Estudo
inédito demonstra que terras indígenas são responsáveis por chuva de 80% das
áreas do agro
Alvo
do desmatamento impulsionado, principalmente, pelo avanço da produção agrícola
e pecuária, as terras indígenas da Amazônia representam a esperança para esses
mesmos setores, que acumulam perdas devido à seca extrema que afeta o país. Uma
pesquisa inédita revela que 80% das áreas de produção do setor no Brasil recebe
chuvas formadas em áreas indígenas da floresta.
➡️ A seca extrema, considerada a mais longa e extensa da história
recente do país, afeta diretamente a agricultura e pecuária, pilares da
economia nacional responsáveis por 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo
a Confederação Nacional dos Municípios, as crises climáticas já causaram perdas
de R$ 287 bilhões no setor nos últimos dez anos.
Mais
do que saber que a floresta de pé é importante para o equilíbrio do clima, o
estudo inédito feito pelo Instituto de Pesquisas Tropicais do Serapilheira
aponta que ela é fundamental para a manutenção desses setores da economia.
• 🌳 Segundo a pesquisa, a
umidade que vem das terras indígenas na Amazônia foi responsável por abastecer
as áreas produtivas no setor em 18 estados e no Distrito Federal.
• 🌳 Da lista, os nove
estados que mais receberam água de terras indígenas amazônicas produziram
juntos R$338 bilhões – cerca de 57% da renda agropecuária nacional (dados de
2021).
Na
contramão, mesmo a produção em Rondônia e Mato Grosso dependendo da água vinda
das TIs, eles estão entre os estados que mais desmatam florestas desde 1985.
“O
estudo mostra o quanto a produção precisa das terras indígenas para se manter e
como a proteção desses povos está diretamente ligada à nossa economia. Não faz
sentido um setor que depende da proteção do território indígena, ser uma
ameaça.” — Caio Mattos, autor do estudo e pesquisador em mudanças climáticas.
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Como terras indígenas podem proteger a economia?
O
estudo inédito analisou como a umidade gerada nas terras indígenas percorre o
país através dos chamados rios voadores, resultando na formação de chuvas. Os
pesquisadores rastrearam as partículas de chuva desde sua origem até os locais
de destino.
➡️ Nesse processo, a água evaporada do oceano se transforma em
chuva, sendo transportada por correntes de vento até a região amazônica. Lá, a
vegetação absorve a água e a devolve gradualmente à atmosfera, permitindo que
os ventos a distribuam pelo território brasileiro.
Segundo
o IBGE, mais de 90% da agricultura brasileira depende das chuvas devido à
ausência de sistemas de irrigação. Isso torna o setor altamente vulnerável a
mudanças nos padrões de precipitação, o que pode comprometer a produção, com
impactos econômicos que vão além das importações, mas ao preço da comida que
chega ao prato dos brasileiros.
➡️ Um exemplo é o Paraná, grande produtor de soja e milho, duas
das principais commodities brasileiras. Em 2023, o estado gerou R$ 90,5 bilhões
com esses produtos, segundo o governo estadual. Contudo, neste ano, já
registrou perdas agrícolas significativas devido à seca extrema, totalizando R$
10 bilhões até setembro.
➡️Outro exemplo é o Acre, que enfrenta a seca que castiga de forma
mais severa os estados do Norte. O estado tem uma grande rede de produção
agrícola, sendo um grande exportado de soja. No ano passado, o estado chegou a
US$ 18,8 milhões arrecadados com o grão, segundo o Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e de Serviços.
O
estado teve mais de 300 mil pessoas afetadas pela seca severa, o que não fez
com que só a commoditie fosse afetada, como também a agricultura familiar. Sem
chuva, chegou a faltar alguns legumes e verduras no estado.
“Ao
todo, 57% da renda do país com a agropecuária está focada nos nove estados que
mais dependem das chuvas das terras indígenas para ter água. A falta de chuva
com a ameaça constante a essas terras, resultado do avanço do desmatamento,
afeta a economia do país e das famílias brasileiras”, explica Caio Mattos, que
é autor do estudo.
O
estudo aponta que, em determinadas regiões desses estados, até um terço das
chuvas têm origem nos territórios indígenas.
As
terras indígenas são áreas protegidas, mas vem sendo ameaçadas pelo
desmatamento ilegal feito, principalmente, pela especulação de terras para o
agronegócio.
Um
estudo recente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que apesar
de não serem suscetíveis de exploração, foram identificados mais de 200 mil
registros de propriedades em áreas sobrepostas, ou seja, sobre terras
indígenas.
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Não é Possível
Enfrentar a Crise Climática Sem Mudança de Paradigma Civilizatório. Por Cândido
Grzybowski
Apesar
da multiplicação de eventos climáticos extremos e devastadores pelo mundo, além
do acumulado em termos de conhecimento científico de suas causas, não estamos
conseguindo, como humanidade, enfrentar a mudança climática. Estamos caminhando
para um beco sem saída, pois ainda não criamos as condições políticas para
mudar profundamente a economia e o modo de vivermos. O problema é de ordem
planetária, devido à interdependência como condição da integridade natural do
funcionamento dos sistemas climáticos que regulam as condições de toda a vida
na Terra. As responsabilidades dos povos, porém, são diferenciadas pelo
acumulado ao longo da história. Mas os próprios territórios em que vivemos são
diversos e exigem soluções também diversas, apesar de todos eles serem afetadas
e nós juntos, de algum modo, pela mudança climática.
Desde
a Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, no Rio, em 1992,
quando foi acordada a Convenção Sobre o Clima, já foram realizadas 29 COPs –
Conferências das Partes. A próxima, em 2025, será realizada no Brasil, em
Belém. Em todas, com dificuldades, se chega a algum acordo mas… são apenas uma
espécie de compromisso de boa vontade dos países, não obrigações para mudar
efetivamente. E as divergências maiores no interior das COPs são sobre o
tamanho do financiamento para mitigação e adaptação nos países mais pobres por
parte dos países desenvolvidos, que acumulam as maiores responsabilidades
históricas pelas emissões de efeito climático. É uma agressão o fato que as
últimas tenham sido realzadas em países produtores de petróleo, cujo consumo e
emissão de co² na atmosfera é um dos maiores vilões da mudança climática. E
quem tem petróleo quer extrair até a última gota em nome de seu direito. Mesmo
o nosso Brasil, que quer se apresentar como líder no enfrentamento da mudança
climática, não abre mão da exploração de petróleo para financiar o seu
desenvolvimento.
Aqui
chegamos ao ponto. O beco sem saída das negociações sobre mudança climática é o
“mantra do desenvolvimento”, entendido como crescimento econômico e fundamental
até para cuidar de gente e da natureza. Se voltarmos à ONU e as Conferências
sobre Desenvolvimento Sustentável dá para entender o tamanho da confusão. Ainda
mais que, em 2015, foram estabelecidos os 17 ODS – Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável – como Agenda até 2030 para os países membros. O engodo do
desenvolvimento sustentável é um mantra de caráter mundial e oficial. Sem
dúvida os ODS expressam uma boa intenção política, mas não mudam a essência do
desenvolvimento, que é a base de uma economia que funciona se atende aos
interesses privados de acumulação capitalista a qualquer custo. Além de busca
de acumulação privada, o desenvolvimento depende de exploração de trabalho,
extrativismo sem limites, tecnologias predatórias e consumismo. Produz riqueza
e, ao mesmo tempo, desigualdades, pobreza, fome e exclusões, além da mudança
climática. Na sua origem, o desenvolvimento capitalista submeteu povos inteiros
à exploração colonial, escravidão e destruição dos seus territórios. Foi e
continua sendo patriarcal. O desenvolvimento não respeita os limites da vida e
da natureza. É antropocêntrico, excludente e destruidor, ao mesmo tempo. A
mudança climática é causada pelo desenvolvimento como paradigma dominante.
Desde
as últimas décadas do século passado, quando a expansão da globalização
capitalista tomou conta do mundo inteiro e se declarava sem alternativas, mas
condição indispensável para a humanidade e seus problemas, comecei a me engajar
em iniciativas brasileiras e mundiais em busca de alternativas. Comecei
militando contra a criação da OMC a partir do antigo GATT e contra o BM e FMI e
suas políticas impositivas a todos os países, como condição de desenvolvimento.
Participei de muitos eventos de organizações sindicais, movimentos sociais e
ONGs desde que abandonei a vida acadêmica e me tornei diretor do IBASE, a
convite do Betinho, em 1990. Fui totalmente engajado no Comitê Organizador que
deu origem, em 2001, ao FSM com a ideia de que “outro mundo é possível”. Mas é
partir dos impasses no FSM, sobretudo depois de 2009, que passei a me engajar
mais em redes e fóruns, especialmente mundiais, que discutem Novos Paradigmas
Civilizatórios, já não mais o “desenvolvimento” e sim de crítica e superação
dele enquanto tal. É esta busca em que continuo engajado até hoje. E é como
parte dela que vejo a questão da mudança climática.
Foi
em 2011, num processo de debate em rede mundial para intervir politicamente na
Rio+20 sobre o Desenvolvimento Sustentável, que sintetizei num texto o
acumulado de críticas e de buscas até então. O texto incorpora como central a
ideia de “biocivilização” para outro mundo possível. O impacto das análises,
reflexões e propostas contidas no texto foi quase nulo, tanto na Conferência
Oficial da Rio+20, no Rio Centro, como no evento da sociedade civil no Aterro
do Flamengo. Mas animou uma rede latinoamericana sobre a busca de transição de
paradigma civilizatório.
Volto a este tema depois de ler um texto nesta semana sobre a conferência do ativista e escritor indígena Ailton Krenak na abertura de evento recente na ENSP, no Rio, sobre Mudança Climática e Saúde. Concordo inteiramente com a sua análise sobre a mudança climática e a transformação profunda de perspectiva que precisamos fazer. Segundo Krenak “As mudanças climáticas precisam ser observadas da relação de nosso corpo humano com o corpo da Terra, que é nossa mãe. Se olharmos as mudanças nessa perspectiva biocêntrica, não antropocêntrica, vamos aprender mais e vamos nos tornar mais resilientes a elas. As mudanças climáticas virão, não adianta esperar, e quem tem que mudar somos nós”. Questiona os “direitos humanos” como posição de superioridade, que chama como especismo humano. O sujeito Terra, como organismo vivo, hoje revindica seu próprio direito. Enfim, olha para as mudanças climática com um olhar de centralidade da vida, de toda vida. Não poderia ser mais claro.
Enfim,
volto à questão dos impasses, limitações e beco sem saída das negociações sobre
enfrentamento das mudanças climáticas nas COPs. Sou taxativo em afirmar que
onde as negociações acabam enquadradas pela busca de desenvolvimento
sustentável nada de virtuoso virá e nem poderá vir. Mas existem propostas
virtuosas em que muita gente está engajada e numa busca coletiva continua,
inspirados em lutas e propostas territoriais muito potentes e transformadoras,
com respeito à integridade e possibilidades dos próprios territórios e da vida
da gente que os compartem. Buscar o desenvolvimento como solução é aprofundar
as próprias mudanças climáticas, que podem ser devastadoras de toda vida e do
planeta Terra, nosso comum maior.
Fonte:
g1/Sentidos e Rumos
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