularidade do partido e às conquistas de
seus governos. Já os críticos apontam que eles venceram suprimindo rivais por
meio de um regime militar, fraudes ou usando o Estado para atrair votos.
De
fato, a única vez que o partido perdeu oficialmente uma eleição presidencial
nos últimos 76 anos foi quando o ex-bispo Fernando Lugo foi eleito chefe de uma
coalizão de oposição em 2008.
Lugo
foi deposto quatro anos depois em um árduo julgamento político promovido pelo
Partido Colorado, que retomou o poder nas eleições seguintes.
Mas
agora outra figura coloca em risco o domínio do Colorado, segundo analistas.
Não
se trata do líder da oposição, mas de alguém do próprio partido: o
ex-presidente Horacio Cartes, que os Estados Unidos sancionaram por
"corrupção excessiva que mina as instituições democráticas".
·
"Substituiu
o Estado"
Fundado
em 1887 e também chamado de Associação Nacional Republicana (ANR), o Partido
Colorado paraguaio é um dinossauro da política latino-americana.
Em
um momento em que outros partidos tradicionais da região estão perdendo força,
os colorados no Paraguai ainda mantêm a Presidência sob o atual mandato de
Mario Abdo e controlam o aparato de um Estado que permeia toda a sociedade.
Uma
chave nessa história foi o regime militar de Alfredo Stroessner, o general
filiado ao partido que governou o país com mão de ferro entre 1954 e 1989.
Stroessner
tomou o poder após a guerra civil de 1947, quando os colorados retornaram ao
governo que haviam perdido décadas antes e desencadearam uma série de
conspirações e golpes arquitetados por homens do próprio partido.
Durante
seu governo de três décadas e meia, Stroessner organizou eleições fraudulentas
a cada cinco anos, com partidos de oposição banidos, milhares de detidos ou
torturados e centenas de desaparecidos.
Assim,
as fronteiras que separavam o partido do Estado tornaram-se cada vez mais
tênues. A troca de cargos públicos por afiliações virou norma, segundo
especialistas.
"Na
época de Stroessner, se você queria ir para a faculdade, tinha que entrar no
Partido Colorado, se queria ser militar, tinha que entrar no Partido
Colorado", disse o historiador paraguaio Fabián Chamorro à BBC News Mundo.
“Se,
por exemplo, seu pai ou sua mãe falecesse, você não recorria à ação social;
recorria à seccional colorada: cargos políticos nos bairros que serviam para
auxiliar os vizinhos”, diz. "Em outras palavras, a seccional colorada
substituiu o Estado."
·
"Um
fenômeno estranho"
Outra
peculiaridade do Partido Colorado é que, apesar dos abusos e da corrupção
desenfreada do regime militar, a legenda conseguiu se manter no poder após a
derrubada de Stroessner em um golpe liderado em 1989 por seu cunhado e braço direito,
o general Andrés Rodríguez, também "colorado".
A
afiliação ao partido foi transmitida das gerações mais velhas de colorados às
mais novas, em um processo que alguns comparam à fidelidade familiar a um time
de futebol.
"É
por isso que o coloradismo é um fenômeno tão estranho", explica Chamorro.
"Não importa quem é o candidato, não importa o currículo dele ou que seja
delinquente (...) o voto de identidade vai passar pra lá, sem problema
algum."
O
historiador, que é filiado ao Colorado e diz estar lutando para "mudar por
dentro", acrescenta que a compra de votos continua até hoje, seja em áreas
do interior rural do país ou em bairros pobres em terras sujeitas a inundações
pelo rio Paraguai, na periferia de Assunção.
“Eles
te colocam no carro, te levam para votar, você vota e te dão dinheiro”, diz
Chamorro. "Todos os movimentos fazem isso, mas o Partido Colorado é o que
mais movimenta dinheiro por ter a estrutura do Estado a seu favor."
O
senador colorado Enrique Riera afirma que "existiu uma cultura patronal em
todos os partidos durante o tempo em que estiveram no poder".
"São
resquícios da cultura da ditadura, porque os governos da oposição fazem o mesmo
e os municípios fazem o mesmo. Não estou dizendo que está certo, pelo
contrário, estamos lutando contra isso há muito tempo, mas não é uma
exclusividade [colorada]", disse Riera à BBC Mundo.
Ele
destaca que também houve setores democráticos do partido perseguidos pelo
regime de Stroessner e que desde 1989 as eleições no Paraguai foram
"absolutamente democráticas".
“O
Partido Colorado é um partido popular, de massas e mais de 50% da população é
filiada ou simpatizante dele”, diz o político, que também foi prefeito de
Assunção e ministro da Educação do Paraguai.
A
derrota única do Colorado em 2008 é atribuída por muitos a uma amarga divisão
que o partido tinha na época, e não a atos de corrupção ou clientelismo.
E
neste mês os colorados voltam às urnas com uma brecha interna que pode
custar-lhes o poder, agora divididos em torno da polêmica figura de Cartes.
·
"Muito
nervosos"
A
resistência de uma parte do Partido Colorado ao empresário bilionário que
governou o Paraguai entre 2013 e 2018 está longe de ser novidade.
“Cartes é uma figura muito autoritária e
dominante, pois praticamente comprou suas eleições dentro do Partido Colorado
para ser candidato em 2013”, diz Fernando Masi, sociólogo e economista que
dirige o Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (Cadep).
Ele
acrescenta que, como presidente, Cartes começou a ganhar apoio no Congresso, no
Judiciário e no Ministério Público, mas a rejeição à sua figura cresceu dentro
do próprio partido.
Por
causa disso e de sua tentativa fracassada de reformar a Constituição para se
reeleger, o que gerou fortes protestos nas ruas, os colorados escolheram Abdo
(filho do secretário particular de Stroessner e símbolo da ala tradicional do
partido) como candidato presidencial em 2018.
Mas
Cartes manteve controle interno e, nas primárias de dezembro, não só foi eleito
líder do partido, como também assegurou para Peña, seu ex-ministro da Fazenda e
afilhado político, a candidatura presidencial do Colorado.
No
mês seguinte, os EUA sustentaram que "a carreira política de Cartes foi
baseada e continua dependendo da mídia corrupta para o sucesso" e o
acusaram de ter laços com membros do Hezbollah, o grupo apoiado pelo Irã
considerado terrorista por Washington.
As
sanções do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento
do Tesouro implicam, entre outras coisas, que o ex-presidente seja impedido de
usar o sistema financeiro norte-americano.
Além
disso, quatro empresas de Cartes e o vice-presidente paraguaio, Hugo Velázquez,
foram sancionados.
Foi
um duro golpe para Cartes, que anunciou a dissolução de seu grupo empresarial e
rejeitou as acusações contra ele.
"Nego
e rejeito o conteúdo das acusações, que considero infundadas e injustas",
afirmou o ex-presidente em comunicado publicado em julho, quando os Estados
Unidos o acusaram de corrupção antes de sancioná-lo.
Em
março, ele disse estar "confiante de que com o tempo a verdade virá à
tona".
O
impacto que tudo isso terá nas eleições ainda é incerto.
Masi
destaca que as sanções dos EUA afetaram a campanha colorada, pois deixaram os
bancos relutantes em conceder crédito a um partido cujo líder e gestor de gastos
é Cartes.
"Eles
não podem usar os bancos e isso deixou os colorados muito nervosos, porque esse
dinheiro é necessário não apenas para o candidato presidencial, mas para todas
as outras candidaturas. Portanto, há pessoas que pedem [a Cartes] para renunciar
[à liderança]", disse Masi à BBC Mundo.
"Obviamente,
se o Colorado vencer, ele poderá se firmar como seu presidente", avalia.
"Mas se ele perder, será o momento em que vão exigir sua renúncia com
muito mais força."
As
pesquisas de intenção de voto diferem muito entre si: algumas colocam à frente
o governista Peña e outras o oposicionista Efraín Alegre, que tenta pela
terceira vez a Presidência.
Ex-ministro
de Obras Públicas do governo de Lugo e presidente do Autêntico Partido Liberal
Radical, Alegre lidera uma coalizão de forças de centro-direita e de esquerda
chamada Concertação Nacional.
Ø
Paraguai,
economicamente estável e afetado pela corrupção
O
Paraguai, que realiza eleições presidenciais e legislativas neste domingo(30),
é um país no coração da América do Sul elogiado por sua estabilidade econômica,
mas atormentado pela corrupção e pelo crime organizado.
Esta
nação de 406.752 km2, sem litoral, mas rica em rios, foi governada pelo conservador
Partido Colorado durante a maior parte das últimas sete décadas.
Seguem
alguns fatos importantes sobre este país de 7,5 milhões de pessoas, de maioria
católica.
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Corrupção e drogas -
Localizado
entre Bolívia, Argentina e Brasil, o Paraguai tem uma fronteira porosa,
atraente para os narcotraficantes.
A
maconha (que também produz) e a cocaína (principalmente de outros lugares)
transitam pelo Paraguai até o Brasil, de onde são enviadas para a Europa.
O
promotor Marcelo Pecci e o prefeito conhecido por sua luta contra a corrupção,
José Carlos Acevedo, foram assassinados em 2022 em crimes atribuídos ao
narcotráfico.
O
Paraguai ocupa a 137ª posição entre 180 países no ranking de corrupção da
organização Transparência Internacional.
·
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Legado guarani -
Com
uma população majoritariamente mestiça, o Paraguai tem um forte legado da
cultura indígena Guarani.
A
Constituição de 1992 estabeleceu duas línguas oficiais: o espanhol e o guarani,
faladas por 87% da população e obrigatórias nas escolas.
O
tererê, infusão de ervas que se toma gelada e é considerada a bebida nacional,
também é patrimônio do povo guarani.
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Domínio colorado -
O
Partido Colorado domina a vida política do Paraguai quase ininterruptamente
desde 1947. Sob sua égide, o ditador Alfredo Stroessner (1954-1989) governou
por 35 anos, cujo regime causou entre 1.000 e 3.000 mortes ou
desaparecimentos.
O
único presidente de fora do Partido Colorado foi o esquerdista Fernando Lugo,
que chegou ao poder em 2008. Lugo foi deposto em 2012, após um processo de
impeachment denunciado como golpe por Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela.
Em
2013, o empresário do tabaco Horacio Cartes, um dos homens mais ricos do
Paraguai, devolveu o Partido Colorado ao poder. Presidente até 2018, foi
sancionado pelos Estados Unidos como "significativamente corrupto" em
2022 junto com o atual vice-presidente, Hugo Velázquez.
Para
as eleições de domingo, a Concertación Nacional, uma coalizão de partidos de
centro e esquerda, espera quebrar a hegemonia do Partido Colorado. Efraín
Alegre, um advogado de 60 anos e duas vezes candidato à Presidência, está
empatado nas pesquisas com o colorado Santiago Peña, um economista de 44 anos.
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Eletricidade, hidrovia e soja -
O
Paraguai é um grande exportador de soja, carne bovina e energia hidrelétrica.
Possui
grandes hidrelétricas no rio Paraná, entre elas a Itaipu, em condomínio com o
Brasil, a segunda maior do mundo em produção depois da chinesa Três Gargantas.
Também
possui a hidrovia Paraguai-Paraná, cerca de 3.000 km desde sua nascente no
Brasil até sua foz no Río de la Plata.
Com
mais de 3.000 embarcações, o Paraguai possui a terceira maior frota de água
doce do mundo, atrás da China e dos Estados Unidos.
O
Paraguai, que tem uma carga tributária baixa de não mais que 10%, é um dos poucos
países da região onde o investimento estrangeiro direto aumentou durante a
pandemia de covid-19.
O
FMI prevê que a economia paraguaia crescerá 4,5% em 2023, bem acima da média
latino-americana (1,6%). Mas a pobreza atinge 24,7% da população.
Fonte:
BBC News Brasil/AFP
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