segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Militares omissos devem ser responsabilizados por trama golpista, mas e as Forças Armadas?

Os militares que se recusaram a participar do plano de um golpe de Estado e de assassinato de autoridades brasileiras podem ter prevaricado ao não denunciar os crimes em andamento sobre os quais tinham conhecimento. 

Na semana passada, a Polícia Federal indiciou 37 pessoas pelos crimes de tentativa de golpe, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. Dos indiciados, 25 são militares, sendo alguns, inclusive, da alta cúpula das Forças Armadas, como os generais Walter Braga Netto e Augusto Heleno, que foram ministros do governo de Jair Bolsonaro (PL), da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), respectivamente.

O número de militares envolvidos poderia ser maior, e o golpe poderia ter sido consumado, se outros tivessem topado fazer parte da trama golpista elaborada para manter o ex-presidente no poder. Os ex-comandantes do Exército, o general Freire Gomes, e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Baptista Júnior, foram incentivados a contribuir com o plano, mas recusaram. De acordo com o relatório da PF, ambos “rechaçaram qualquer adesão de suas respectivas forças ao intento golpista, reiterando que não concordariam com qualquer ato que impedisse a posse do governo eleito”. 

Até onde vão as investigações, no entanto, tanto Freire Gomes quanto Baptista Júnior não levaram o caso para as autoridades policiais. Rodrigo Lentz, advogado e professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), apontam que os ex-comandantes prevaricaram, o que ocorre quando um funcionário público se depara com uma atitude manifestamente criminosa e não comunica as autoridades competentes por motivos diversos.

“A depender do comportamento desses dois comandantes, o país jamais saberia de tudo o que aconteceu, porque o comportamento deles foi de silêncio. Há uma confusão deliberada de alçar alguns heróis legalistas do Exército e da Força Aérea Brasileira, que basicamente são dois comandantes”, afirma Lentz. 

Além da omissão, os ex-comandantes podem ter atuado diretamente para obstruir provas dos crimes. As investigações ainda não deram conta da totalidade dessa informação, no entanto. Um dos trechos do relatório da PF mostra que, ao ex-ajudante de ordens do ex-presidente, o tenente-coronel Mauro Cid, Sério Cavalieri, também militar, enviou prints de conversas com um interlocutor chamado “Riva” com a informação de que militares teriam rasgado um decreto golpista assinado por Bolsonaro. “Rasgaram o documento que o 01 assinou”, possivelmente se referindo a um decreto de golpe e ao ex-presidente como “01”.

“Confirmados alguns relatos das provas colhidas que constam no relatório da Polícia Federal, esses militares, inclusive, destruíram o que seria a prova dos crimes que deveriam noticiar”, afirma Rodrigo Lentz sobre a informação presente no relatório. E reforça: “A depender desses comandantes, eu repito, o Brasil jamais saberia que estivemos às portas de um golpe de Estado, seja porque rasgaram o decreto ou porque se mantiveram em silêncio”.

•                        O tamanho das Forças Armadas no golpismo

A despeito da omissão dos militares, Lentz destaca a importância de distinguir os militares que aderiram à tentativa de golpe daqueles que rejeitaram a proposta, bem como dos golpistas em relação às Forças Armadas. As Forças Armadas, enquanto instituição, não pode ser responsabilizada, mas especialistas defendem a sua reformulação.

Ainda assim, o distanciamento da instituição acerca da trama criminosa não pode acobertar as razões pelas quais determinados militares decidiram embarcar nos planos de golpe de Estado. “As Forças Armadas educam e educaram todos esses militares que foram indiciados dizendo que o golpe de 1964 instaurou um governo democrático, que foi uma revolução democrática. Se os militares dizem que o golpe de 64 foi democrático, evidentemente que, diante de circunstâncias do presente, sobretudo numa circunstância de crise política produzida, eles vão entender que as práticas de 64 seriam democráticas em 2022”, afirma Lentz.

As distinções não podem, em resumo, “impedir de que se vejam as razões estruturais, institucionais e organizacionais do comportamento desses militares que aderiram, tramaram e deram início a um golpe de estado com o Brasil”.

Soma-se a essa análise a pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes/Unesp), Ana Penido, para quem a divisão interna no alto comando das forças se deve mais a um apego às instituições por parte daqueles que se recusaram e participar da tentativa de golpe.

Os militares que se opuseram ao golpe estavam preocupados com as consequências para a instituição caso a tentativa fracassasse. “Está se tentando forçar uma interpretação na lógica de que aqueles ali são democratas, são legalistas. Mas, no meu entendimento, a principal dimensão é uma dimensão de apego institucional. Eles estavam preocupados que, se desse errado, quem ficaria com a responsabilidade? Os militares”, afirma.  

“A principal contradição dentro do alto comando não é entre direita e esquerda ou liberais e conservadores. A principal contradição entre os militares é entre quem tem um apego institucional e quem se tornou literalmente militante”, diz Penido.

A recusa, por exemplo, em participar da tentativa do golpe por parte de Freire Gomes e Baptista Júnior resultou em uma ofensiva liderada por Braga Neto, que chegou a determinar ao major reformado do Exército Ailton Gonçalves Barros o direcionamento de ataques pessoais, incluindo familiares, aos ex-comandantes na tentativa de incluí-los ao grupo criminoso. O comportamento deixa evidente a ausência de qualquer institucionalidade intrínseca aos cargos.

Em determinado momento, Braga Netto chega a concordar em “oferecer a cabeça” de Freire Gomes durante mensagens trocadas com Ailton Barros. "Vamos oferecer a cabeça dele aos leões", escreveu Barros. Em resposta, Braga Netto disse: “Oferece a cabeça dele. Cagão”. Em outro momento, diz sobre o comandante da Aeronáutica: “Senta o pau no Batista Junior (...) traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”.

“As mensagens que têm saído a público deixam evidente que tinha um processo de tensionamento interno muito grande, principalmente quando você vê coronéis xingando generais”, analisa Penido.

•                        Reformulação das Forças Armadas

A pesquisadora defende que tais elementos fazem surgir um momento propício para discutir uma reforma profunda nas Forças Armadas, com o objetivo de fortalecer o controle civil e garantir a democracia no país. 

O desafio está em reestruturar a instituição para que seus membros atuem de forma mais ética e sirvam ao interesse público. "A grande questão é: como é que a gente olha e constrói uma outra forma de controle? Não só dos indivíduos, mas da instituição como um todo. É essa reforma que precisamos para que ela sirva ao crescimento do Brasil", destacou.

Um dos pontos enfatizados pela pesquisadora é um controle civil fortalecido capaz de exercer de fazer com que prevaleça o interesse público sobre o sentimento de lealdade e coesão, que podem servir para encobrir atitudes criminosas.

Nesta linha, Rodrigo Lentz afirma que é “necessária uma prestação de contas institucional, ou seja, as Forças Armadas precisam dar uma resposta à sociedade e às autoridades da República”.

“Quais são as medidas, a partir de agora, as Forças Armadas tomarão para que isso não se repita? Essa é a grande pergunta. A gente tende a colocar tudo nos ombros dos funcionários públicos, porém, é o comando político da administração, ou seja, o comando político da República, com a sociedade, que deve assumir como tarefa produzir garantias de não repetição”, diz.

 

•                        Sakamoto: Só agora os generais do golpe descobriram que Bolsonaro abandona aliados?

Em uma briga entre generais e o ex-presidente Jair Bolsonaro, todos indiciados por tentativa de golpe de Estado, devemos torcer sempre pela briga, pois ela vai jogar luz sobre os subterrâneos da conspiração.

De um lado e de outro, não há santos ou inocentes. Todos sabiam muito bem o que significa cravar um punhal verde e amarelo no coração da democracia. Agora, que o xilindró já dá aquela piscadela safada aos envolvidos, uma disputa fratricida entre eles pode ajudar a revelar detalhes úteis para a Justiça.

Para surpresa de absolutamente ninguém, a defesa do ex-presidente está trabalhando com a ideia de “golpe dentro do golpe”, ou seja, os militares usariam Jair para assumirem o poder e, depois, o descartariam. Nessa narrativa, ele seria, ao lado do Estado democrático de direito, uma vítima. Militares ouvidos por jornal Folha de S.Paulo viram “oportunismo” na estratégia. Ah, vá!

“Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada após a ação do ‘Plano Punhal Verde e Amarelo’ e, nessa junta, não estava incluído o presidente Bolsonaro”, disse um dos advogados de Bolsonaro, Paulo Amador da Cunha Bueno, em entrevista à GloboNews nesta sexta (29). Entre os militares, os generais Augusto Heleno e Braga Netto.

O próprio Braga Netto, após ser indiciado pela Polícia Federal, soltou uma nota mais preocupada em negar o “golpe do golpe”, que já circulava pelas redes bolsonaristas, do que o golpe em si. E retrucou, dizendo que “manteve a lealdade ao presidente Bolsonaro até o final do governo, em dezembro de 2022, e a mantém até os dias atuais”. Ou seja, um aviso de que o destino de um é o destino de todos.

Bolsonaro sugerir que estava sendo traído pelos generais é irônico. Na política, a traição é o maior dos pecados. Tanto que o bom político é visto como aquele que cumpre acordos, independentemente do quanto isso lhe custe. Bolsonaro é visto como traidor de aliados próximos para tentar salvar a própria pele, inclusive por eles mesmos, basta ver a quantidade de pessoas que abandonou no meio do caminho.

O prefeito Ricardo Nunes, que sentiu isso durante a campanha eleitoral, quando viu Jair prometendo apoio a Pablo Marçal enquanto os votos ainda estavam sendo contados no primeiro turno, foi apenas um na imensa lista que inclui de Gustavo Bebianno ao general Santos Cruz. Então, não é novidade a estratégia da sua defesa. Novidade seria generais acreditarem que ele não faria isso.

Um “golpe dentro do golpe” seria impensável? Com base no nível de respeito que parte da cúpula militar tem por Jair, eu diria que não. Não importa, contudo. Quanto mais ataques mútuos neste momento, melhor. Ajudará a Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal na tarefa de indiciar, denunciar, julgar e condenar os envolvidos.

Lembrando que o golpe não surgiu de um Bolsonaro que contaminou os militares ou de militares que manipularam o pobre Jair, mas é fruto de uma parceria.

Nos seus quatro anos de governo de Jair, os militares tiveram cargos, vantagens na Reforma da Previdência, licitações suspeitas de produtos para levantar o moral do oficialato. Eles se beneficiaram de Viagra e próteses penianas, mas também de camarão e filé mignon e continuaram ganhando pensões especiais para filhas não casadas e acesso a hospitais especiais.

Coronéis articularam bizarras reuniões em que se negociou com reverendos, servidores públicos e indicados de políticos, sobrepreço e propinas para a compra de doses de vacina contra a covid-19 enquanto pessoas morriam por falta de imunizante.

Há militares legalistas que se moveram para impedir o golpe bolsonarista, inclusive alguns foram duramente atacados pelos militares golpistas, como mostram as investigações. Mas é importante ressaltar que militares formam um dos pilares do bolsonarismo. O ex-presidente não criou a extrema direita golpista, apenas deu a ela organização e sentido através de sua eleição em 2018. Inclusive nas Forças Armadas.

Enfim, que briguem verbalmente. E que isso ajude a por para fora os bofes da conspiração.

 

•                        Bolsonaro confessa que falou em golpe com militares

O ex-presidente Jair Bolsonaro admitiu publicamente, na noite de quinta (29), que conversou com os comandantes das Forças Armadas sobre um decreto de estado de sítio que abriria alas para uma ruptura institucional e golpe na democracia no final de 2022. Em entrevista ao canal Revista Oeste, Bolsonaro também pediu anistia ampla ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e ao presidente Lula.

Indiciado pela Polícia Federal por tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, golpe de Estado e formação de quadrilha, Bolsonaro tentou esvaziar as denúncias que já estão nas mãos da Procuradoria-Geral da República para análise. Segundo ele, é frágil a narrativa de que seu governo tentou dar um golpe de Estado com “um general e quatro oficiais”. A despeito da auto-defesa, Bolsonaro admitiu que conversou sobre o golpe.

“Até os depoimentos dos comandantes de Força falam que o Bolsonaro discutiu conosco hipóteses de 142, estado de sítio, estado de defesa. E eu discuti sim, conversei, não foi nenhuma discussão acalorada”, disse Bolsonaro. “Rapidamente, viram que não tinha sucesso. Não tem sucesso? Abandona isso aí e ponto final”, reconheceu.

E emendou a justificativa: “Porque quando nós tensionamos o TSE, obviamente com advogados, em poucas horas, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, indeferiu, arquivou e ainda nos deu uma multa de 22 milhões de reais”, disse o ex-presidente, lembrando da ação eleitoral encampada pelo PL, pedindo investigações contra o resultado das urnas.

“Nós conversamos: ‘ó, se a gente for recorrer, a multa passa para 200 milhões, quem sabe até cassa o registro do partido. Vamos buscar outra maneira.’ O sobrou para a gente? Sobrou as quatro linhas, que eu sempre joguei dentro das quatro linhas [sic]”, disse Bolsonaro, recorrendo mais uma vez à narrativa de que usar a Constituição não é golpe, e alegando que o estado de sítio teria de passar por aprovação do Congresso, ou seja, ele não faria nada sozinho.

Na mesma entrevista, Bolsonaro disse que “Moraes está obcecado para me pegar” e defendeu anistia ampla aos golpistas de 2022, da mesma forma que ocorreu com os golpistas da década de 1960, 1970.

“Para nós pacificarmos o Brasil, alguém tem que ceder. Quem tem que ceder é o senhor Alexandre de Moraes. Anistia! Em 1979, foi anistiada muita gente que matou, sequestrou, roubou avião. Vamos zerar o jogo daqui pra frente”, propôs Bolsonaro. “Se tivesse uma palavra de Lula ou Alexandre de Moraes, estava resolvido. Agora, não pode quando alguém tira a própria vida com fogos de artifício, dizer que foi culpa do gabinete do ódio”, acrescentou.

Questionado sobre o inquérito de mais de 800 páginas que a PF entregou ao STF nesta semana, Bolsonaro disse que sua defesa analisou e considerou “mais uma peça de ficção”.

“Falar em golpe de Estado com um general da reserva, quatro oficiais e um agente da PF é uma piada. Como um todo, não tem prova de nada. Eles não querem pegar Braga Netto, general Heleno, seja quem for. Eles querem pegar é eu mesmo”, disse Bolsonaro.

Segundo a apuração da PF, Bolsonaro só não concretizou o golpe porque não teve apoio do comando Alto Comando das Forças Armadas nem dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.

 

•                        Em nova estratégia, defesa de Bolsonaro responsabiliza militares por trama golpista

A defesa do ex-presidente de Jair Bolsonaro (PF), representada pelo advogado Paulo Amador Bueno, tenta emplacar uma nova tese para livrar o ex-capitão, indiciado pela Polícia Federal (PF) por tentativa de golpe de Estado.

Em entrevista à Globonews, na tarde de sexta (29), Bueno declarou que um dos documentos apreendidos pela PF sobre a trama golpista – que Bolsonaro não teria conhecimento – previa a criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”, que seria formado pelo ex-ministro Augusto Heleno e pelo ex-ministro Walter Braga Netto, e não pelo então presidente.

“Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada após a ação do ‘Plano Punhal Verde e Amarelo’ e, nessa junta, não estava incluído o presidente Bolsonaro“, disse Bueno.

Esse plano em específico, citado por Bueno, continha estratégias para matar o presidente eleito Lula (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“Não tem o nome dele [Bolsonaro] lá, ele não seria beneficiado disso. Não é uma elucubração da minha parte. Isso está textualizado ali. Quem iria assumir o governo em dando certo esse plano terrível, que nem na Venezuela chegaria a acontecer, não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo“, reforçou o advogado.

Logo após as declarações desta sexta repercutirem, Braga Netto divulgou nota em que classificou como “tese absurda e fantasiosa” a alegação da defesa de Bolsonaro de que estaria envolvido em um “golpe dentro do golpe”.

<><> O que dizem as investigações da PF

As alegações da defesa do ex-presidente foram postas após a divulgação de um relatório da PF que demostrou, em mais 800 páginas, que Bolsonaro atuou diretamente na investida golpista, após perde as eleições presidências em 2022. O ex-chefe do Executivo foi indiciado junto de outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de direito e organização criminosa.

Um dos principais pontos que sustentam as conclusões dos investigadores, está o fato do ex-presidente ter apresentado um decreto golpista aos comandantes das Forças Armas. O então chefe do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, afirmaram em depoimento à PF que receberam a proposta e disseram que o chefe da Marinha à época, Almir Garnier Santos, foi o único a colocar suas tropas à disposição de Bolsonaro.

 

Fonte: Brasil de Fato/DCM/Jornal GGN

 

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