O que pode
estar por trás da apatia em crianças
Apatia
não é doença, mas sim um conjunto de sinais comportamentais que se originam a
partir de alguma condição específica, como um trauma psíquico ou uma doença
física.
Em
geral, a apatia pode ser caracterizada pela falta de motivação, desinteresse
social, isolamento, indiferença.
"Qualquer
pessoa pode ter um momento de ficar apático, então pode ser normal, como
ansiedade ou tristeza", explica Luiza Bisol, psiquiatra do Ambulatório de
Saúde Mental do complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC) e
docente da mesma universidade, que é vinculada à rede Ebserh.
Ela
pode surgir em qualquer idade, mas aqui faremos um recorte em crianças, cujos
sintomas podem surgir nos primeiros meses de vida ou ao longo da infância.
No
caso de crianças menores — até os cinco anos — os sintomas podem ir desde
irritação, choro sem motivo aparente, tristeza, dificuldade de demonstrar
afeto, emoções.
"A
gente avalia o desenvolvimento ao longo do tempo, mas é possível ter bebês que
manifestam apatia", afirma Bisol.
Já
em crianças maiores — até os doze anos —, os sintomas mais comuns da apatia vão
desde o isolamento, desânimo e tristeza, até a falta de interesse em se
comunicar com a família ou fazer amizades. Mas não há uma regra.
"O
pediatra é o primeiro médico que vai avaliar a criança e fazer uma triagem
individual. E se ele falar para a família que não é nada ou apenas uma fase, a
gente vai deixar de intervir, sendo que o mais importante em condições
psiquiátricas é a intervenção", ressalta Débora Passos, pediatra
neonatologista da UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Pro Matre.
A
apatia pode ser confundida com algumas características de personalidade, como
inibição ou timidez.
"Na
timidez, o indivíduo tem uma resposta e iniciativa ao mundo, mas é mais
contida. Nesse caso, ela só precisa de mais estímulo, diferente da apatia,
quando você dá os estímulos, tenta interagir, e a criança não responde",
descreve Mauro Victor de Medeiros Filho, psiquiatra da Infância e Adolescência
do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de
Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo).
É
possível notar essa diferença ao levar a criança a um ambiente novo, como em
uma festa. No início, ela pode chegar com certo receio, mas em seguida se solta
e começa a brincar. Essa atitude é caracterizada apenas como inibição ou
timidez, não apatia.
O
psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo diz, ainda,
que a apatia também pode ser confundida com recusa.
"Então,
crianças 'do contra' que não querem fazer algo ou confrontar podem não
responder ou não reagir simplesmente porque estão se opondo. Nesse caso elas
estão fazendo força e dispondo de energia para ser do contra, o que é ao
contrário da apatia", relata Filho.
E
são várias as causas que podem justificar uma apatia persistente, entre elas,
problemas psíquicos como:
• Depressão infantil;
• TDAH (Transtorno de
Déficit de Atenção com Hiperatividade)
• Transtornos de
ansiedade;
• Transtornos relacionados
a traumas ou estresse agudo que a criança tenha passado: abuso sexual e moral,
maus-tratos, luto, separação dos pais, bullying, dificuldade financeira em
casa;
• Esquizofrenia (essa
doença não é tão comum em crianças).
Já
entre as principais condições físicas estão:
• Hipotireoidismo;
• Anemia;
• Hipovitaminose (quando
existe a falta de uma ou mais vitamina no organismo);
• Doenças oncológicas e/ou
metabólicas.
Outro
motivo que pode levar ao desenvolvimento de apatia é o transtorno do espectro
autista (TEA).
"Nesse
grupo de transtorno existe uma diversidade de sintomas e entre eles podemos,
sim, ter a apatia, porque essas crianças podem ter muita dificuldade de
socialização", avalia Bisol, psiquiatra da Universidade Federal do Ceará.
Utilmente,
segundo os especialistas, há muitas alterações comportamentais em função da
pandemia e do isolamento social.
"São
reflexos do que vivemos e não tem doenças relacionadas. É absolutamente
comportamental", comenta a pediatra Débora Passos, ressaltando que esses
casos também precisam de avaliação clínica e acompanhamento psicológico.
José
Martins Filho, médico pediatra, professor titular de pediatria da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP) chama atenção para outro ponto importante: a falta de estímulo familiar.
"Eu
tenho um livro chamado A criança terceirizada onde eu falo de pais e mães que
saem para trabalhar e não podem brincar com as crianças. Daí elas vão para a
escola e ficam retraídas ou então só ficam nos aparelhos eletrônicos. Tudo isso
pode acarretar nesse sintoma de apatia", alerta o especialista, que
apresenta um canal no YouTube chamado Família Amor e Cuidado voltado para pais
e cuidadores.
• Como descobrir que a
criança está com apatia?
O
primeiro passo é observar o comportamento da criança, pois a apatia costuma ser
bastante perceptível.
"É
preciso analisar a consistência e a frequência desses sinais comportamentais,
porque é preciso descobrir o que está causando essa apatia precocemente",
indica a psicóloga infantil Cynthia Marden, do ambulatório de psiquiatria do
Hospital Universitário Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba
(HULW-UFPB), que faz parte da Rede Ebserh.
Nesse
sentido, é válido ressaltar que cada criança tem um tempo de desenvolvimento
diferente, enquanto umas andam, falam e demonstram interesse em aprendizados
mais cedo, outras demoram um pouco mais. E tudo bem, desde que a criança atinja
o esperado para a sua faixa etária em termos de desenvolvimento físico e
cognitivo.
Por
isso é tão importante que, mesmo depois do primeiro ano de vida, a criança
continue sendo acompanhada periodicamente.
"O
pediatra não é um médico só da criança, ele é um médico da família. É muito
além do que apenas pesar e medir a criança. Muitas vezes, o pediatra chama
atenção para aquilo que os pais não estão percebendo, e isso acontece muito no
consultório", relata Passos, a pediatra do Hospital e Maternidade Pro
Matre.
Além
do médico, professores também têm um papel essencial em um possível
diagnóstico, já que eles passam ao menos meio período com as crianças.
"Tirar
um tempo na semana ou mesmo no final de semana para interagir com a criança é
fundamental, caso contrário, os pais não vão perceber qualquer comportamento
atípico nos filhos", alerta Passos.
E
após descartar doenças físicas no atendimento clínico inicial, o pediatra
encaminha a criança para avaliação do psicólogo ou psiquiatra.
"A
partir do momento que há frequência e persistência tendo prejuízo no campo
funcional, como a criança não querer tomar banho, fazer a lição, sair para os
lugares, não ter interesse frente a um instrumento musical ou que haja prejuízo
social como falta de interação com os amigos ou a família, podemos dizer que a
apatia começou a se tornar um problema", define Filho, psiquiatra do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
• Apatia tem tratamento?
Como
a apatia não é uma doença, o tratamento é direcionado para a causa do sintoma.
Ou seja, se for uma anemia, o quadro é que deverá ser tratado para melhorar as
reações adversas.
O
mesmo ocorre com transtornos psicológicos, que normalmente são tradados com
terapias e, em alguns casos, medicação. "Lembrando que ela é um sintoma
que pode estar presente em vários diagnósticos", diz Filho.
A
postura dos pais em relação a esse sintoma é orientada de acordo com a
patologia. "Então teremos uma postura para depressão diferente se o caso
for de ansiedade. As orientações aos pais devem ser associadas aos diagnósticos
relacionados a apatia", conclui Filho, psiquiatra da Infância e
Adolescência do Instituto de Psiquiatra do Hospital das Clínicas.
Fonte:
BBC News Brasil
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