sexta-feira, 28 de abril de 2023

Em viagem pela Europa, Lula pretende (re)colocar Brasil 'no centro da política mundial', dizem analistas

O presidente brasileiro encerrou suas visitas a Portugal e Espanha, onde foi recebido por suas mais altas autoridades. A relação União Europeia-Mercosul e a crise na Ucrânia foram os temas centrais.

Na Espanha, ao final de sua curta passagem pela Europa, Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com o anfitrião, o primeiro-ministro Pedro Sánchez, e o rei Felipe VI.

O líder sul-americano destacou a importância da presidência espanhola do Conselho da União Europeia, no segundo semestre de 2023.

Na opinião dos dois dirigentes, a posição de Madri representa uma oportunidade "extraordinária" para fechar um possível acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.

Ambos os presidentes estão cientes de que a concretização desse tratado é difícil devido à relutância de alguns países do bloco europeu. É o caso da França, por exemplo.

"Lula busca colocar o Brasil mais uma vez no centro da política mundial. Com o governo anterior de Jair Bolsonaro, o país ficou em uma posição de pária em relação à histórica política externa nacional. E agora também há a intenção do Brasil de trazer a União Europeia para mais perto do Mercosul", disse o doutor em Ciência Política, Guilherme Simões Reis, para a Sputnik.

A Sputnik também conversou com Pedro Silva Barros, ex-diretor de Assuntos Econômicos da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

"Com este encontro na Espanha fica evidente o interesse político, diplomático e comercial do atual governo do Brasil. E há também uma importante conotação política: reforçar a amizade histórica entre o Partido dos Trabalhadores [PT, de Lula] e o Partido Socialista Trabalhador Espanhol [PSOE, de Sánchez]", disse o entrevistado.

O especialista destacou a intenção de Lula de "reforçar a imagem do Brasil não apenas como um país ligado à integração regional [América Latina e Caribe], que não é contrária às suas relações com a Europa, mas sim um elo com este continente. Não há uma competição, mas uma complementaridade".

Durante sua estada em Madri, Lula defendeu a necessidade de "promover um movimento de paz" que permita uma saída para o conflito na Ucrânia.

Cabe lembrar que a Espanha — como membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) — condenou a operação militar especial russa na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, e apoia Kiev no contexto do conflito.

Ao participar da cerimônia de encerramento do Encontro Empresarial Espanha-Brasil, o presidente sul-americano destacou a necessidade de "tentar encontrar um denominador comum para alcançar a paz".

"A política do Brasil é de não alinhamento ativo. Nas últimas semanas, o assessor presidencial de Lula esteve em Moscou e foi recebido pelo presidente Vladimir Putin. E, mais recentemente, o chanceler russo foi recebido por Lula em Brasília", disse Silva Barros.

Segundo o analista, "o Brasil busca o diálogo e não apoia nenhuma das partes [no conflito na Ucrânia]. O país não está alinhado com os Estados Unidos e nem com a Rússia".

 

Ø  Brasil rejeita novas exigências europeias para acordo UE-Mercosul; pacto pode travar de novo

 

Novas exigências europeias enviadas recentemente transformam compromissos voluntátios do Brasil em obrigações vinculantes, manobra considerada como arriscada pelo Itamaraty, uma vez que a negociação comercial já foi concluída.

Um dos passos mais esperados no campo do comércio internacional para o Brasil é a finalização do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, que se arrasta para ser ratificado há 23 anos.

Após resistência europeia à gestão Bolsonaro, os europeus sinalizaram, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, que voltariam a conversar sobre o acordo quando a nova gestão começasse.

As tratativas de fato recomeçaram, contudo, o lado europeu fez ainda mais exigências ambientais aos países-membros do Mercosul, e o governo Lula já teria se posicionado sinalizando que não aceitará os compromissos ambientais extras sejam exigidos, segundo a coluna de Jamil Chade no UOL.

Para Lula, existe um espaço real para que o tratado seja finalmente assinado. Mas o temor do governo brasileiro é de que as economias mais protecionistas do bloco europeu usem os aspectos ambientais para justificar a criação de novos obstáculos ou mesmo medidas restritivas às exportações nacionais, escreve o jornalista.

Em entrevista ao El Pais nesta quinta-feira (27) Lula disse que "estamos em 2023 e a proposta ainda é impossível de aceitar. Vamos propor mudanças".

O mandatário esteve em Portugal e na Espanha nestes últimos dias e o assunto foi posto na mesa. Em Lisboa, o tema foi inserido na declaração conjunta entre os dois países, mas as nações mercosulinas não estariam satisfeitas com o andamento da negociação.

Há duas semanas, a União Europeia apresentou um projeto para tentar superar o impasse nas negociações com o Brasil e, assim, concluir o acordo, mas o texto adicional ampliava as exigências ambientais, em um gesto considerado pelo Itamaraty como uma manobra que pode até mesmo ameaçar o tratado.

Pelo novo pacto, os países teriam de assumir uma série de compromissos ambientais, de biodiversidade e sobre direitos humanos. O ponto mais delicado é que o novo texto transforma o que são compromissos voluntários do Brasil sobre o clima em obrigações vinculantes.

Um dos argumentos usados pelo governo brasileiro é de que os europeus já adotaram protocolos extras em outros tratados comerciais, mas os documentos jamais significaram condições adicionais. Um exemplo citado é o acordo entre a Europa e o Canadá, outro importante exportador agrícola.

No protocolo adicional, há apenas uma lista de esclarecimentos sobre alguns dos pontos mais sensíveis do tratado comercial. Mas não a imposição de novas exigências.

Internamente, escreve o jornalista, o governo Lula acredita que, se os europeus querem atuar para ajudar o Brasil com o meio ambiente, não precisam fazer exigências. Eles podem recorrer ao Fundo da Amazônia e investir para ajudar o país a reduzir o desmatamento.

A interpretação, é que o pacto Mercosul-União Europeia trata-se de uma negociação comercial já concluída, e que tal protocolo extra não poderia ser apresentado como uma carta de adesão com assinatura, como querem os europeus.

Com as negociações concluídas em 28 de junho de 2019, o pacto entre o bloco sul-americano e europeu ainda dependente do processo de revisão, assinatura e ratificação para entrar em vigor.

 

Ø  Posição de Lula sobre Ucrânia é 'contrária' à UE, mas 'Europa precisa de aliados', diz especialista

 

O presidente do governo espanhol e o presidente brasileiro passaram em revista a cooperação bilateral no quadro da negociação do acordo entre a UE e o Mercosul, "difícil" de concretizar, segundo analistas que destacam a figura "esmagadora" de Lula e o mundo "emergente" que representa. Os líderes divergiram sobre as perspectivas de paz na Ucrânia.

Na véspera, após o encontro de Luiz Inácio Lula da Silva com a ministra da Economia espanhola, Nadia Calviño, e representantes do mundo empresarial do país, o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, reuniu-se no Palácio da Moncloa com o seu homólogo brasileiro para discutir diversos aspectos da cooperação bilateral em um contexto dominado pelas negociações sobre a renovação do acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, bem como as perspectivas de uma paz negociada na Ucrânia.

Durante a coletiva de imprensa, após o encontro e as perguntas dos jornalistas, os dois dirigentes deixaram claras as suas divergências quanto ao envio de armas para a Ucrânia, mas também a sua vontade de transigir para avançar nas negociações que resultem na renovação do acordo entre Bruxelas e Mercosul. Embora o presidente espanhol tenha admitido que há países europeus que nutrem "dúvidas", destacou a necessidade do acordo "porque a Europa precisa de aliados".

"A hora do acordo é agora, espero que este ano, quando o Brasil presidir o Mercosul e a Espanha a União Europeia", destacou Sánchez.

Conforme explicou à Sputnik o diretor do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG), Alfredo Serrano Mancilla, a dificuldade da UE e da Espanha em fechar acordos com o Mercosul também vem do governo brasileiro anterior. "Porque na era Bolsonaro se incentivava uma individualização das relações políticas e econômicas com a UE. Agora Lula defende o fortalecimento interno do Mercosul como bloco para chegar a acordos com a UE", diz o especialista.

"Na realidade, a UE é contra o Mercosul porque o Mercosul significa abrir a porta a importações brutais de cereais, carne e energia", comenta o cientista político Jorge Verstrynge à Sputnik ao qualificar o acordo como "problemático". No entanto, ele admite que tal negociação pode funcionar como um "truque" diante de algum apoio às teses da UE sobre a resolução do conflito na Ucrânia.

Outros atores na negociação

"A proposta brasileira sobre a Ucrânia é muito interessante, embora seja apenas propositiva, ela propõe atores terceiros como mediadores", explica o analista da área latino-americana do portal internacional de análises Deciphering War, Néstor Prieto, à Sputnik.

No entanto, Prieto adverte que é preciso "ler as letras miúdas" de tal proposta "porque Lula depois fez declarações contraditórias". "Mas o que está claro", continua ele, "é que é antitético ao que a UE representa." Em sua opinião, Pedro Sánchez pode ter tentado baixar o tom da proposta brasileira que, assim como a da China, tira o papel dos EUA. "Porque Sánchez está tentando ter uma projeção internacional, se identificando como um aliado de confiança dos EUA e adaptando um discurso marcadamente atlantista e europeísta", diz o especialista.

Para Jorge Verstrynge, uma das tarefas de Pedro Sánchez durante o encontro "sem dúvida" foi suavizar a proposta de paz de Lula. "É preciso levar em conta que neste momento não há governos na Europa, o que há são franqueados em nome dos EUA, então aqui eles vão fazer o que Washington pede deles. E Lula não quer ser um delegado, entre outras coisas, porque tem um país muito importante e tem a chance de defender suas decisões."

Durante a entrevista à mídia, Lula foi questionado diretamente se considera que a Crimeia e Donbass pertencem à Ucrânia. "Não sou eu que tenho de decidir de quem são, temos de conversar e são coisas da responsabilidade destes dois países", declarou.

E sobre se o envio de armas espanholas para Kiev poderia ser um obstáculo para a Espanha se juntar ao grupo de países pela paz, ele disse: "Quando você se senta para negociar, você deve considerar estas coisas. Primeiro você deve parar a guerra e aí começamos a conversar. A Espanha vai fazer o que tem que fazer, o Brasil não pode dizer nada a ela, não pode interferir. Mas não sei o que pode acontecer se a guerra se arrastar, temos que trabalhar para evitar um infortúnio maior", afirmou.

Surgiu e decolou

"Vamos buscar que o Banco do BRICS seja um grande banco de investimentos, o Brasil vai voltar a crescer e contamos com a Espanha para avançar nos acordos. O Brasil voltou", declarou Lula. A afirmação, explica Néstor Prieto, significa que o gigante latino-americano "se afirma como um ator importante diante de um Bolsonaro que olhava mais para a política interna, já que era um negador de espaços multilaterais, só olhava para os EUA e Israel".

"O Brasil tem uma importância geoeconômica e geopolítica fundamental", concorda Alfredo Serrano, que explica que "em termos quantitativos e simbólicos" o país tem um papel global relevante. "É maior que a UE, demográfica e economicamente", diz Prieto. E, continua Serrano, "está no quadro de alguns países que não são mais emergentes, mas emergiram, que são os países do BRICS e outros que também poderiam estar lá, como Indonésia, Turquia e alguns outros", lembra. Em sua opinião, o Brasil "pode contribuir para desdolarizar as relações econômicas" enquanto o Banco do BRICS, "presidido por Dilma Rousseff", poderia ser "uma contrapotência" ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial.

O grande objetivo da visita à Espanha e, na véspera, a Portugal, é trabalhar o acordo UE-Mercosul. Para o efeito, Pedro Sánchez recordou a celebração da cúpula CELAC-UE em Bruxelas, em junho, a primeira desde 2015. Apesar das dificuldades, "é do interesse de ambas as partes" que o acordo prossiga, diz Prieto que vê "harmonia" entre os dois líderes sobre isso. Para ele, o Mercosul também é um sinal de que "a nova ordem multipolar tem uma configuração incerta, mas é claro que caminha para ela. E o Brasil está claramente comprometido com ela".

Líder arrebatador

"A aposta de Lula na defesa de uma nova ordem multipolar está se aprofundando, assim como na América Latina, com a volta à CELAC", diz Néstor Prieto. "Ele é uma figura fundamental para entender a América Latina contemporânea", aponta, destacando que a personalidade do brasileiro é "tão avassaladora" que nem mesmo os setores mais contrários a ele podem negar-lhe a legitimidade "à qual a UE se rende".

"Lula sabe estar nos foros internacionais, promoveu o Foro de São Paulo há 30 anos, tem uma grande leitura da política em termos internacionais que sempre concebeu em âmbito global", declarou o especialista.

"Lula pertence à comunidade de países que é contra a política dos EUA e da UE para resolver a questão da Ucrânia. E há muito mais países do que a comunidade internacional que nos vendem a mídia aqui, que não é maioria, mas uma minoria", acrescenta Verstrynge, concluindo que o continente latino-americano "sempre teve a tentação da multipolaridade para afastar a maldição de, como dizem no México, estar tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos".

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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