sexta-feira, 28 de abril de 2023

Indústrias de armas e empresa de segurança possuem áreas em terras indígenas

Empresas brasileiras dos setores de segurança e de armas têm braços ruralistas em conflito com os povos indígenas, aponta o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado na quarta-feira (19) pelo De Olho nos Ruralistas. O documento apresenta 1.692 sobreposições de empresas e empresários nacionais e internacionais em 213 terras indígenas (TIs). Dessas invasões, três são protagonizadas pelo mundo das armas em três diferentes estados: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo.

As terras indígenas ocupam apenas 2,2% da área total do Mato Grosso do Sul, dono da maior desigualdade fundiária do país. Mesmo com 92% das terras do Mato Grosso do Sul em mãos privadas, os grandes fazendeiros sul-mato-grossenses querem mais. Antonio Marcos Moraes Barros é um deles.

Ele foi presidente da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), líder global em munições para armas portáteis e controladora da Taurus, uma das maiores fabricantes de revólveres e pistolas do mundo, onde chegou a ser um dos maiores acionistas. Hoje, é diretor da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), com sede em Brasília. É sócio de uma empresa de aluguel de imóveis próprios em São Paulo. E, com familiares, da Elamar Participações e Agropecuária Ltda. A Elamar é a proprietária da Fazenda Janaína, no município de Amambai (MS). Metade de seus 2.384 hectares, 1.157,7 ha, estão sobrepostos à TI Dourados-Amambaipeguá I, onde vivem quase 6 mil indígenas.

Em 2018, ainda presidente da CBC, Barros doou R$ 30 mil para a candidatura de Ricardo Salles a deputado federal. Naquele ano, ele fez campanha defendendo o uso de “munição de fuzil” contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Seu número de urna, 3006, se referia à bala de fuzil fabricada pela CBC. Derrotado, Salles virou ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro. Em 2022, afastado da CBC/Taurus, Barros contribuiu com R$ 50 mil para a campanha do candidato à reeleição para a Câmara Luiz Philipe de Orleans e Bragança (PL-SP), mesmo após o deputado ter dito, em 2019, que “a escravidão é um aspecto do ser humano”, inclusive “das tribos indígenas umas com as outras”.

A violência armada é um dos principais martírios vividos pelos Guarani Kaiowá. Em 2016, a mesma TI foi atacada a tiros por fazendeiros de Caarapó. Uma das balas atingiu o abdômen e o tórax do agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, líder da Aldeia Tey Kuê. Outros seis indígenas ficaram feridos, entre eles uma criança de 12 anos.

INDÚSTRIA DE MÍSSEIS TEM FAZENDA EM TERRA INDÍGENA NO LITORAL PAULISTA

Outra empresa do setor apresenta sobreposição em terra indígena. A fabricante de mísseis e munições militares Avibras Indústria Aeroespacial S.A., maior empresa privada de sistemas de defesa do Brasil, declara um imóvel rural no litoral norte de São Paulo que tem a maior parte de sua área sobreposta à TI Boa Vista Sertão do Promirim. A Fazenda Avibras tem 1.793 hectares, dos quais 1.423 ha foram identificados pela Funai em 2013 como parte do território tradicional do povo Guarani Mbya, que aguarda a conclusão do processo demarcatório.

Em sua declaração institucional de respeito ao ambiente, a Avibras diz que é sua propriedade em Ubatuba que inclui uma TI: “A Avibras mantém ainda em Ubatuba uma propriedade (área de preservação permanente) com mais de 28 milhões de metros quadrados, na qual se inclui uma reserva indígena”.

Baseada em São José dos Campos (SP), a Avibras foi fundada no início da década de 60 por engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A empresa é controlada pela família Carvalho Leite e tem 80% da sua produção voltada para exportação. A empresa é credenciada pelo Ministério da Defesa como Empresa Estratégica de Defesa (EED), o que lhe garante regime especial — facilitado — de contratação pelo poder público. Mesmo operando sob regras diferenciadas, e com o mercado bélico internacional aquecido, a Avibras enfrenta uma grave crise financeira e está, desde 2022, em processo de recuperação judicial.

Um contrato de R$ 380 milhões com as Forças Armadas, a ser financiado pelo BNDES, tem sido visto como uma possível tábua de salvação para a indústria de mísseis conseguir quitar suas dívidas. A solução do passivo com o povo Guarani Mbyá, por justaposição de propriedade privada à TI Boa Vista Sertão do Promirim, esta não se vislumbra no horizonte.

SÓCIOS DO GRUPO PROTEGE TÊM FAZENDA INCIDENTE NA TI JAPUÍRA, NO MT

A pecuária bovina serve de investimento para outro grupo ligado à indústria de segurança. Em Juara (MT), uma grande fazenda avança com 174,4 dos seus 7,5 mil hectares sobre a Terra Indígena homologada e registrada de Japuíra, do povo Rikbaktsa. Trata-se da Fazenda Conceição, registrada em nome da Propec Agropecuária e Imobiliária S/A, empresa de Jaguariúna, no interior paulista, que tem como sócios Marcelo Baptista de Oliveira e Flavio Baptista de Oliveira.

Além de criar gado e cavalos Mangalarga Marchador, Marcelo preside o Grupo Protege, um dos maiores do Brasil em transporte de valores, logística de cargas e segurança patrimonial, atuando em todo o território nacional. O grupo possui uma academia de treinamento de profissionais para o setor de segurança privada, a Provig, em São Paulo, e uma terceirizadora de serviços operacionais e de segurança para o setor aeroportuário, a Proair. O outro sócio da Propec, Flavio Baptista de Oliveira, é diretor Administrativo e Financeiro do grupo.

Apesar da invasão de seus sócios sobre a TI Japuíra, a Protege possui dois contratos vigentes com o governo federal. Um deles, com o Banco Central, no valor de R$ 7,7 milhões, para “prestação de serviço de transporte rodoviário de moeda de circulação comum, numerário falso e peça comemorativa no território nacional bem como de seus itens de acondicionamento”. O outro, com a Advocacia-Geral da União, de R$ 234 mil, para segurança armada das unidades da AGU em Rio Branco, no Acre.

O documento com a política ambiental do Grupo Protege, de poucas palavras e assinado por Marcelo Baptista de Oliveira, é encabeçado por um logotipo formado pela bandeira do Brasil e a inscrição “ame-o”, remetendo aos slogans ufanistas da ditadura militar.

 

       Madeireiros com sobreposição em terras indígenas comandam “lobby verde”

 

Da extração de espécies nativas da Amazônia à indústria do eucalipto nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, o Brasil se destaca como um dos maiores produtores mundiais de madeira, gerando US$ 82,5 milhões em receitas de exportação. O setor madeireiro também se destaca por outro motivo: como um dos principais catalisadores do desmatamento no país.

Dados de 2016 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que entre 43% e 80% de toda madeira nativa extraída da Amazônia são obtidos de forma ilegal — isto é, sem o Documento de Origem Florestal (DOF) emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Isso costuma significar que as toras tiveram origem em terras públicas, como Unidades de Conservação e territórios indígenas.

O setor é um dos destaques do relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado na última quarta-feira (19) pelo De Olho nos Ruralistas. Com base nos dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o estudo identificou pelo menos quinze grandes incidências de empresários do ramo madeireiro em terras indígenas demarcadas pela Funai no Mato Grosso, Maranhão, Pará e Bahia.

Entre conexões políticas e multas por desmatamento ilegal, esses executivos compartilham um histórico de lobby nacional e internacional, defendendo a “sustentabilidade” do setor madeireiro enquanto suas empresas avançam, ocultas, sobre os territórios tradicionais.

SINDICATO TENTA “MUDAR A IMAGEM” DE MADEIREIROS NA COP

Baseada em Curitiba, a Sinopema Indústria e Comércio de Madeiras é a única proprietário da Fazenda Sinopema, um mega latifúndio de 64,5 mil hectares, dos quais 20.570,01 ha incidem diretamente sobre a TI Batelão, em Brasnorte (MT). Esta Terra Indígena atualmente aguarda a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) iniciar a demarcação dos limites do território. Em 2012, a empresa foi investigada pela Polícia Federal na Operação Jurupari, que apurava a ocorrência de fraudes na concessão de licenciamento e autorização de desmatamentos em Mato Grosso.

Entre os acusados pelo Ministério Público Estadual estavam dois dos sócios da Sinopema, Antônio Necy Cerri Cherubini e Luiz Carlos Fávero. A denúncia foi anulada em 2022 após uma decisão da 5ª Vara Federal de Mato Grosso, que remeteu o caso à Justiça comum. Apesar das ocorrências, a Fazenda Sinopema é considerada referência em manejo sustentável na Amazônia.

Um terceiro sócio, Alvarez Cherubini, foi chefe do Departamento de Defesa e Sanidade Animal da Secretaria da Agricultura do Paraná em 2005, durante o segundo governo de Roberto Requião (então no MDB). Edgar Cherubini, da mesma família, é dono da Jatobá Agronegócio Ltda, da Noroeste Agronegócio e da Agrobil Madeiras, com subsidiárias em Tabaporã e Chapada dos Guimarães (MT).

Único sócio que não pertence à família Cherubini, Luiz Carlos Fávero é fundador e presidente do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Norte do Estado de Mato Grosso (Sindusmad), principal associação representativa do setor e cuja atuação vem extrapolando as fronteiras nacionais. Seu filho, Aroldo Fávero, também ocupou a presidência em 2021, e atualmente compõe a diretoria da organização.

Em 2009, o sindicato enviou pela primeira vez um representante à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), em sua 15ª edição, com a missão de “mudar a imagem dos empresários madeireiros”. Dez anos depois, em 2019, a associação enviou uma delegação própria à COP25, em Madri, com a proposta de reforçar o papel do setor madeireiro como defensor do ambiente.  Nessa linha, o sindicato anunciou em 2021 o registro da marca “Guardiões da Floresta” — coincidentemente, o mesmo nome adotado pelo grupo de indígenas Guajajara da TI Arariboia, no Maranhão, que teve dois de seus principais líderes assassinados enquanto patrulhavam o território para expulsar madeireiros ilegais.

EX-SÓCIO DE JUNIOR DURSKI, DO MADERO, INVADE TERRA INDÍGENA ARIPUANÃ

Além das articulações internacionais, o Sindusmad de Luiz Carlos Fávero integra o Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira do Estado de Mato Grosso (Cipem), que congrega o setor madeireiro no estado. Em 2019, o Cipem realizou um de seus encontros justamente na Fazenda Sinopema, administrada por Fávero e pela família Cherubini.

Desde 2018, o centro é presidido por Rafael José Mason, sócio na SM Laminados Importação e Exportação. A empresa de comércio exterior é uma subsidiária da SM Laminados, grupo fundado por Siderlei Luiz Mason, um dos principais empresários do setor madeireiro de Mato Grosso.

Outro braço do grupo, a SM Agroflorestal possui uma sobreposição de 5,56 hectares nos limites da TI Aripuanã, vizinha da Fazenda Gleba Paraíso. O território do povo Cinta Larga é regularizado desde 1991, o que faz dessa incidência uma invasão ilegal, segundo os dados do Incra.

Membro da diretoria da Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso (Fiemt), Siderlei foi sócio de Júnior Durski, dono da rede de restaurantes Madero. A empresa dos dois, chamada MGM Agroflorestal, aparece em um inquérito da Polícia Federal, de 2005, apontada como coordenadora das invasões à TI Kawahiva do Rio Pardo, em Colniza (MT), conforme revelou uma reportagem conjunta de O Joio e o Trigo e De Olho nos Ruralistas.

Mason teve prisão temporária solicitada à época pelo Ministério Público Federal, acusado por um funcionário da Funai de “estimular e fornecer meios para que uma frente de ocupação de grandes proprietários se instale nos limites e entorno da TI Kawahiva do Rio Pardo”. Apesar do inquérito contra a MGM, Durski só abandonou a atividade madeireira oficialmente em 2018, quando assumiu o projeto de expansão da rede Madero, que hoje conta com mais de 270 restaurantes, incluindo unidades nos Estados Unidos.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas

 

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