Assédio
sexual: acadêmicas da UnB protestam contra punição branda de professor
As
mulheres da comunidade acadêmica da Universidade de Brasília (UnB) reagiram à
revelação feita nesta segunda-feira (4) pela Agência Pública sobre o caso do
professor de biologia Jaime Martins de Santana, acusado de assédio sexual por
duas professoras. A reportagem descreveu que uma comissão de Processo
Administrativo Disciplinar (PAD) confirmou as denúncias e recomendou a demissão
do servidor, na época diretor do Instituto de Ciências Biológicas (IB), mas a
então reitora da UnB, Márcia Abrahão, optou por uma punição mais branda –
suspensão de 15 dias apenas por suposta “falta de urbanidade”.
Na
manhã desta sexta-feira (6), mais de 250 alunas e professoras fizeram uma
Marcha contra o Assédio na UnB. “Estamos aqui para falar de mais um caso de
assédio na UnB. Ele não é o único, não foi o primeiro e provavelmente não será
o último. A gente tá aqui pra fazer barulho e chamar a Reitoria para assumir o
compromisso por uma universidade segura para alunas, funcionárias e
professoras”, discursou uma das manifestantes durante o protesto, que percorreu
corredores da universidade e acabou dentro do prédio da Reitoria.
Algumas
das faixas e cartazes portadas pelas manifestantes diziam:
“Contra
a impunidade do Jaime”
15
dias de suspensão = férias pagas
O
que vou aprender com professor assediador?
E
se fosse sua mãe?
Não
tem só um assediador no IB
O
assédio afasta mulheres da ciência
Não
vamos aceitar assediadores
Por
uma UnB sem assédio
Falta
de urbanidade é não saber pegar um ônibus
Algumas
manifestantes usavam um lenço branco na boca para indicar que estão sendo
silenciadas.
A
nova reitora da UnB, Rozana Naves, que tomou posse no último dia 21 de novembro
e não participou das decisões da universidade sobre o professor Santana,
tomadas em 2023, recebeu uma comissão com representantes das alunas,
professoras e técnicas do IB, que lhe entregaram uma carta com reivindicações a
fim de combater o assédio sexual na universidade.
• ‘A gente tem muita
promessa’, diz aluna do centro acadêmico
Entre
as demandas estão o combate à impunidade; o fortalecimento dos canais de
denúncia; ações educativas permanentes “incentivando o diálogo, a
sensibilização e a construção de uma cultura de respeito e equidade no ambiente
universitário”, e a revisão da resolução referente ao recebimento das denúncias
de assédio. Elas pedem que a responsabilidade de receber e analisar tais
denúncias, hoje a cargo das unidades acadêmicas, seja transferida para uma
instância central e independente, “garantindo maior isenção e proteção às
vítimas”.
“A
primeira coisa que nós esperamos é uma mudança na postura da gestão. A forma
com que esse caso foi tratado é vergonhosa para a universidade”, disse a
professora do IB Cristiane Ferreira à Pública. Ela foi uma das organizadoras do
protesto e foi quem leu a carta de reivindicações à reitora e sua equipe.
Na
reunião, Rozana Naves disse que está sendo feito um levantamento sobre o número
de processos de assédios moral, institucional e sexual em tramitação na
instituição. “Tratar esses dados é muito importante para que a gente consiga
desenvolver ações direcionadas a cada grupo e consiga prevenir, sobretudo,
porque a meta é chegar à não ocorrência, mitigar as ocorrências de assédio”,
disse a reitora.
Rozana
anunciou que todos os gestores passarão por um processo de capacitação para
lidar com o tema do assédio e também será feita a capacitação dos membros das
comissões que recebem os processos de assédio, segundo ela, “para que a gente
não tenha divergências de análise”. Ela se comprometeu ainda a criar canais de
acolhimento especializados.
A
Pública indagou à reitora se o caso de Santana será revisto, mas ela evitou
falar sobre revisão. “A gente está aguardando a Procuradoria, em contato com a
AGU [Advocacia Geral da União], diante do novo parecer que foi aprovado pelo
presidente Lula.” Lembrada de que a mesma Procuradoria junto à UnB havia
recomendado, em 2023, uma pena ainda mais branda para Santana – apenas uma
advertência –, a reitora disse que “existe um novo parecer da AGU que vincula
os processos que estão em andamento”.
A
estudante Beatriz Flores, integrante do Centro Acadêmico de Biologia, que
também participou da reunião, disse à reportagem que “espera que seja uma
mudança efetiva, porque a gente tem muitas promessas”.
“A
gente tem promessa de que vai ter mais segurança no campus, a gente tem
promessa de que a gente vai ser ouvido e isso geralmente não acontece. Os casos
são arquivados. Até em casos muito menores do que um assédio, a gente não vê
uma posição da universidade. Então a gente espera realmente que a gente seja
escutado e que a gente veja resultados nisso”, destacou a estudante Beatriz Flores, que é membro do centro
acadêmico.
• ‘Coisas são abafadas na
comunidade o tempo inteiro”, diz aluno do centro acadêmico
A
estudante Cecília Bueno, do Ipê Rosa, um coletivo de mulheres do curso de
biologia da UnB, disse que a comunidade quer “acabar com esse histórico da UnB
de silenciar as alunas, as professoras e funcionárias da UnB porque todo mundo
tem que ter um lugar seguro”.
“[A
UnB] não é um espaço receptivo às denúncias em nenhuma instância, seja por medo
de repressão, de retaliação de professores por todas as instâncias que envolvem
esse contexto que é delicado e deve ser tratado com a devida seriedade“, disse
Cecília.
“A
comunidade agora está se movimentando, a gente realmente está realmente
conseguindo alcançar outros estudantes, fazer manifestações, mas ainda muita
coisa não é falada, muitas pessoas não chegam a denunciar nas formas
administrativas que a UnB pede. Então fica sempre num ‘fala pra cá e fala pra
lá’, A gente quer ação, a gente quer realmente ver a segurança ser colocada em
prática. A gente não pode falar e ser ignorada”, disse a estudante do Ipê Rosa.
O
protesto também teve a participação de alunos e professores homens. Jorge
Freitas, da área cultural e de comunicação do Centro Acadêmico de Biologia,
disse que “a comunidade inteira de biologia está se mobilizando porque não dá
pra viver assim”. “É uma coisa que está presente no nosso cotidiano. O campus
não é um ambiente seguro e esse tipo de manifestação tem que ser recorrente
porque a Reitoria não toma as devidas providências.”
“O
sentimento na comunidade é horrível, é uma coisa que vem acontecendo dentro da
universidade há um tempo e não pára nunca. Dentro do nosso instituto, em 2016,
houve a morte da nossa colega Louise Ribeiro. Essas coisas vão se repetindo e
sendo abafadas dentro da comunidade o tempo inteiro. Só que agora foi um
diretor do instituto que fez isso com as pessoas. Ele não foi exonerado do
cargo, no final do processo disseram ‘falta de urbanidade’.”
Louise
Ribeiro, 20, era estudante de biologia quando, em 2016, foi dopada e
assassinada por um colega de curso que confessou o crime, Vinicius Neres, 19,
condenado depois a 20 anos de reclusão. A estudante hoje dá nome a um jardim da
UnB.
Fonte:
Por Alice Maciel e Rubens Valente, da Agência Pública
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