terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Em Gaza, as provas evidentes de um genocídio

Após meses de coleta de evidências, pesquisas e análises, a Anistia Internacional chegou à conclusão de que o conjunto de ações realizadas por Israel contra os palestinos de Gaza, durante a ofensiva militar iniciada em 7 de outubro de 2023 em resposta ao ataque liderado pelo Hamas no sul de Israel, constitui genocídio.

De acordo com a Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio, adotada pelas Nações Unidas em 1948, o genocídio é definido como uma série de atos proibidos “cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso como tal”. Tais atos incluem “matar membros do grupo”, causar “lesões graves à integridade física ou mental de membros do grupo” e “submeter deliberadamente o grupo a condições de vida destinadas a provocar sua destruição física total ou parcial”.

De acordo com a Anistia Internacional, Israel cometeu essas três tipologias de atos contra os palestinos de Gaza, precisamente com a intenção de destruí-los fisicamente. Essa conclusão baseia-se em uma análise agregada dos ataques israelenses contra civis e as infraestruturas vitais em Gaza e do impacto causado pela destruição em larga escala, pelos deslocamentos em massa da população e pelo bloqueio total ou parcial da entrada de ajudas humanitárias na Faixa. De fato, a Anistia Internacional pôde verificar pelo menos 15 ataques aéreos contra prédios, casas, igrejas, mercados e ruas, todos localizados em áreas densamente povoadas, demonstrando como seu objetivo fosse atingir os civis de forma direta ou indiscriminada.

Esses ataques são apenas uma amostra do esquema recorrente usado por Israel em Gaza. Mesmo nos casos em que a Anistia Internacional verificou a presença de possíveis alvos militares, Israel utilizou armas explosivas com efeito amplo e escolheu momentos em que os ataques teriam um impacto mais devastador sobre a população civil, de modo que esses ataques podem ser considerados indiscriminados ou desproporcionais e, portanto, ilegais de acordo com o direito internacional humanitário.

No decorrer de um ano, os bombardeios israelenses causaram dezenas de milhares de mortes, incluindo mais de 13.000 crianças, destruindo famílias e gerações inteiras. Faltam palavras para descrever a dor de pais obrigados a recolher os restos mortais de seus filhos em pequenos sacos brancos, e das muitas crianças debruçadas sobre os corpos sem vida de suas mães, dia após dia, por quase 14 meses.

Acrescenta-se a tudo isso as políticas de Israel que criaram condições de vida destinadas a provocar a destruição física dos palestinos em Gaza. Essas são o resultado de três

“macro ações” cometidas por Israel em Gaza: a destruição quase total das infraestruturas críticas (usinas de energia, centros de tratamento de água, hospitais etc.) e de outros bens essenciais para a sobrevivência da população civil (como áreas agrícolas e fazendas de criação de animais); o repetido deslocamento forçado e em massa de 90% da população, realizado em condições inseguras e insalubres; e a obstrução do fornecimento de serviços e suprimentos essenciais, incluindo alimentos, água e medicamentos. Em poucos meses, essas ações ilegais tiveram o efeito combinado de espalhar uma mistura mortal de fome, desnutrição e doenças, afetando toda a população.

Apesar dos apelos das Nações Unidas e das principais organizações humanitárias, bem como das ordens emitidas pelo Tribunal Internacional de Justiça em Haia para que a entrada de ajudas humanitárias fosse garantida na Faixa, Israel continuou a negar à população de Gaza o mínimo necessário para sua sobrevivência. Basta dizer que, para não morrer de fome, muitos chegaram a comer ração animal. A crueldade de tal conduta mostra que a catástrofe humanitária em Gaza não é o produto “colateral” das operações de guerra, mas um objetivo deliberadamente perseguido pelas autoridades israelenses.

A intenção de Israel também emerge da análise de mais de 100 declarações racistas e desumanas feitas por ministros, funcionários do governo, parlamentares e militares israelenses, incitando ou justificando atos genocidas ou outros crimes contra os palestinos de Gaza. Não apenas os palestinos foram chamados de “animais humanos”, aos quais seria negada qualquer forma de sustento até que o Hamas fosse derrotado e os reféns libertados, mas em algumas declarações foi abertamente proposto erradicar o Hamas por meio da destruição física da população civil.

Com base na totalidade das provas coletadas e nas análises realizadas, a Anistia Internacional chegou à conclusão de que Israel agiu deliberadamente para destruir os palestinos de Gaza. De fato, está claro que a envergadura e a gravidade da catástrofe de Gaza não podem ser consideradas como o resultado “colateral” das operações militares israelenses, mesmo que se levasse em conta que Israel agiu focado em objetivos militares específicos, como a libertação de reféns e a derrota do Hamas. A devastação humana e física que Israel criou em Gaza desde 7 de outubro de 2023, e cujas repercussões afligirão as próximas gerações de palestinos, só pode ser compreendida por meio da aplicação da Convenção sobre o Genocídio.

Diante do cenário apocalíptico causado pela ofensiva militar israelense em Gaza, todos os Estados, inclusive a Itália, devem romper seu imobilismo. O governo italiano tem o dever de agir imediatamente, de acordo com suas obrigações internacionais e as ordens emitidas pela Corte Internacional de Justiça, e tem os instrumentos para fazê-lo, começando com a revogação de todas as licenças aprovadas para a transferência de armas ou outras tecnologias militares para Israel, incluindo aquelas emitidas antes de 7 de outubro de 2023, garantindo que as empresas privadas também cumpram essa proibição.

Ao continuar a fornecer armas e componentes militares para serem utilizados na ofensiva de Gaza, a Itália estaria violando sua obrigação de impedir atos de genocídio cometidos por Israel e também correria o risco de se tornar cúmplice do próprio genocídio. Também é incompatível com as obrigações internacionais da Itália permitir o uso de portos e aeroportos para o trânsito de armas enviadas a Israel por outros países. Além disso, o governo deve adotar todos os meios econômicos, políticos e diplomáticos permitidos pelo direito internacional para parar o genocídio e os outros crimes internacionais cometidos por Israel em Gaza. É imperativo que a Itália use sua influência na Europa e nas relações bilaterais com Israel para que este concorde com um cessar-fogo imediato e duradouro e com a rápida entrada de ajudas humanitárias na Faixa.

Por fim, o governo italiano deve enviar uma mensagem inequívoca de cooperação e apoio incondicionais aos órgãos internacionais de justiça, incluindo o Tribunal Penal Internacional, e levar os responsáveis pelo genocídio em Gaza à justiça, inclusive aquela italiana. A impunidade de que Israel desfruta há décadas precisa acabar, ou aos escombros de Gaza se juntarão aqueles do sistema internacional dos direitos humanos. Se deixarmos isso desmoronar, todos nós estaremos menos protegidos.

¨      A Anistia Internacional afirma que Israel "cometeu e continua cometendo" um genocídio em Gaza

Israel cometeu e continua cometendo um genocídio contra a população palestina da Faixa de Gaza ocupada, de acordo com o relatório "É como se fôssemos seres infra-humanos: O genocídio de Israel contra a população palestina de Gaza", publicado hoje, 5 de dezembro de 2024, pela Anistia Internacional. O documento relata como, durante a ofensiva militar lançada após os ataques do Hamas no sul de Israel em 7 de outubro de 2023, Israel submeteu a população palestina de Gaza a um "inferno de destruição sem qualquer pudor, continuamente e com absoluta impunidade".

"O relatório da Anistia Internacional demonstra que Israel realizou atos proibidos pela Convenção sobre o Genocídio, com a intenção específica de destruir a população palestina de Gaza. Entre esses atos estão: assassinato de membros da população palestina de Gaza, graves danos à sua integridade física ou mental e o seu intencional subjugamento a condições de vida que levariam à sua destruição física. Mês após mês, Israel tem tratado a população palestina de Gaza como um grupo infra-humano, sem direitos humanos ou dignidade, evidenciando sua intenção de causar sua destruição física", explicou AgnèsCallamard, secretária-geral da Anistia Internacional. Callamard alerta que as conclusões do estudo devem servir como "um chamado à comunidade internacional: o que está acontecendo é genocídio. É preciso pôr fim a isso imediatamente".

Em sua investigação, a Anistia Internacional analisou detalhadamente as violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos cometidas por Israel em Gaza durante os mais de nove meses entre 7 de outubro de 2023 e o início de julho de 2024. A organização entrevistou 212 pessoas, incluindo vítimas e testemunhas palestinas, autoridades locais em Gaza e profissionais de saúde; realizou trabalho de campo e analisou uma ampla variedade de dados visuais e digitais, incluindo imagens de satélite. Também examinou declarações de altos funcionários governamentais e militares, bem como de órgãos oficiais israelenses. Em várias ocasiões, a Anistia Internacional compartilhou suas conclusões com as autoridades israelenses, mas até o momento da publicação do relatório, não havia recebido nenhuma resposta substantiva.

Muitos dos atos ilícitos documentados pela Anistia Internacional foram precedidos de declarações de autoridades que incentivavam essas práticas. A organização examinou 102 declarações feitas por membros do governo, comandos militares e outras entidades israelenses entre 7 de outubro de 2023 e 30 de junho de 2024, nas quais a população palestina era desumanizada, atos genocidas ou outros crimes contra ela eram incitados ou justificados.

“Nossa investigação revela que, durante meses, Israel continuou cometendo atos genocidas, plenamente ciente do dano irreparável que estava causando à população palestina de Gaza. Fez isso desafiando inúmeras advertências sobre a catastrófica situação humanitária e ignorando decisões juridicamente vinculantes da Corte Internacional de Justiça, que ordenaram a Israel adotar medidas imediatas para possibilitar a prestação de assistência humanitária à população civil de Gaza”, acrescentou AgnèsCallamard, que também destacou a responsabilidade de outros países.

“Os Estados que continuarem transferindo armas para Israel neste momento devem saber que estão descumprindo sua obrigação de impedir o genocídio e correm o risco de serem cúmplices dele. Todos os países com influência sobre Israel, especialmente aqueles que fornecem armas, como Estados Unidos e Alemanha, mas também outros membros da União Europeia, Reino Unido e outros, devem tomar medidas imediatas para pôr fim às atrocidades de Israel contra a população palestina de Gaza”.

"Considerando o contexto preexistente de despossessão, apartheid e ocupação militar ilegal em que tais atos foram cometidos, só podíamos chegar a uma conclusão razoável: a intenção de Israel é a destruição física da população palestina de Gaza, seja paralelamente ao objetivo militar de eliminar o Hamas, seja como meio para alcançá-lo", concluiu a representante da Anistia Internacional.

<><>ONU faz apelo pela situação atual de Gaza: “não podemos continuar desviando o olhar”

genocídio na Faixa de Gaza começou no dia 7 de outubro de 2023, com uma ação do Hamas, que deixou 1.208 mortos, que provocou uma reação de Israel que já beira 50 mil palestinos trucidados, fora as ações no Líbano, Síria e Irã. A situação vai ficando cada vez mais insustentável, o que fez o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fazer apelo à toda comunidade internacional.

“Construir uma base para a paz sustentável em Gaza e em todo o Oriente Médio”. A declaração foi dada durante uma uma conferência no Cairo, onde leram o apelo em seu nome.

A ONU, por sua vez, categorizou o momento atual de Gaza como “terrível e apocalíptica” e indicou que as condições enfrentadas pelos palestinos no território podem constituir “crimes internacionais da maior gravidade”.

Israel quando iniciou a sua ação em represália, deixou mais 44.466 mortos em Gaza, de acordo com informações do Ministério da Saúde do território, e avalizadas pela ONU.

“A catástrofe de Gaza não é outra coisa que o colapso completo de nossa humanidade. O pesadelo tem que parar. Não podemos continuar desviando o olhar (…) a desnutrição é endêmica . A fome é iminente. Enquanto isso, o sistema de saúde entrou em colapso” afirmou Amina Mohammed, secretária-geral adjunta da ONU, enquanto porta-voz de Guterres no evento.

Ainda no comunicado, o chefe da ONU acrescentou que Gaza atualmente possui “o maior número de crianças amputadas per capita do mundo”, tendo “muitas perdendo membros e sendo submetidas a cirurgias sem anestesia”. Além de criticar duramente as restrições de entrega de ajuda no local, classificando-as como ‘extremamente insuficientes’.

Foram autorizados e entregues apenas 65 caminhões no mês passado, de acordo com informações disponibilizadas pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA), podendo ainda destacar que o número de caminhões recebidos antes do início da guerra era em média 500.

Sem receber ajuda, cuidados e alimentos as organizações internacionais que prestam esse serviço afirmam que toda a população de quase 2,4 milhões de pessoas está à beira da fome.

Guterres finalizou ressaltando que o bloqueio da ajuda em meio a este desastre humanitário “não é uma crise de logística”, e sim “uma crise de vontade política e de respeito aos princípios fundamentais do direito internacional humanitário”.

 

¨      Gideon Levy: “Netanyahu tem medo das testemunhas de suas atrocidades”.

Dá para entender por que Netanyahu e os ministros do pior governo da história do Estado judeu querem aniquilar o Haaretz. Por muitas razões, uma das quais é fechar a voz da consciência crítica de Israel: Gideon Levy.

Uma consciência que não dá descontos, que não tranquiliza, mas que confronta um país com verdades incômodas.

Levy escreve: “Todos os israelenses que se sentem insultados, chocados ou alarmados pela emissão de mandados de prisão contra o primeiro-ministro Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Gallant não são aptos para testemunhar. Todos os israelenses que mancham o Tribunal Penal Internacional em não podem testemunhar. Todos os israelenses que gritam 'antissemitismo' são proibidos de testemunhar. Na realidade, quase todos os israelenses não podem testemunhar. Afinal de contas, o que viram de Gaza no último ano? Que ideia têm do que está sendo feito lá em seu nome? A quanta destruição foram expostos e quantos corpos de crianças destruídos viram?”

"Quantas vezes viram hospitais arrasados e escolas demolidas que se tornaram abrigos, para depois serem bombardeados? Por acaso viram o rosto de uma criança faminta, os comboios de transferência, as cadeiras de rodas e os amputados que se arrastam pela areia? Que ideia têm dos crimes que estão ocorrendo lá? Não se pode assumir uma posição chocada sem ver o que Israel fez em Gaza. Os israelenses não viram nada e não quiseram ver. É por isso que eles não têm o direito de julgar os mandados de prisão”. Eles também não viram por causa das mídias cooptadas pela guerra de Netanyahu.

Levy observa: “Na hora mais patética de todos os tempos, as mídias israelenses os ajudou a não ver nada, não saber nada e não ouvir nada, e é por isso que os israelenses não podem testemunhar. O que sabem sobre Gaza é semelhante ao que sabiam sobre Ruanda na época, e é por isso que não podem expressar nenhum juízo moral. Depois de tantos anos de lavagem cerebral e desumanização dos palestinos, não se pode confiar na capacidade de julgamento nos israelenses. Isso deveria ser deixado para os juízes de Haia, que sabem melhor do que os israelenses o que é permitido e o que é proibido, mesmo para Israel, mesmo para os judeus após o Holocausto, mesmo para os israelenses após o 7 de outubro. As pessoas que duvidam da justiça do tribunal e pedem para enfraquecê-lo são como aquelas que procuram perpetrar um golpe judiciário em Israel, tentando subverter seu sistema judiciário. O juiz não é um idiota. Nem o ministério público. Eles estão simplesmente cumprindo seu papel”.

Levy vai ao cerne da questão: “Quando Israel condena por unanimidade a decisão do tribunal, de Itamar Ben-Gvir a Yair Golan, passando pelo líder da oposição Yair Lapid, isso mostra mais uma vez como os israelenses sofreram uma lavagem cerebral e não estão aptos a testemunhar.

Os únicos que sabem o que aconteceu em Gaza são os soldados. Eles são decididamente desqualificados. A maioria deles está orgulhosa do que fez, conforme evidenciado pelos vídeos revoltantes que publicam.

Os outros estão convencidos de que não havia escolha a não ser participar dessa campanha punitiva bárbara. Assistem à limpeza étnica e vivem em paz com ela, convencidos de que a destruição seja ordenada pelos céus, que a culpa é dos palestinos e que toda a Gaza é o 7 de outubro”.

Essa é a situação. O governo em que os ministros competem para ver quem é mais fascista também conseguiu desumanizar a instituição na qual o país inteiro sempre se reconheceu: o exército.

Levy escreve: “Leiam as palavras de um reservista, publicadas no Haaretz em 22 de novembro: ‘Os únicos que se agitam por qualquer coisa aqui são os animais’, escreve ele. Quase nenhum soldado se recusou a obedecer a uma ordem. Não os pilotos que bombardeavam sem piedade e indiscriminadamente, não as forças de artilharia, não as unidades de infantaria ou de tanques. Eles se acostumaram rapidamente com o que estavam fazendo, com o que viam, e depois o normalizaram e justificaram.

Certamente não podem ser testemunhas a serviço da causa da justiça. O Primeiro-Ministro e o ex-Ministro da Defesa foram processados pelo mundo, porque o mundo viu e não pôde se calar. Se o tivesse feito, o Tribunal de Haia teria falhado em seu dever.

O que deveria ter feito diante de tamanha escala de limpeza étnica, fome e assassinatos em massa de crianças? Não emitir mandados de prisão? Os fatos clamam do solo manchado de sangue da Faixa de Gaza em ruína e alguém deve ser chamado a responder. O primeiro-ministro e o ex-ministro da Defesa são um bom começo. Essas coisas são difíceis de digerir para os israelenses, que vivem em uma realidade ilusória. Isso foi bem definido pelo professor Rashid Khalidi em uma entrevista concedida ao suplemento de fim de semana em hebraico do Haaretz na última sexta-feira. ‘Pelo amor de Deus, vocês acham que não sabem ler hebraico?’, perguntou alguém que conhece a mentalidade israelense mendaz melhor do que a maioria dos israelenses.

Quem vive em uma realidade mendaz não pode testemunhar. O coração se enche de vergonha e tristeza.

Não pelos mandados de prisão, mas pelo que fizemos”, conclui Levy.

Agora vocês entendem por que querem aniquilar o Haaretz.

 

Fonte: il Manifesto/El Salto/l’Unitá/IHU

 

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