O Centrão,
além de ser o grande vencedor das eleições municipais, é um parasita da
democracia
Findadas
as eleições municipais, muito se discutiu: afinal, quem foi o maior vencedor, o
bolsonarismo ou o Centrão? A resposta, claro está, ficou com a segunda opção.
Mas disso decorre uma segunda pergunta: há diferenças entre o bolsonarismo e o
centrão? A resposta é afirmativa. “O bolsonarismo (…) é um movimento que também
se expressa em alguns partidos, então é suprapartidário assim como o Centrão,
mas o bolsonarismo é mais de extrema-direita. Isto é, não seriam partidos
conservadores ou de centro, mas um movimento de extrema-direita – essa é a
principal diferença”, explica a professora e pesquisadora Daniela Costanzo de
Assis Pereira em entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
“Outro ponto divergente é que o Centrão é mais fisiológico enquanto o
bolsonarismo é mais ideológico. Do ponto de vista de linguagem e campanha, o
Centrão é mais tradicional enquanto o bolsonarismo é mais disruptivo”,
acrescenta.
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Confira a entrevista.
• Até que ponto o
bolsonarismo e o Centrão convergem e a partir de que ponto eles divergem?
Daniela
Costanzo – Compreendo o Centrão como partidos conservadores e de centro no
Brasil. Tem toda uma literatura da Ciência Política sobre isso, que olha para
os partidos conservadores como aqueles que trazem para a democracia os
interesses e resquícios do regime anterior. O Centrão foi justamente esse elo
entre a democracia e a ditadura. Não é que o Centrão não é democrático, ele é
uma forma democrática, mas traz interesses da ditadura militar para a
democracia. Por isso que entendo ele
como conservador, na definição principalmente de dois cientistas políticos, que
são Edward Gibson e Daniel Ziblatt. Também eles são um conjunto de
parlamentares e partidos de centro posicional, por isso chamam-se Centrão. O
centro posicional é definido na Ciência Política como aquele que prioriza estar
no governo, independente da ideologia, por isso seria um partido de centro
posicional.
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Diferenças
O
bolsonarismo, por sua vez, é um movimento que também se expressa em alguns
partidos, então é suprapartidário assim como o Centrão, mas o bolsonarismo é
mais de extrema-direita. Isto é, não seriam partidos conservadores ou de
centro, mas um movimento de extrema-direita – essa é a principal diferença.
Outro ponto divergente é que o Centrão é mais fisiológico enquanto o
bolsonarismo é mais ideológico. Do ponto de vista de linguagem e campanha, o
Centrão é mais tradicional enquanto o bolsonarismo é mais disruptivo. O Centrão
participa de todos os governos, independentemente da ideologia, já o
bolsonarismo é oposição à esquerda. O Centrão não disputa abertamente os rumos
ideológicos da sociedade. Apesar de ser conservador, ele consegue escapar disso
e não apresenta os rumos da sociedade, enquanto o bolsonarismo disputa os rumos
da sociedade abertamente. Além disso, tem outra divergência muito importante: o
Centrão não é contra a democracia explicitamente, pelo contrário, ele ganha
muito com o regime democrático brasileiro. Porque são partidos e deputados que
conseguem conhecer muito bem as regras, o funcionamento da nossa democracia e
se aproveitam muito disso, têm muitos votos, recursos e são partidos
organizados. Então, é um fenômeno de forma democrática muito forte. Já o
bolsonarismo tem ações explícitas que ameaçam o regime democrático, como, por
exemplo, não respeitar o resultado das eleições e ameaçar o STF.
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Convergências
As
principais convergências aparecem quando eles têm algum objetivo político em
comum. A principal agora é a união do bolsonarismo com o PL, o Valdemar da
Costa Neto, que é o cacique do partido. Ambos querem eleger mais prefeitos e
deputados, ter mais recursos. Assim, criam-se uma união e uma convergência
fundadas em objetivos políticos. O outro ponto em que eles convergem é que
ambos não querem combater o principal problema do Brasil, que é a desigualdade
social, o que abrange a desigualdade de raça e de gênero. Esta é a principal
convergência problemática entre eles. Tanto o Centrão quanto o bolsonarismo
pioram muito a qualidade da democracia. O Centrão não tem propostas
substantivas para mudar a sociedade e cumprir as promessas da democracia e nem
muita accountability. Ele faz política sem precisar responder a essa política.
O bolsonarismo piora a qualidade da democracia porque é contra ela, chega a
ameaçá-la.
• Como as eleições
municipais de 2024 nos ajudam a compreender essas nuanças?
Daniela
Costanzo – As eleições municipais ajudam a compreender essas diferenças se
olharmos candidato a candidato. Muitas vezes, o próprio bolsonarismo, por estar
com esta aliança com o PL, tinha que apoiar candidatos que não eram
bolsonaristas, mas do Centrão. Isso gera tensões que aparecem muito. Se
pegarmos o caso de São Paulo, que é um exemplo bastante louco e que não segue
muito alguns padrões esperados, é possível ver como ocorre este casamento do
Centrão com o bolsonarismo, mas também podemos ver suas diferenças. Nas
eleições de São Paulo, houve o candidato que formalmente era apoiado pelo
bolsonarismo, Ricardo Nunes, que é um candidato típico do Centrão. Ele sabe
manejar muito bem as máquinas eleitorais e partidárias, é do MDB, o principal
partido do Centrão, que era vice-presidente e acabou assumindo [a Presidência
da República em 2016 com Michel Temer] e faz uma política de tipo tradicional
na linguagem. Por causa da aliança do PL com Bolsonaro, esse candidato precisou
ser apoiado por Bolsonaro, e ele não queria ser apoiado por Bolsonaro, assim
como o bolsonarismo não queria apoiar ele como candidato, porque sabia que sua
base não ficaria satisfeita com um político tão tradicional do Centrão e que
não fosse tão radical quanto o bolsonarismo espera. Dessa aliança apareceu mais
um candidato, esse sim bolsonarista do jeito que a base de Bolsonaro espera: na
linguagem e nos temas defendidos. Tanto é que o local em que ele teve mais
votos é uma região com uma base bolsonarista, principalmente a Zona Leste,
berço típico do bolsonarismo em São Paulo e que antes era malufista. Isso
mostra que o candidato bolsonarista real era o Pablo Marçal e não o Ricardo
Nunes. Mas o Bolsonaro, por causa da aliança com o PL, precisou apoiar o Nunes,
o que gerou diversos ruídos durante a campanha e houve até momentos em que o
ex-presidente flertou com o Marçal e, caso chegasse ao segundo turno, ele seria
o candidato do Bolsonaro. No fim, Nunes ficou como candidato do Bolsonaro, mas
ele não é o candidato do bolsonarismo. Essa nuance de São Paulo nos ajuda a
compreender a diferença.
• Quem saiu mais vitorioso
nestas eleições, o bolsonarismo ou o Centrão?
Daniela
Costanzo – Quem saiu mais vitorioso das eleições é o Centrão, sem dúvida. O
Centrão conseguiu crescer ainda mais; todos os partidos do Centrão cresceram
nessa eleição: PSD, MDB, PP, União Brasil, PL e Republicanos cresceram em
número de prefeituras. E o PL também cresceu muito por causa do bolsonarismo,
pois o ex-presidente deu força para o PL crescer, o que significa também força
para o Centrão crescer. Aliás, não necessariamente esses políticos eleitos do
PL são bolsonaristas. Dentro do peito do PL habitam dois corações: o Centrão e
o bolsonarismo. O bolsonarismo não se mostrou vitorioso nessas eleições, foi
mais uma vitória da política tradicional.
• O Centrão alinhado ao
bolsonarismo ameaça à democracia?
Daniela
Costanzo – O Centrão já era uma ameaça à democracia por si só, claro que uma
ameaça não explícita – já expliquei que é um fenômeno democrático. Ele apenas
não entrega o que se espera em uma democracia. Por exemplo, o Centrão domina as
cadeiras do Legislativo e com isso consegue pressionar o presidente para
entregar mais cargos e verbas para o Centrão. Uma das faces disso é a entrega
de pastas, mistérios. Portanto, faz parte do presidencialismo de coalizão
brasileiro o presidente dividir com a coalizão os ministérios. Quando acontece
com o Centrão, que está em todos os governos porque eles têm muitas cadeiras
Congresso, o Centrão pega uma pasta sem ter projetos para apresentar. Porque
uma das suas características é não ter projetos de políticas públicas boas para
o país. Ele pega uma pasta e não entrega.
Essa
não entrega nunca vai cair sobre o Centrão, mas sobre o governo, que
tradicionalmente nunca é do Centrão – pensando como o Centrão funcionava antes
do Bolsonaro virar presidente. Isso estraga a democracia, pois não é possível
entender por que os votos dos eleitores não surtem efeito, pois o governo não
entrega o que deveria entregar. É o que chamo de baixa accountability. O
Centrão consegue continuar reproduzindo suas candidaturas sem precisar
responder à sociedade o que está fazendo. Isso, por si só, já é uma ameaça à
democracia, porque, ao longo do tempo, percebe-se que a democracia não está
entregando o que os eleitores, como cidadãos, esperariam que ela entregasse. O
bolsonarismo é uma ameaça muito maior à democracia porque querem, de fato,
acabar com algumas instituições democráticas, portanto, ameaçam acabar com o
regime democrático. Seja não aceitando o resultado das eleições, seja
preparando um golpe militar, ameaçando dar um golpe militar ou outro tipo de
ação contra a democracia e suas instituições. Isto se configura como uma ameaça
direta à democracia. Quando eles se alinham, com o Centrão apoiando o
bolsonarismo, certamente essa ameaça fica mais forte. Isso é o que o Marcos
Nobre chama de o “Centrão sem medo”, o Centrão que não tem medo de apoiar a
extrema-direita e que acaba topando aventuras que podem ser antidemocráticas. O
Centrão alinhado ao bolsonarismo dá essa força que o bolsonarismo precisa para
poder ameaçar a democracia. Por isso, quando estão alinhados este grupo é mais
perigoso.
• Quais são as principais
derrotas e vitórias do bolsonarismo nesta eleição?
Daniela
Costanzo – As principais derrotas do bolsonarismo foram em Goiânia, Fortaleza,
Belo Horizonte e Manaus. Em Goiânia, o candidato bolsonarista Fred Rodrigues
perdeu para o Sandro Mabel, do União Brasil. Foi uma derrota em que o Bolsonaro
esteve bastante empenhado para evitar, com um candidato que era bastante
bolsonarista. A outra grande derrota foi em Fortaleza, com André Fernandes, que
era um candidato do bolsonarismo muito forte e ideológico, já deputado e que
perdeu para Evandro Leitão (PT), em uma eleição bem acirrada. A outra derrota é
do capitão Alberto Neto, de Manaus, que também é um bolsonarista e perdeu para
Davi Almeida, do Avante. Além dessas, houve a derrota do Bruno Engler, em Belo
Horizonte. Mas houve outras perdas relevantes, como em Belém, no Pará, onde o
delegado Éder Mauro perdeu para Igor Normando, do MDB. Também em Palmas,
Tocantins, onde o Janad Valcari perdeu para o Siqueira Campos, do Podemos.
Essas principais derrotas do bolsonarismo foram quase todas para o Centrão mais
tradicional, à exceção de Fortaleza, que foi para o PT.
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Vitórias do bolsonarismo
As
grandes vitórias foram em Cuiabá, onde Abilio Brunini ganhou de Lúdio Cabral,
do PT, que estava aparecendo nas pesquisas às vezes à frente e às vezes
empatado, mas o bolsonarismo acabou levando. Eu considero São Paulo uma grande
vitória do bolsonarismo. Apesar de Ricardo Nunes ser um candidato do MDB e
apesar desta aliança com o Bolsonaro – não exatamente com o bolsonarismo – ter
sido difícil, o ex-presidente entrou na campanha, deu uma guinada em vários
momentos, e o vice, Mello Araújo, é muito bolsonarista e um amigo próximo do
Bolsonaro. Quando o ex-presidente perdeu as eleições para a Presidência, ele
era um dos únicos que visitava Bolsonaro e, além disso, é muito violento. Mello
Araújo é conhecido por ser muito violento na polícia. É uma grande vitória do
bolsonarismo. Agora, podemos colocar essa vitória do bolsonarismo em uma
vertente que está concentrada no governador Tarcísio de Freitas, que fez essa
aliança já pensando em 2026 e costurou com todos os partidos que eram
importantes para lançar essa candidatura.
• Em 2024, o PT conquistou
69 prefeituras a mais que em 2020. É um avanço, mas basta para reverter o que
seria uma hegemonização da direita no Brasil?
Daniela
Costanzo – Se olharmos o histórico, em 2008 o partido tinha 550 prefeituras,
passou para 635 em 2012. Em 2016, quando houve o maior baque por conta da
Operação Lava Jato e do impeachment [Dilma Rousseff], o PT conquistou 254
prefeituras – foi a grande queda. Em 2020, caiu para 182 e agora, em 2024,
recuperou um pouco para 248, mas não chegou nem no patamar de 2016. Não dá para
tomarmos essas eleições como uma eleição que vai prever os resultados de 2026
ou determinar a ideologia dos brasileiros. Não é isso que essa eleição quer
dizer. Ela foi marcada pela alta taxa de reeleição e pelo sucesso do Centrão.
Isso significa que há uma certa acomodação com a política, porque as pessoas
estão simplesmente aceitando os candidatos do Centrão, que não oferecem nenhuma
alternativa ideológica. Agora, isso é um pouco característico das eleições
municipais, pois temos candidatos que conseguem mais recursos, principalmente
os do Centrão, e eles conseguem entregar mais obras. Faz parte do jogo o
prefeito ter essa aprovação por conseguir entregar obras, ter mais recursos.
Quando pegamos o desempenho do PT em 2008-2012, era o auge do lulismo no
governo federal, o que foi muito capitalizado para as prefeituras, pois víamos
os candidatos usando o sucesso do governo para defender suas candidaturas. O
sucesso da instância federal faz o partido ficar mais forte, o que não
observamos nessas eleições. O governo federal está indo bem na economia, mas
ninguém mencionou isso nas campanhas dos candidatos do PT; o próprio governo
federal não participou muito das campanhas. Não é só que o PT tentou recuperar
essas prefeituras e não conseguiu, parece que não foi uma tentativa, não houve
muito investimento nas campanhas municipais. Não sei se por uma avaliação que
não era possível disputar ou porque o cenário era ruim mesmo por conta das
emendas, porque o Centrão tinha muitas forças nas eleições municipais – tudo dá
a entender que por conta das emendas que ele conseguiu do Orçamento Secreto e
Emendas Pix, desde que tivemos o orçamento impositivo. Algumas matérias da
Folha e do Globo fizeram essas contas e deram a entender que há essa relação,
mas precisamos estudar mais para saber ao certo se existe uma relação entre as
emendas enviadas pelos deputados e quem conseguiu se eleger. É também
interessante observar que tivemos menos concorrência nessas eleições. Havia
menos candidatos sendo lançados, menos partidos concorrendo e muitos candidatos
únicos, o que influencia na disputa e na alta taxa de reeleição. Quando temos
uma acomodação dos partidos, uma reeleição, normalmente isso favorece o
Centrão, não a esquerda, que tem mais dificuldade de conseguir eleger ou
reeleger, ainda mais considerando as eleições municipais, em que a maioria dos
eleitores estão no interior e a maior parte das cidades é pequena. Então, isso
não favorece os partidos de esquerda, que não conseguem conquistar as
prefeituras do interior. É um pouco complexa essa situação do PT, e não basta
para reverter a hegemonização da direita, mas também não é que as eleições
municipais revelam alguma coisa sobre isso. Elas são só um resultado de
diversos outros fatores que operaram nesses anos.
• Por outro lado, por que
as esquerdas parecem ter perdido o fôlego na disputa eleitoral local? Isso
aponta algo para o futuro? O quê?
Daniela
Costanzo – Precisamos ver exatamente onde as esquerdas perderam fôlego. No
Nordeste, elas foram um pouco melhor do que noutras regiões, somando os votos
do PT e do PSB. Agora, no geral, podemos dizer que a esquerda perdeu fôlego na
disputa eleitoral local. O que podemos dizer é que o Brasil passa por mudanças
demográficas importantes. Temos o que o IBGE apontou como um crescimento do
Centro-Oeste e uma diminuição da tendência de metropolização. No geral, isso
conta muito mal para a esquerda no Brasil e isso é histórico. Já observamos
esse movimento em outros momentos, por exemplo quando há o crescimento das
pessoas em grandes cidades, há um fortalecimento do PT, que é um partido que
nasceu de uma configuração urbana: operários urbanos no ABC Paulista. Isso tudo
dificulta o crescimento da esquerda e é algo para pensar para o futuro: a
esquerda precisa penetrar no Centro-Oeste e nos interiores. Este é um desafio
para a esquerda, justamente porque normalmente os interiores são mais
conservadores, têm uma pauta muito ligada ao agronegócio, as pessoas são
empregadas direita ou indiretamente no agronegócio. Não tem a formação de uma
consciência que leve a votar na esquerda, porque normalmente não há diversos
aspectos que encontramos na cidade grande e que leva as pessoas a protestarem,
a quererem mudanças e a votar na esquerda. Exemplos disso são o transporte
público e outras coisas que não há no interior, onde as pessoas estão bem mais
dispersas pensando no trabalho do campo. Existe um espaço enorme para a esquerda
explorar no interior, que é a questão das mudanças climáticas. Vemos que quando
aparecem candidaturas relevantes na esquerda no interior e no Centro-Oeste,
elas são muito ligadas a esse aspecto.
• Do ponto de vista
ideológico, quais as principais diferenças das eleições de 2022 e 2024? Houve
mais ou menos polarização?
Daniela
Costanzo – Do ponto de vista ideológico, comparando essas duas eleições, a
eleição de 2024 foi uma eleição da acomodação, enquanto a eleição de 2022 foi
mais disputada no nível ideológico. Afinal, podemos observar que a maioria
desses candidatos mais ideológicos acabaram perdendo para o Centrão, com
exceção do Abílio, olhando principalmente para as capitais. Claro que no
interior temos outras configurações e precisaríamos olhar com mais cuidado.
Vendo os partidos que ganharam também, temos o Centrão como grande vitorioso,
algo que não acontece na eleição federal, onde normalmente há uma polarização
entre esquerda e direita ou esquerda e extrema-direita, e o Centrão fica no
meio da disputa porque vai participar do governo, qualquer que seja o resultado.
Tem essa diferença forte entre as eleições de 2022 e 2024, o que mostra que as
eleições municipais foram como o esperado. Contudo, elas foram eleições ainda
mais da acomodação por conta das emendas. Então, foi uma eleição do sistema, da
política tradicional.
• É possível ver João
Campos, eleito em primeiro turno no Recife, como um político progressista? Ele
seria uma alternativa para a esquerda?
Daniela
Costanzo – Sim, com certeza o João Campos é uma alternativa para a esquerda e
faz parte do campo progressista. Ele é do PSB, que é um partido que se
convencionou a ser chamado de progressista e, curiosamente, ele traz o legado
do pai [Eduardo Campos], que talvez devesse ter sido o candidato do PT em 2014,
quando sofreu o acidente ou até depois disso, se estivesse vivo. Vimos o Lula
fazendo um mea culpa, reconhecendo que talvez ele devesse ter sido o candidato
do campo, mas naquele momento tinha a Dilma, que foi reeleita, mas o Eduardo
Campos aparecia como uma alternativa de conciliação – o Eduardo Campos vem
nesse âmbito. É possível dizer que ele é menos à esquerda do que os candidatos
do PT costumam ser, que seria alguém do campo, mas que faz muito bem alianças,
então penso que seria uma ida à centro-esquerda (sendo bem generosa, risos).
Mas ele é um político importante para o campo, que não dá para ser desprezado,
faz muitas coisas em Recife, tem um amplo reconhecimento e uma força eleitoral
enorme. Portanto, tem muito futuro no campo progressista e não dá para a
esquerda ignorar e com certeza será uma alternativa.
• Olhando para o futuro, o
que as eleições municipais sinalizam quanto às próximas eleições presidenciais?
Daniela
Costanzo – Tem vários aspectos nisso. As eleições de agora não determinam nada
sobre as próximas eleições, mas elas colocam algumas coisas em jogo. A primeira
é que o Centrão sai mais fortalecido ainda e o governo sai com essa questão de
como continuar com a aliança com o Centrão, de como aprovar as matérias no
Congresso, que é a maior dificuldade atual. Tudo isso impacta nas eleições.
Veremos também a eleição para a presidência da Câmara. Outro ponto é a questão
das candidaturas. A opção Tarcísio sai fortalecida, porque o projeto dele era
fazer a união do Centrão com a extrema-direita na cidade de São Paulo. Como
Bolsonaro está inelegível, ele aparece como uma alternativa para esse campo que
é o Centrão e a extrema-direita, mas teremos que ver ainda o que vai acontecer.
Se Tarcísio for para perder, contra o Lula, por exemplo, talvez permaneça como
governador de São Paulo. Ainda precisamos ver o que vai ocorrer, mas esses são
os dois principais impactos das eleições: o Centrão sai fortalecido e temos o
projeto do Tarcísio também fortalecido.
• Qual o peso da eleição
municipal de São Paulo no contexto nacional? Até que ponto ela pode influenciar
o influxo político nos próximos dois anos, seja para o lado conservador, seja
para o lado progressista?
Daniela
Costanzo – Essa eleição de São Paulo é bem importante, primeiro porque tem o
MDB como cabeça de chapa, fazendo uma aliança com a extrema-direita. Portanto,
é uma “experiência” que pode se repetir em outros âmbitos. Em segundo lugar,
porque o projeto do Tarcísio deu certo, como falei antes. O Tarcísio tinha esse
projeto e isso envolvia a candidatura dele provavelmente. O terceiro é que o
Lula deve ir atrás do MDB para pensar em uma aliança para as próximas eleições.
Seriam esses os três impactos das eleições municipais no contexto nacional. Ela
influencia justamente porque teve essa aliança, teve um eleitorado muito grande
e porque é uma capital que normalmente lança candidatos que depois podem ter
alguma projeção nacional. Para o lado conservador, também é interessante
observar, porque ainda não sabemos o resultado dessa aliança. Pode ser que essa
aliança, com o Nunes, fortaleça o campo conservador, a depender de quais forem
os movimentos a partir de agora, porque temos alguns partidos e candidatos da
direita para poder fazer aliança e ainda não sabemos como será. Pensando na
Frente Ampla formada pelo Lula para disputar as eleições de 2022, imagino que
esse campo será disputado para entrar também na Frente Ampla nas próximas
eleições. Ela pode influenciar para os dois lados. No momento, ela está mais
pendente ao campo conservador e da direita, mas, a depender dos acordos feitos,
podemos ver alguma mudança.
• O que os resultados do
segundo turno apontam sobre o horizonte político nacional?
Daniela
Costanzo – Os resultados do segundo turno apontam para um horizonte político
ruim para o Brasil. O principal problema nessas eleições foi a alta taxa de
rejeição ligada ao sucesso do Centrão. Houve essa questão das emendas, que
podem ter fortalecido ainda mais o campo do Centrão. Mas o fato é que quem saiu
vitorioso foi este setor por uma comodidade política. Então, há um
fortalecimento desse grupo porque ele consegue sempre vencer, mandar recursos e
fazer a ponte entre os deputados e os municípios. Isto é ruim para o país, pois
não temos uma concorrência importante nas prefeituras, o que é fundamental para
ter uma democracia viva, alternativas e até para tocar as mudanças de que o
país precisa. A reeleição do Centrão significa que não teremos políticas
públicas boas em um momento em que precisamos. Vivemos uma crise climática
intensa e os prefeitos deveriam estar fazendo algo a respeito. Quando vemos o
Centrão sendo reeleito, sabemos que não é isso que está fazendo, porque ele não
faz nada que seja necessário ou muito importante para a sociedade, para o
momento atual ou para os desafios políticos.O Centrão tem um modelo de cidade
que é triste, que não conversa com as inovações que temos no mundo.
Normalmente, são cidades centradas no carro, que não pensam em aproximar o
trabalho da moradia e que não têm uma política social forte, mas que tem uma
política mais tradicional de construir pontes e recapar ruas. Isso é um
rebaixamento político evidente. Este é o horizonte político que o segundo turno
aponta: houve a reafirmação da vitória do Centrão. Claro que em vários lugares
não houve a vitória da extrema-direita, o que poderia ser visto como algo bom,
mas no fundo é que essa política do Centrão, de sistematicamente não fazer as
mudanças necessárias, de fazer uma política de governismo que não coloca as
políticas necessárias para serem discutidas, corrói a nossa democracia. Porque
as pessoas não conseguem ver as mudanças necessárias, não existe uma relação do
voto com resultados importantes e o Brasil segue com essas prefeituras sendo
cabides, vítimas de coronelismo e clientelismo, tudo o que conhecemos e sabemos
que existe, mas que cada vez é menos falado, porque viram palavrões políticos,
mas que existem. O Centrão reproduz isso. Essa vitória é muito ruim para o
Brasil em geral, pois, além de ser uma vitória do conservadorismo, o Centrão é
um grupo informal de partidos conservadores. Precisamos de pessoas engajadas,
de prefeitos fazendo ações, principalmente voltadas para as mudanças
climáticas, cuidando das cidades, que carecem de serviços melhores, de
transporte público, com segurança e nada disso é discutido ou levado a sério
nas eleições. É um cenário que mostra um horizonte político nacional muito
ruim.
• A senhora poderia
avaliar o significado eleitoral da ascensão de Natália Bonavides?
Daniela
Costanzo – A ascensão da Natália Bonavides é uma das boas notícias das eleições
de 2024. É uma pena que tenha perdido, porque é uma política muito interessante
e jovem. Ela já foi eleita deputada federal duas vezes e, na última eleição,
foi a mais votada do Rio Grande do Norte. É um superquadro que tende a crescer
mais ainda. Ela é muito ligada aos movimentos sociais e veio do movimento
estudantil. Portanto, é um quadro interessante, que infelizmente não conseguiu
ser eleita, porque poderia ter uma projeção nacional ainda maior, mas também
dentro do PT. Agora, é ver o que vai acontecer nos próximos capítulos com ela.
Fonte:
Entrevista com Daniela Costanzo, para IHU
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