sábado, 7 de dezembro de 2024

Gilberto Lopes: “A desordem do mundo”

Com o aumento das tensões em praticamente todo o mundo, as despesas da OTAN atingiram no ano passado 1,34 trilhão de dólares, dos quais os Estados Unidos foram responsáveis por mais de dois terços

  • Guerras e dívidas

Com a dívida mundial aproximando-se dos 100 trilhões de dólares, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda aos governos que reduzam os déficits e constituam novas reservas para enfrentar a crise que se avizinha, provavelmente mais cedo do que pensamos, advertiu sua diretora, Kristalina Georgieva, no mês passado.

Os números deram o que pensar. David Dodwell, diretor executivo do Hong Kong-APEC Trade Policy Study Group, observou que em Washington se preocupam com o fato de que, pela primeira vez, o serviço da dívida ultrapassará o orçamento militar: 870 bilhões de dólares contra 822 bilhões. Com uma dívida de mais de 36 trilhões de dólares, os Estados Unidos pagam cerca de três bilhões de dólares por dia só em juros.

As consequências econômicas da guerra israelense em Gaza também são impressionantes: os danos em infraestrutura são estimados por instituições financeiras internacionais em 18,5 bilhões de dólares. A remoção de 37 milhões de toneladas de escombros pode levar 14 anos (ou mais), enquanto a restauração da economia levará sete décadas.

Em meio à tragédia humana, com mais de 40.000 mortos, a maioria de mulheres e crianças, a economia de Gaza se afundará 14% este ano em comparação com o ano passado. Nos territórios palestinos ocupados, a economia cairá 35%.

A outra guerra, na Ucrânia, fez com que as despesas militares do país aumentassem para 37% do Produto Interno Bruto (PIB) e 58% dos gastos governamentais. Na Rússia, essas despesas representam quase 6% e 16%, respectivamente.

Com o aumento das tensões em praticamente todo o mundo, as despesas da OTAN atingiram no ano passado 1,34 trilhão de dólares, dos quais os Estados Unidos foram responsáveis por mais de dois terços. De acordo com o Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI), elas representaram 55% dos gastos militares mundiais.

  • A desordem do mundo

Para ilustrar este mundo, talvez seja útil a ideia de Richard Haass, ex-presidente do Council on Foreign Relations – um prestigiado think tank norte-americano sobre política internacional – exposta em seu livro A world in disarray, publicado em 2017, que pode ser traduzido como “Um mundo desordenado”.

Richard Haass – que, entre outros cargos, foi diretor da equipe de planejamento político do secretário de estado Colin Powell, durante a primeira administração de George W. Bush – analisa a deterioração das relações entre os Estados Unidos e a então União Soviética, no final da Guerra Fria. As coisas complicaram-se desde o início, afirma ele.

Com os russos derrotados no Afeganistão – suas tropas abandonaram o país em fevereiro de 1989 –, os Estados Unidos contribuíram para “aumentar os problemas e humilhar” o país, diz Richard Haass. Mais importante ainda, acrescenta, foi a decisão de expandir a OTAN nos anos 90, durante a administração Clinton. Uma política que acabou sendo “uma das mais consistentes e controversas do período pós-Guerra Fria”.

As consequências de tal decisão têm sido analisadas de diferentes perspectivas. Se a OTAN deve continuar sendo um pacto militar e os Estados Unidos continuarem sendo um membro ativo, disse o notável diplomata norte-americano George Kennan, falecido em 2005, “espero que consigamos encontrar uma forma de não lhe dar a aparência de uma aliança orientada contra um país específico, mas sim como expressão de um interesse mais duradouro na segurança e prosperidade de todos os países europeus do que é atualmente”.

Não tem sido assim. A OTAN expandiu-se para leste em várias ondas, com um caráter cada vez mais ofensivo, dirigidas contra a Rússia, até que esse avanço ameaçou atingir suas fronteiras com a Ucrânia.

  • Um mundo unipolar

O presidente russo Vladimir Putin expressou repetidamente suas opiniões sobre as consequências desta decisão, que agora são bem conhecidas. Seu discurso na Conferência de Segurança de Munique, em 2007, é frequentemente citado. Naquele tempo, o presidente russo era convidado para a conferência. Hoje não é mais. Mas o retorno a esse discurso deve ajudar-nos a encontrar uma saída para o labirinto em que nos encontramos.

“O que está acontecendo hoje”, disse Vladimir Putin na altura, “é uma tentativa de introduzir o conceito de um mundo unipolar. Com que resultados? Com o abuso da força militar nas relações internacionais, com o desrespeito aos princípios básicos do direito internacional, com um Estado – os Estados Unidos – ultrapassando suas fronteiras nacionais, tentando impor um modelo econômico, político e cultural. Isto é extremamente perigoso. O resultado é que ninguém se sente seguro, avisou Vladimir Putin.

A expansão da OTAN para o leste não considerou a sugestão de Kennan, que foi embaixador na Rússia em 1952 (onde foi declarado “persona non grata” por Stalin). Os líderes políticos ocidentais em Washington ou na Europa também não deram ouvidos às advertências russas sobre os limites desses avanços, nem consideraram suas preocupações de segurança. Com o fim da Guerra Fria, não foi Moscou que avançou para oeste, mas o Ocidente que levou suas tropas para as fronteiras da Rússia. Com que objetivo?

Olga Khvostunova, do Programa Eurásia do Foreign Policy Research Institute, por exemplo, referiu-se às “linhas vermelhas” estabelecidas pelo Kremlin, cuja violação implicaria uma retaliação massiva, incluindo um ataque nuclear. Analisou-as em termos menores. Olga Khvostunova estimou – num artigo publicado em setembro passado na Foreign Policy – que, à medida que a guerra avançava, várias “linhas vermelhas” foram ultrapassadas “sem repercussões significativas”.

Na perspectiva dela, parece que nem a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 nem a utilização do novo míssil balístico hipersônico contra um complexo industrial na cidade de Dnepropetrovsk, na sequência da utilização pela Ucrânia de mísseis ocidentais para atacar o território russo, devem ser vistas como uma resposta aos novos avanços ocidentais no cenário da guerra.

Os analistas do Institute for the Study of War (ISW) – uma instituição alinhada com os interesses ocidentais – acreditam que Vladimir Putin está tentando inflar artificialmente as expectativas sobre suas capacidades militares, destacando as caraterísticas de seu novo míssil. Eles acreditam que a arma é apenas uma adaptação do míssil Kedr, que a Rússia vinha desenvolvendo desde 2018-2019, e não representa um novo recurso militar.

  • A balcanização da Europa

Esta não é a opinião de líderes como o primeiro-ministro polonês Donald Tusk, uma das vozes antirrussas mais agressivas da Europa, para quem “a ameaça de um conflito global é realmente séria e real”. Ou a chanceler alemã, que fala de uma “escalada terrível”.

Um artigo do diário espanhol El País de 22 de novembro – “A OTAN convoca uma reunião urgente com as autoridades de Kiev após o lançamento de um míssil russo de nova geração” –, explica os acontecimentos como uma escalada russa.

Os russos têm uma visão diferente. Afirmam que os mísseis estadunidenses, ingleses e franceses, que a Ucrânia começou a utilizar para atacar seu território, não podem ser utilizados sem a participação de militares ocidentais. “Os próprios ucranianos não podem fazer isso”, disse o porta-voz oficial do Kremlin, Dmitry Peskov. A utilização do novo míssil de alcance intermediário “não é uma escalada, mas uma resposta à escalada provocada pelo Ocidente”, afirmou.

Em 1 de dezembro, a Europa voltou-se um pouco mais para a direita, na opinião da jornalista Ella Joyner, da agência alemã DW. Nesse dia, assumiu uma nova Comissão Europeia, mais uma vez chefiada pela democrata-cristã alemã Ursula von der Leyen, com a ex-primeira-ministra da Estônia Kaja Kallas responsável pela política externa e o ex-primeiro-ministro da Lituânia Andrius Kubilius responsável pela defesa, ambos particularmente agressivos contra a Rússia.

Em sua apresentação diante do Parlamento Europeu – que também se inclinou mais para a direita nas últimas eleições –, Kaja Kallas reiterou a importância da vitória da Ucrânia e apelou para sanções contra a China – que considera um “rival sistêmico” – por seu apoio à Rússia. “A China deve pagar por suas relações com a Rússia”, afirmou.

Com pouco menos de 1,4 milhão de habitantes, cerca de 20% da população da Estônia está em risco de pobreza, de acordo com as estatísticas oficiais. O Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma queda de 3% no ano passado. O país entrou em recessão em 2024 e as previsões são de um crescimento fraco nos próximos anos, devido a uma série de fatores, incluindo a perda contínua de insumos baratos da Rússia.

Em outra pasta fundamental da nova Comissão Europeia, a da Defesa, criada especificamente para esta ocasião, o lituano Andrius Kubilius também caracteriza-se por sua posição particularmente agressiva em relação à Rússia, que descreve como um Estado patrocinador do terrorismo. É a favor da apreensão das centenas de bilhões de dólares russos congelados na Europa, uma medida controversa, que os outros países europeus encaram com mais cautela.

Num sinal do clima antirrusso que prevalece nos países bálticos, a estatal Rádio e Televisão da Lituânia (LRT) demitiu o jornalista Aigis Ramanauskas em meados de novembro. Aigis Ramanauskas tinha sugerido matar os que assistissem a filmes russos ou ouvissem música russa no país. Na opinião dele, era essencial manter as crianças afastadas dessas pessoas. Em resposta às reações, explicou: “É isto o que eu quero dizer aos nossos falantes de russo: Não, caros concidadãos, eu não incitei a morte de vocês. Não se tratava de vocês, embora seja evidente que odeio sinceramente o que conhecemos como ‘mundo russo’”.

Com a política externa europeia nas mãos de representantes do leste europeu; com a Inglaterra em franca decadência, fora da União Europeia; com a França e a Alemanha submersas em crise política e econômica, e uma inevitável terceiro-mundialização da Europa, com uma extrema direita controlando o Parlamento e a Comissão, com uma visão cada vez mais provinciana da política externa, a Europa é, mais uma vez, uma ameaça renovada para o mundo.

 

¨      Democracia sul-coreana está em seu 'momento mais crítico', afirma líder da oposição

A democracia da Coreia do Sul está em seu "momento mais crítico", com a votação iminente do processo de impeachment do presidente e o risco de que ele tente declarar lei marcial novamente, afirmou o líder da oposição Lee Jae-myung à agência de notícias AFP.

"Com a votação de impeachment programada para amanhã, as horas que antecedem o processo são extremamente delicadas", disse Lee, antes de acrescentar que "esta noite será o momento mais crítico" e que os legisladores planejam permanecer no Parlamento até o fim da votação.

A votação está programada para este sábado (7), às 19h do horário local - 7h de Brasília -, quase quatro dias após o presidente Yoon Suk Yeol decretar a lei marcial, medida que chocou os sul-coreanos e a comunidade internacional.

Seis horas após o anúncio, o chefe de Estado recuou, sob pressão da Assembleia Nacional, onde a oposição tem maioria, e das ruas.

Lee Jae-myung, no entanto, acredita que o país continua vulnerável a uma "nova tentativa de lei marcial".

"As pessoas podem acreditar que o Exército e a polícia hesitariam em apoiar uma segunda tentativa, mas Yoon poderia aproveitar brechas legais para tentar novamente", afirmou o líder da oposição.

Além do fechamento da instituição, a lei implicava a suspensão da vida política e o controle militar dos meios de comunicação. Foi a primeira declaração de lei marcial no país em mais de 40 anos, desde que foi ativada em 1980 após o golpe militar de 1979.

O ministro interino da Defesa afirma que tal cenário não acontecerá.

O Partido Democrata de Lee, principal força de oposição ao Partido do Poder Popular (PPP) de Yoon, pediu a seus 170 deputados que acampem no plenário até a votação de sábado para evitar a repetição dos eventos da noite de terça-feira.

"Vamos acabar juntos com esta situação lamentável", disse Lee ao presidente, a quem fez um apelo de renúncia. "A cada minuto que permanece no cargo, sua culpa e responsabilidade aumentam", afirmou.

A oposição precisará do apoio de apenas oito integrantes do partido do presidente no sábado para alcançar a maioria de dois terços, ou seja, os 200 votos necessários para aprovar a moção.

¨      Presidente perde apoio do próprio partido em processo de impeachment

O líder do partido governista na Coreia do Sul pediu nesta sexta-feira (6) a "rápida suspensão" do presidente Yoon Suk Yeol por sua tentativa de impor a lei marcial e assegurou que sua permanência no poder é um "grande perigo" para o país.

As declarações de Han Dong-hoon, líder do Partido do Poder Popular (PPP), o mesmo de Yoon, deixam o presidente praticamente sozinho horas antes da votação de uma moção de destituição na Assembleia Nacional. O voto do impeachment foi antecipado para as 5h deste sábado, no horário de Brasília --tarde de sábado na Coreia do Sul--, segundo o jornal Dong-A com base em um membro sênior do partido de oposição.

"Levando em consideração os novos fatos, acho que é necessária uma rápida suspensão de funções do presidente Yoon Suk Yeol para proteger a República da Coreia e sua população", disse Han.

mudança de posição de Han em relação ao processo de impeachment ocorre após relatos de que Yoon poderia tentar uma nova lei marcial para tentar permanecer no poder, o que deixou partidos sul-coreanos em estado de alerta novamente.

Para Han, Yoon não tomou nenhuma ação contra os oficiais do Exército que "intervieram ilegalmente" nem tampouco reconhece que "sua lei marcial ilegal foi um erro".

"Por isso, se o presidente Yoon continuar no cargo de presidente, há risco significativo de que ações extremas similares à emergência atual se repitam, o que colocaria a República da Coreia e seus cidadãos em grande perigo", afirmou o líder do partido.

O partido governista realizou uma reunião de emergência na manhã desta sexta, pelo horário local, na qual o presidente Yoon não participou. Após a reunião, o líder do PPP também citou "indícios confiáveis" de que Yoon ordenou a prisão de "políticos importantes" durante as horas de vigência da lei.

Algumas horas depois, o Ministério da Defesa da Coreia do Sul anunciou a suspensão de três oficiais de alto escalão do Exército por sua participação na aplicação da efêmera lei marcial. Os três militares punidos são o comandante militar de Seul, o comandante das forças especiais e o comandante de contraespionagem.

Um deputado da oposição, Jo Seung-lae, disse nesta sexta-feira que as imagens das câmeras de segurança mostram que os soldados tentaram deter o líder da oposição Lee Jae-myung, o presidente do Parlamento, Woo Won-shik, e o próprio Han Dong-hoon.

O gabinete da presidência, no entanto, negou que tenha ordenado a detenção de deputados, segundo a agência de notícias Yonhap.

<><> Segunda lei marcial?

Yoon suspendeu a ordem civil na noite de terça-feira e enviou tropas e helicópteros para o Parlamento, onde, em meio a protestos da população, deputados opositores conseguiram entrar para votar contra a lei marcial.

Horas depois, diante da indignação gerada na Coreia do Sul e do espanto de seus aliados internacionais com a surpreendente medida, o presidente recuou e retirou o Exército em um discurso de madrugada.

Acusando Yoon de "violar gravemente a Constituição e a lei", a oposição apresentou a moção de destituição que a Assembleia Nacional votará no sábado às 19H00 (7H00 de Brasília).

A aprovação do processo de impeachment não estava clara porque, embora a oposição tenha 192 dos 300 deputados no Parlamento, precisava de alguns votos do PPP para alcançar a maioria de dois terços necessária, o que, após a mudança de postura do partido, parece algo garantido.

"Parece que Han e os membros do partido concluíram que há uma possibilidade significativa de que o presidente Yoon declare uma segunda lei marcial", afirma à AFP o professor de Ciência Política Shin Yul, da Universidade Myongji.

Diante do cenário, um porta-voz da principal legenda de oposição, o Partido Democrata, disse que todos os seus deputados permanecerão dentro da Assembleia Nacional até que a moção seja votada.

Caso o processo siga adiante, Yoon, um ex-promotor de Justiça que virou presidente em 2022, ficará suspenso de maneira provisória, enquanto aguarda um veredicto da Corte Constitucional.

Uma pesquisa publicada na quinta-feira pelo instituto Realmeter indica que 73,6% dos entrevistados apoiam a destituição. E outro levantamento divulgado nesta sexta-feira aponta que o índice de aprovação do presidente despencou para 13%.

<><> 'Insurreição'

O caso está sendo investigado por uma equipe de 120 policiais, que examinam a denúncia de insurreição apresentada pela oposição contra Yoon e outros funcionários de alto escalão.

"Se surgirem evidências durante a investigação sobre os preparativos para uma segunda lei marcial, nós vamos perseguir", disse Kim San-ho, que supervisiona a investigação, à AFP.

A denúncia também envolve o ex-ministro da Defesa Kim Yong-hyun, que renunciou ao cargo na quinta-feira e está proibido de deixar o país.

Esta foi a primeira declaração de lei marcial na Coreia do Sul em mais de 40 anos e provocou recordações dolorosas da ditadura que governou o país até 1987.

O presidente, que enfrenta uma dura oposição parlamentar devido aos orçamentos do próximo ano, justificou a medida pelas "ameaças que representam as forças comunistas da Coreia do Norte" e devido aos "elementos antiestatais que roubam a liberdade e a felicidade do povo".

A oposição diz que Yoon queria "evitar investigações iminentes sobre supostos atos ilegais que envolvem ele e sua família".

Os eventos surpreenderam e provocaram preocupação no principal aliado do país, os Estados Unidos, que mantêm quase 30 mil soldados no país.

Em uma ligação para o ministro sul-coreano das Relações Exteriores, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, celebrou a suspensão da lei marcial e "expressou confiança na resistência democrática do país", informou seu porta-voz Matthew Miller.

 

Fonte: A Terra é Redonda/France-Press

 

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