Cerrado brasileiro
pode ser exemplo de pecuária sustentável no mundo
A
avaliação é do líder da National Wildlife Federation (NWF) no Brasil, o
engenheiro agrônomo Francisco Beduschi Neto. Para que isso aconteça, no
entanto, ele considera que é necessário integrar os diversos atores que atuam
no bioma. O especialista destaca que, nesse processo, é importante encontrar
formas de trabalho conjunto e conectado e que possam ser replicadas como
negócio de pecuária sustentável no Cerrado.
A
“tempestade perfeita” que envolve o potencial do bioma inclui a cadeia de valor
de carne bovina, com produtores dispostos a cumprir essa finalidade, crédito
para financiamento da atividade, diversas tecnologias e inovações.
• Pecuária sustentável no Cerrado inclui
uso inteligente dos recursos
Uma
das estrelas de tecnologias sustentáveis praticadas na região é a
Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), uma estratégia de produção que
utiliza diversos sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro
de uma mesma área, de forma integrada. O sistema aprimora o uso da terra,
aumentando a produtividade, aproveitando melhor os insumos, diversificando a
produção e gerando mais renda e emprego.
Outro
ponto a favor é a existência do Protocolo Cerrado, iniciativa voluntária que
conta com a participação de atores da indústria frigorífica e varejo, e que tem
o objetivo de contribuir para o alinhamento das melhores práticas de
monitoramento socioambiental da cadeia de fornecimento de bovinos no bioma.
De
acordo com a Rede ILPF, organização sem fins lucrativos focada na tecnologia, o
Brasil conta com mais de 17,4 milhões de hectares de área produtiva onde se
aplicam o ILPF, com destaque para o Mato Grosso Sul, com mais de 3 milhões de
hectares com a tecnologia, o que representa cerca de 16% da área agrícola do
estado. Na última década, a expansão do ILPF bateu os 248%.
Outra
iniciativa necessária, segundo o Beduschi, é melhorar a comunicação do setor.
Ele defende que todas as ações e iniciativas implementadas pela cadeia de valor
da carne sejam de conhecimento dos compradores, consumidores, investidores e
varejistas. “Devemos melhorar a nossa narrativa, ou seja, contar a história.
Isso inclui falar sobre o caminho sustentável que o agro brasileiro está
percorrendo, qual sua direção, progresso e objetivos”, resume.
Pecuária intensiva e sustentável é o
futuro, mostra Embrapa
O
modelo de pecuária extensiva não cabe no prato do futuro. “Nos próximos anos, a
intensificação das pastagens trará mais sustentabilidade e a tão sonhada carne
neutra de emissões de gases de efeito estufa”. A afirmação é de André Luiz
Monteiro, chefe adjunto do Centro de Pesquisa Embrapa Pecuária Sudeste.
Monteiro fez apresentação na ANUFOOD Brasil 2023, que aconteceu entre os dias
11 e 13 de abril em São Paulo.
O
modelo de pecuária extensiva está fadado a desaparecer em breve, segundo ele.
“Pode demorar quatro, cinco ou 10 anos, mas com certeza não é o modelo de
produção de carne do futuro”, enfatizou. Para Monteiro, a intensificação da
pecuária, bem como o uso mais eficiente da pastagem, trará oportunidades de
crescimento para o setor.
No
Brasil, pelos seus cálculos, há 150 milhões de hectares de pasto produzindo
carne e leite, o que dá muito espaço para aumentar a produção sem necessitar
“abrir um hectare a mais de pasto”.
Mas
o que está por de trás do modelo intensivo? Para Monteiro, é uma mistura de
tecnologia, ciência e uso de técnicas que já eram conhecidas e que fazem todo
sentido no solo brasileiro, como os sistemas de interação
lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
O
uso de gramíneas e sistemas de forragem próprios também podem apoiar o
sequestro de carbono da atmosfera, o que apoia ainda mais a neutralidade das
emissões – e também o sequestro do metano emitido. “O Brasil tem um clima
único, que permite trabalhar com lavoura e árvores no mesmo lugar”, apontou.
• Menos emissões
Intensificar
o sistema significa também usar técnicas de melhoramento genético e de manejo
do pasto. Os resultados práticos já podem ser vistos em redução de emissões.
De
acordo com dados da Embrapa, as práticas de melhoramento genético, por exemplo,
podem reduzir em até 38% as emissões de GEE do gado. Já o pastejo contínuo e
manejado tem potencial de reduzir em 22% esse indicador.
O
pastejo racionado e manejado, por sua vez, tem capacidade de reduzir as
emissões de GEE em 35%, e os ajustes da alimentação podem diminuir em 37% as
emissões provenientes do gado. ”Isso porque não foram contabilizadas as
reduções de emissões etéreas de metano, e nem o potencial de captura de carbono
das raízes e folhas de árvores e plantas no sistema ILPF”, afirma Monteiro.
A
rastreabilidade da cadeia, um passo importantíssimo para esse sistema, também
ficou de fora das contas e ela tem um potencial para trazer melhorias contínuas
para o mercado.
Com
estas ações, é possível chegar ao equilíbrio entre as emissões e o capturado de
carbono no ar. Quando se fala numa produção do tamanho da brasileira, esses
tipos de alterações tendem a ter um impacto gigantesco. “Não se trata de uma
ciência que vai ser lançada ainda, de uma tecnologia nova. Isso tudo já está
sendo usado hoje em dia no gado. E tende a ser ainda mais desenvolvido nos
próximos anos”, disse Monteiro.
• Transformação em grupo da pecuária
intensiva sustentável
Há
10 anos, o uso de tecnologia era pequeno, voltado para poucos produtores. Hoje,
já são 18 milhões de hectares que usam sistemas com algum modelo de integração
com a floresta. E está crescendo cada vez mais, de acordo com o especialista da
Embrapa Pecuária Sudeste.
Esse
tipo de sistema de produção é o futuro, onde há recursos mais baratos, o
produtor consegue diversificar a renda e também emitir menos.
Mesmo
assim, as transformações não são simples, e exigem um esforço contínuo e
coordenado do mercado e da sociedade. “É um desafio global, que exige um
esforço global. Precisam mudar sistemas de produção, mexer com a dieta, com a
forma que o animal é produzido”, concluiu Monteiro.
Pecuária precisa de métricas padronizadas
para medir gases de efeito estufa
O
setor pecuário global precisa urgentemente de um sistema de medição padronizado
para os dados de gases de efeito estufa (GEE). Essa avaliação foi feita pelo
Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT), organismo da União Europeia,
e resumida no documento que descreve a necessidade crítica de ferramentas e
métricas padronizadas para apoiar o setor de pecuária de ruminantes no Reino
Unido e na Irlanda, com o objetivo de atingir a neutralidade de carbono.
Intitulado
Achieving Net Zero Targets in the Ruminant Livestock Industry in the UK and
Ireland, o white paper descreve seis recomendações prioritárias que incluem,
dentre outras iniciativas, a promoção de estratégias de agricultura
regenerativa e formas de recompensar os agricultores que apoiam a transição
para a economia de baixo carbono.
Segundo
o relatório, a diversidade do setor pecuário significa que uma combinação de
soluções será crucial para permitir todo o seu potencial de redução de emissões
de GEE. Apesar de se concentrar no Reino Unido e na Irlanda, as recomendações
do relatório podem ser relevantes em toda a indústria global de gado ruminante.
• Sistema global de métricas de GEE na
atmosfera pode ser solução para controle de emissões
Um
dos desafios descritos é o cenário atual que mostra que os dados de gases de
efeito estufa não estão sendo capturados atualmente na maioria das fazendas no
Reino Unido e na Irlanda. Um sistema de medição padronizado internacionalmente
poderia avaliar os efeitos de quaisquer mudanças ou intervenções ao longo do
tempo, caso fosse aplicado.
Outras
recomendações do relatório incluem ações para formuladores de políticas, a
implantação de soluções inovadoras e pesquisas adicionais necessárias para
permitir a transição do setor pecuário de ruminantes para o Net Zero.
Além
da padronização citada, outras recomendações incluem a otimização da idade de
abate de gado ruminante, para reduzir as emissões de metano, e políticas que
recompensem os agricultores por apoiarem a transição para as estratégias de
redução de emissões. “O envolvimento dos agricultores será essencial para
apoiar o envolvimento e a confiança destes empreendidos nas soluções de impacto
propostas”, destaca o relatório.
As
sugestões incluem ainda a expansão da rede de fazendas-modelo, a promoção de
estratégias de gestão de terras para o Net Zero, a melhoria da compreensão da
complexidade do sequestro de carbono para garantir uma resposta holística e a
combinação de soluções em função da diversidade de sistemas, espécies e
geografias na indústria pecuária de ruminantes.
Rastreabilidade na pecuária é fundamental
para a sustentabilidade
A
pecuária não deve ser uma ameaça aos biomas. Para que seja sustentável, é
necessária a adoção de uma série de medidas, que envolvem monitoramento,
financiamento e tecnologia para evitar o desmatamento. E, apesar de o Brasil
ser atualmente o maior exportador global de carne bovina, a falta de
rastreabilidade na pecuária pode comprometer essa posição de protagonismo.
Por
exemplo, em dezembro do ano passado a União Europeia (terceira maior compradora
de produtos de origem brasileira) proibiu a entrada de itens oriundos de áreas
de desmatamento. Além disso, consumidores do Reino Unido, Estados Unidos e
Japão se mostram cada vez mais exigentes com questões que envolvem a
procedência da carne e o bem-estar dos animais.
“É
por isso que o Brasil precisa de uma política pública ‘robusta’ que estabeleça
a rastreabilidade da carne”, defende Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade
da Marfrig. Segundo ele, a indústria pode ser uma mitigadora de riscos, mas o
governo tem papel fundamental neste processo, especialmente no que diz respeito
à rastreabilidade.
Em
conteúdo apresentado pela Marfrig no NeoFeed, Pianez explica a complexidade da
indústria de carne e a importância de tecnologias e ferramentas que possam
garantir o controle e a conformidade com as exigências internacionais. Segundo
ele, já existem alguns instrumentos, que precisam ser aprimorados. Um exemplo é
a Guia de Trânsito Animal (GTA), que atualmente é usada somente para controle
sanitário, mas que também pode contribuir para o monitoramento.
• GTA e blockchain podem garantir a
rastreabilidade
Para
o biólogo Roberto Waack, integrante do Conselho de Administração da Marfrig, as
informações coletadas pela GTA, com a segurança da blockchain, poderiam
contribuir para a identificação das áreas de risco, além de promover a
rastreabilidade.
Porém,
uma das grandes barreiras é o fato de que cerca de 75% dos 2,5 milhões de
produtores nacionais são considerados de pequeno e médio porte e enfrentam dificuldades
para se adaptarem às regras — normalmente por desconhecimento ou por falta de
financiamento para a implementação de tecnologias.
Ricardo
Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade
de São Paulo (USP), ressalta que não basta financiamento para aquisição de
animais. “É preciso que os produtores aprendam a fazer o manejo sustentável do
solo e a diversificação das pastagens, pensando também no bem-estar animal. Só
deveria receber financiamento aqueles que se comprometessem com a pecuária
regenerativa”, disse ele ao NeoFeed.
• Programa Verde+ da Marfrig
Vale
destacar que a sustentabilidade é um dos pilares da Marfrig, que criou, há três
anos, o Programa Verde+, com o objetivo de garantir que até 2030 100% de sua
cadeia de fornecimento esteja livre do desmatamento. Para tanto, além de
investimentos da ordem de R$ 500 milhões, a empresa deve instituir, até 2025,
protocolos para reinclusão de fornecedores bloqueados.
Também
até 2025, a Marfrig pretende rastrear 100% da cadeia de fornecimento da
Amazônia — atualmente, esse índice é de 71% no caso dos produtores da Amazônia
e 72% dos localizados na região do Cerrado.
Tecnologias reprodutivas podem melhorar
eficiência da pecuária
O
uso inteligente de tecnologias reprodutivas, como inseminação artificial e
transferência de embriões, pode melhorar a eficiência da produção de alimentos
de origem animal e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto ambiental da produção
pecuária. Essa é a avaliação dos especialistas do Departamento de Ciência
Animal da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. O ponto de vista deles foi
consolidado no e-book Reproductive Technologies for Sustainable Livestock
Production.
O
documento destaca o papel da inseminação artificial e da transferência de
embriões como iniciativas para facilitar o melhoramento genético do gado. Com a
inseminação artificial, por exemplo, os machos geneticamente superiores produzem
um número maior de descendentes altamente produtivos do que ocorreria com os
programas de reprodução convencionais. Da mesma forma, com a transferência de
embriões, as fêmeas geneticamente superiores produzem um número maior de
descendentes altamente produtivos do que ocorreria com programas de reprodução
convencionais.
A
indústria de gado leiteiro nos Estados Unidos é usada como exemplo de aplicação
das duas tecnologias. Segundo os especialistas, muitas mudanças aconteceram
após a adoção generalizada da inseminação artificial (começando em 1965) e da
transferência de embriões (começando em 2000). Entre 1965 e 2021, o número de
vacas leiteiras naquele país caiu 37% e a oferta nacional de leite aumentou
74%. Já a produtividade por vaca aumentou 295%.
Esse
melhoramento genético também melhorou a sustentabilidade da indústria de gado
leiteiro dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a genética aprimorada e as
melhorias de técnicas de manejo animal reduziram a pegada de carbono da
indústria de gado leiteiro.
Um
estudo revelou que, em 2007, a pegada de carbono do setor era apenas 37% da
pegada de carbono do segmento em 1944. Para cada litro de leite produzido em
2007, a indústria de gado leiteiro dos Estados Unidos usou apenas 10% da terra,
21% dos animais, 23% dos alimentos e 35% da água que eram usados em 1944. Os
números ficaram ainda melhores em 2017: comparado com 1944, a indústria
leiteira norte-americana utilizou apenas 79,2% da terra, 74,8% dos animais,
82,7% das rações e 69,5% da água.
“Esse
modelo de produção eficiente de leite, se adotado de forma mais ampla em escala
global, aumentaria a sustentabilidade. Ele também pode ser adaptado para uso em
outras espécies pecuárias, melhorando as tecnologias reprodutivas”, destacam os
especialistas da Universidade de Iowa.
Fonte:
Pra Todo Amanhã
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