Depois do desastre
da Vale, quilombolas em MG perdem sua fonte de renda e ainda enfrentam o
assédio de grileiros
Juliene Teixeira Moreira tem 39 anos e nunca teve a
carteira de trabalho assinada. A oferta de empregos formais não é o forte em
Paraopeba, a cidade mais próxima da vila onde ela mora, Pontinha, uma
comunidade quilombola na região central de Minas Gerais, em uma área de Cerrado
ainda preservada. Para uma população de cerca de 25 mil habitantes, Paraopeba
dispõe apenas de 5,4 mil postos de trabalho, segundo a plataforma governamental
DataViva. A falta de oportunidades impacta no Índice de Desenvolvimento Humano
do município, que é 0,69 – inferior ao idh médio do Brasil (0,75).
Vivendo
na informalidade, Moreira, mãe de seis filhos, conseguia algum sustento com a
extração de minhocuçu, uma minhoca que pode chegar a 60 cm de comprimento e é
muito utilizada como isca por pescadores que frequentam o Rio Paraopeba. Ocorre
que desde 2019, quando aconteceu o rompimento da barragem da Vale, em
Brumadinho, a 130 km de Pontinha, o rio ficou impróprio para pescaria pela
quantidade de rejeitos despejada nas águas.
Quando
acontecia, a extração do minhocuçu – exercida na comunidade quilombola desde a
década de 1930 – era realizada na “larga”, área comum dentro da Pontinha, onde
todos podiam praticar a atividade. Bem cedo, eles saíam com as enxadas nas costas
para cavoucar a terra atrás das minhocas, que normalmente se alojam em buracos
a 25 cm do chão. A extração ocorria principalmente no período de seca, entre
março e outubro. Cada trabalhador chegava a retirar de duas a cinco dúzias por
dia, e a venda de cada animal para atravessadores rendia 1 real, em média.
Mas
a fonte secou e, hoje, Moreira e seus filhos vivem de doações e de um Programa
de Transferência de Renda (gerido pela Fundação Getulio Vargas) que a Vale foi
obrigada a pagar, por decisão judicial, como forma de minimizar os danos às
famílias. No valor de 600 reais por mês, o programa chega a 1,8 mil moradores
de Pontinha. “A gente aqui vive das águas. Mas, agora, sem poder contar com o
rio, o jeito é se virar com os seiscentos reais”, afirma Moreira. Nem sempre é
suficiente. Quando conversou com a piauí,
ela estava preparando, numa trempe improvisada com tijolos, a última porção de
arroz que recebeu de doação numa cesta básica. “É sufocante não ter o que dar
de comer para uma criança”, diz.
A vila central de Pontinha é constituída de sete ruas sem
asfalto, cobertas por uma terra vermelha que empoeira tudo em volta. Ficam ali
as casas da maioria das 470 famílias da localidade. Existe ainda um posto de
saúde, uma escola, um ponto de ônibus e uma associação comunitária, além de
dois bares e um mercadinho. Por disporem de água corrente e de alguns
equipamentos públicos, os habitantes da vila vivem em condições melhores que os
que moram afastados, alguns a mais de 2 km, como Juliene Moreira, em casas
muito precárias.
Esses
moradores enfrentam também a falta de água para o consumo diário, já que não
podem mais utilizar o rio para abastecimento, dado o risco de contaminação.
Como não conseguem custear a instalação de poços artesianos, que custam em média
500 reais por metro perfurado, dependem do fornecimento que vem em
caminhões-pipa da prefeitura, duas vezes por semana. A água é armazenada em
caçambas e transportada para dentro de casa em baldes. “O banho é de caneca e
nem sempre a água dura até a chegada do próximo caminhão”, conta Moreira.
Esses
percalços não são os únicos vividos pelos moradores de Pontinha. Apesar de
estarem a apenas 17 km da cidade de Paraopeba, eles sofrem com o isolamento,
porque o ônibus só passa duas vezes por semana, às segundas e sextas. Nos
outros dias, o percurso tem que ser feito numa caminhada de quase três horas, a
passos largos, ou por táxi, que cobra em média 50 reais pelo trajeto.
A
assistência à saúde também é ruim. Embora exista um posto, o médico aparece a
cada quinze dias e só atende consultas agendadas. Como a procura é grande, quem
não consegue vaga precisa buscar auxílio na cidade. Joelma Gonçalves, 51 anos,
que sofre de asma crônica, já teve que recorrer ao táxi dezenas de vezes para
ir ao hospital de Paraopeba nas crises severas de falta de ar. “A doença da
gente não é com hora marcada”, diz ela. “Quando a gente precisa nunca tem vaga
aqui no posto da vila.”
O isolamento e o ocultamento são situações impostas às
comunidades quilombolas – não só a de Pontinha – desde sempre. Para se ter uma
ideia, o Censo de 2022 é o primeiro da história a contabilizar essas
populações. Apontou que existem 1.208.702 quilombolas, a maior parte vivendo na
Bahia (29,38%), no Maranhão (21,20%), em Minas Gerais (10,35%) e no Pará (9,67%).
Em
seu livro Mocambos e Quilombos, de 2015, o historiador Flávio dos
Santos Gomes, professor da UFRJ, localiza no final do século XIX o início do
esquecimento dessas comunidades. “No pós-abolição, o processo de invisibilidade
foi gerado pelas políticas públicas – ou a falta delas –, que não enxergavam em
recenseamentos populacionais e censos agrícolas centenas de povoados,
comunidades, bairros, sítios e vilas de populações negras, mestiças, indígenas,
ribeirinhas, pastoris, extrativistas etc.”, escreve Gomes.
Somada
a esse abandono por parte do poder público, a exposição constante a conflitos
de terra aumenta o grau de vulnerabilidade da população quilombola da Pontinha,
que desde a década de 1980 enfrenta embates com grileiros que avançam cada vez
mais sobre suas terras. A Constituição promulgada em 1988 assegurou aos
quilombolas a propriedade da terra, desde que a área fosse reconhecida e
regularizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Ocorre que há um descompasso entre os pedidos de regularização e a finalização
de fato dos processos. Essa demora na regularização de áreas quilombolas é um
problema crônico no Brasil. De acordo com o próprio Incra, atualmente o órgão
tem 1.797 processos abertos e apenas 164 reconhecidos. No caso de Pontinha, o
processo tramita desde 2004 sem uma solução final.
Por
outro lado, o orçamento do Incra para reconhecimento e indenização de
territórios quilombolas, embora venha sendo reduzido gradativamente nos
últimos dez anos, sofreu corte de 98% nos últimos três anos,
incluindo o período em que essas populações mais precisavam de políticas
públicas, por causa da pandemia. Em 2020, o Incra destinou 29,6 milhões de
reais para essa ação. Já em 2021 o orçamento caiu para 318 mil reais e, em 2022,
foi para 505 mil reais. E essas políticas só são destinadas a comunidades
devidamente regularizadas.
Antes
mesmo de assumir a Presidência da República, em 2017, o então pré-candidato
Jair Bolsonaro deixou claro que, se eleito, travaria em sua gestão toda e qualquer
ação de regularização de terra quilombola. Em uma palestra no Clube Hebraica,
no Rio de Janeiro, usando expressões de cunho racista, afirmou:
Pode
ter certeza que, se eu chegar lá, não vai ter dinheiro para ONG […]. Não vai ter
um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola. Eu fui num
quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Eles não fazem
nada. Eu acho que nem para procriador eles servem.
Pelas
ofensas, Bolsonaro foi condenado pela Justiça Federal do Rio a pagar multa de
50 mil reais, mas recorreu, e o caso foi encerrado na segunda instância. Em seu
governo, contudo, seguiu à risca a promessa. Além dos cortes no Orçamento, o
Incra revogou uma licitação para contratar empresas que identificariam e
delimitariam comunidades remanescentes de quilombos.
Para
este ano de 2023, o orçamento continua reduzido – estão previstos os mesmos 505
mil reais do exercício de 2022. Procurada, a nova gestão do Incra, que assumiu
em janeiro, disse que a discussão sobre o orçamento da ação de reconhecimento e
indenização de territórios quilombolas será realizada “após a liberação da
dotação orçamentária e a definição de gestores e diretrizes da política para
essas populações”.
Com
um relógio que anda mais rápido do que a burocracia de Brasília, um rapaz
sorridente percorre todos os dias as moradias mais distantes de Pontinha, a
bordo de sua scooter Honda. Trata-se do presidente da Associação Comunitária
Quilombola da Pontinha, Renato Moreira Gonçalves, de 44 anos, que atravessa as
estradas esburacadas para chegar até os moradores que passam por mais
dificuldades. “Sem a regularização pelo Incra, não conseguimos nenhum benefício
oferecido pelo governo”, diz. “Veio a pandemia, e a gente ficou sem receber
nada, tem gente passando fome mesmo por aqui. O que a Vale paga para algumas
famílias é quase nada.”
Numa
das casas visitadas, numa tarde quente de verão, Gonçalves fica com os olhos
cheios de lágrimas ao ver um dos moradores mais respeitados da comunidade,
Euler Moreira, um senhor de 75 anos, de corpo franzino e rala barba branca,
retirando água na caçamba para levar para dentro de casa. “Ainda bem que tem
essa água que vem no caminhão pipa”, afirma o quilombola, que tem câncer de
próstata. “No mais, vamos pelejando com o que Deus dá e olhando para frente,
porque olhar para trás é sofrer duas vezes.”
Depois
de levar a água para dentro, sentado no alpendre de sua casinha sem forro,
Euler Moreira diz que já teve dia de não ter o que comer. Quando isso ocorre,
ele apela para a vizinhança, que sempre acolhe com solidariedade e faz com que
o pouco sirva para muitos. “Aqui quase todo mundo é parente e se trata como uma
família.”
Na
memória dos mais velhos, o território da comunidade era muito maior do que é
hoje. Lugares que se tornaram ao longo de décadas pontos de referência para a
história desses quilombolas – como a Lapa de São Bento e a Lagoa Dourada, a
pouco mais de 2 km do centro da vila – agora fazem parte de uma grande fazenda
de exploração de eucalipto. “Os fazendeiros foram vindo, foram vindo, e a gente
ficou no meio”, diz Euler Moreira.
A
Lapa de São Bento é considerada milagrosa pelos moradores de Pontinha, que
realizam celebrações religiosas no interior de uma gruta e costumam se dirigir
até lá em procissão, em louvor a Nossa Senhora. Já a Lagoa Dourada é tida por
eles como encantada, porque abrigaria no fundo das águas uma cidade submersa.
Atualmente, para frequentarem esses lugares, os moradores do quilombo têm que
pedir permissão ao gerente da fazenda de exploração de eucalipto – o que nem
sempre acontece, por eles acreditarem ter direito sobre a terra, o que gera
mais conflito.
Na
tradição oral de Pontinha, a origem da comunidade remonta ao século XVIII,
quando escravos libertos vindos das minas já decadentes de Ouro Preto pararam
ali durante uma viagem à Diamantina, em busca de pedras preciosas. Eles seriam
liderados pelo filho de Chico Rei – lendário personagem que teria sido rei do
Congo e veio escravizado para o Brasil. Ao se estabelecerem na região, os
escravos libertos teriam recebido um pedaço de terra do padre Antônio
Salustiano Moreira, proprietário da sesmaria que abrangia aquele território.
“Fiquem nessa pontinha de terra”, teria dito o padre. Daí o nome da comunidade.
Entretanto,
de acordo com o pesquisador Romeu Sabará, que estudou a origem da comunidade, a
história real é outra. A hipótese mais plausível, segundo sua pesquisa, é a de
que o início da ocupação tenha acontecido no século XIX e esteja diretamente
associado à implantação da Fábrica de Tecidos do Cedro, que se estabeleceu em
Paraopeba em 1872 e utilizava entre seus funcionários mão de obra escrava. Com
a abolição, em 1888, parte dos ex-escravizados teria ficado por ali e ganhado
um pedaço de terra para morar.
Muitos moradores de Pontinha já perderam a esperança de
um dia ver um documento que lhes garanta a posse de sua terra. Avalino da
Silva, um homem magro e alto, que aparenta menos do que os seus 79 anos, passa
os dias sentado na varanda de sua pequena casa, esperando a chegada de algum
fazendeiro que alegue ser dono da terra. Com os pés e mãos marcados pelo
trabalho de muitos anos na lavoura, ele se emociona ao dizer que seu consolo é
saber que a esposa, com quem viveu mais de cinquenta anos, não está mais ali
para ver isso acontecer.
Silva
exerce o papel de capitão nas apresentações de congado, que acontecem em
agosto, na Festa de Nossa Senhora do Rosário. É o momento de maior alegria na
comunidade. Até mesmo moradores de cidades vizinhas vão até Pontinha para ver a
encenação musical que recria a coroação de um rei do Congo. A solenidade começa
com o levantamento da bandeira em homenagem à santa, padroeira dos congadeiros.
Os participantes vestem-se de branco, com um saiote de fitas coloridas e o
rosário de lágrimas a tiracolo. Os homens usam quepes. Saem em procissão até
uma capela, dançando ao som de viola, cavaquinho, bumbo e chocalhos. “É a
melhor hora do ano”, diz Silva. “No mais, a gente vai vivendo com o pouco
que tem e só espera que não chegue alguém e passe o trator ou solte o gado em
cima de nós.”
Mesma
preocupação tem Rosalina Moura Barbosa, de 94 anos, a moradora mais idosa de
Pontinha. Ela já trabalhou como empregada doméstica, lavradora e garimpeira.
Hoje se sente “milionária” com os dois salários mínimos que recebe por mês, de
duas aposentadorias: a sua e a do falecido marido. “Para quem comia o refugo de
grão de arroz, aquilo que não prestava e as pessoas deixavam de lado”, diz ela.
“Hoje em dia eu tenho uma vida de rainha.”
Lúcida
e disposta, Barbosa ainda exerce as atividades domésticas, como limpar a casa,
cozinhar e lavar roupa. Gosta de usar vestidos estampados e turbante. Enquanto
prepara angu em um grande tacho no fogão a lenha, ela muda o tom de voz quando
fala da insegurança que todos têm ali devido à falta de documentação da posse
da terra. “Meus bisavós, que vieram da África, deixaram para nós esse pedaço de
chão. Como pode vir alguém agora e tirar?”
Foi
o que se perguntou José Eunício Moreira, de 78 anos, um homem baixo e
reservado, quando um fazendeiro chegou em Pontinha, no ano passado, abriu um
mapa no meio da rua e mostrou a um grupo de quilombolas aquilo que alegava ser
seu. “Ele já chegou com as máquinas, querendo que a gente saísse. Fomos com
educação, com calma, e dissemos que ele só entrava por cima do cadáver da
gente. Graças a Deus, não teve derramamento de sangue, mas não sei até quando
isso vai durar.”
O
momento de maior tensão nas disputas pela posse da terra ocorreu nos anos 1990.
Naquela época, um grande fazendeiro entrou na Justiça com uma ação cautelar
para tentar impedir os moradores da Pontinha de usar, dispor e trabalhar numa
gleba que ele alegava ser sua. O processo se alongou por um grande período,
causando profunda insegurança entre os quilombolas. A situação só se normalizou
quando os vereadores de Paraopeba aprovaram uma lei definindo como de
“utilidade pública para preservação natural, ecológica e cultural” a área de 96
hectares onde fica a comunidade. A lei garantiu a permanência da população
originária, mas não assegurou a eles a propriedade da terra. Diante dessa
indefinição jurídica, os grileiros voltaram e os conflitos continuaram.
De
acordo com a Comissão Pastoral da Terra, no primeiro semestre do ano passado
houve um aumento de 5,4% nas ocorrências de conflitos por terra no Brasil,
envolvendo assentados, indígenas e quilombolas. No primeiro semestre de 2021
foram 570 casos, enquanto no mesmo período de 2022 foram 601. Os dados do
segundo semestre ainda não estão computados.
Com
medo da violência que a luta pela terra pode gerar, Eunício Moreira passa as
noites com um olho fechado e outro aberto em sua casa construída de adobe – a
última da comunidade feita desse tijolo de argila, que era muito utilizado no
início do povoado. “A gente nunca sabe o que vai acontecer”, diz ele. Enquanto
nada acontece, ele trabalha numa máquina caseira de produção de farinha, junto
com os filhos, que se mantiveram em Pontinha por terem essa ocupação, ao
contrário de outros jovens da comunidade.
A questão da migração de quilombolas em busca de trabalho
ganha contornos de tragédia, quando se sabe que muitos deles acabam se
enveredando em situações análogas à escravidão, em grandes propriedades
agrícolas. Um estudo feito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
concluiu que, em metade dos municípios com comunidades quilombolas estudados,
ocorreu o resgate de pessoas em situação análoga à escravidão. Entre as cidades
sem comunidades quilombolas, essa ocorrência caía para 25%.
O
pesquisador Bernardo Freitas Gonçalves, orientado pelo professor Diego
Rodrigues Macedo, do departamento de Geografia da UFMG, utilizou para o estudo
a base de dados de resgatados pelo Projeto Nacional Resgatando Cidadania, do
Ministério Público do Trabalho. “Esse trabalho indicou que os municípios que
possuem baixos indicadores socioeconômicos são importantes áreas de influência
para identificação da origem dos trabalhadores resgatados em situação análoga à
escravidão”, diz Gonçalves. “Além disso, esses municípios também possuem alta
proporção de comunidades quilombolas.”
Mas,
mesmo em municípios sem essas comunidades, os negros costumam ser a maioria dos
trabalhadores em situação análoga à escravidão. Em Goiás, a maioria das 250
pessoas resgatadas nessa situação, em 2022, era preta ou parda, de acordo com o
procurador-chefe Alpiniano do Prado Lopes, do Ministério Público do Trabalho.
Ele considera que essa escravidão moderna é tão grave ou mais do que a que
perdurou no Brasil até 1888. “Isso porque, naquele tempo, os senhores
preservavam a vida dos cativos pelo interesse patrimonial, hoje nem isso
fazem”, diz o procurador.
Em
outra comunidade quilombola, a Vila Santo Isidoro, no município de Berilo, a
cerca de 500 km ao Norte de Belo Horizonte, cerca de 40% dos habitantes migram
todos os anos em busca de trabalho. Como Afonso (nome fictício), que trabalha
durante oito meses por ano em uma usina de álcool em Goiás. O trabalhador, que
pediu para não ser identificado por medo de represálias, conta que o serviço na
usina se estende por mais de doze horas por dia, com apenas um intervalo para o
almoço. No alojamento, dormem quarenta pessoas e, às quatro da manhã, já estão
todos de pé. “É como escravidão, só falta apanhar. O resto é tudo igual”, diz
ele.
Preocupado
em não entrar para a perversa estatística dos quilombolas resgatados em
trabalho análogo à escravidão, Ruam Alves, de 28 anos, fez tudo o que pôde para
permanecer na comunidade da Pontinha e manter um emprego numa engarrafadora de
água mineral no município de Papagaios – do outro lado do Rio Paraopeba. Como a
ponte que fazia a ligação entre Pontinha e Papagaios caiu depois de uma
enxurrada, Alves passou a atravessar o rio a nado. Eram 100 metros de água e
ele chegava encharcado ao trabalho. Antes de assumir suas funções, tomava banho
e vestia roupas secas deixadas num armário. “Acontece que veio o desastre da
Vale, o rio ficou contaminado e não pude mais atravessar”, conta. “Perdi o
trabalho por conta disso, porque pelo outro caminho levava mais de uma hora
para chegar, e eu me atrasava todos os dias.” Hoje, desempregado, o quilombola
já pensa em se arriscar nas colheitas de cana de São Paulo e Goiás, como faz a
maioria dos seus companheiros da Pontinha. Só não sabe se, caso faça isso, vai
voltar um dia.
Fonte:
Revista Piauí
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