ENTIDADES DE SAÚDE
MENTAL CRITICAM PROJETOS QUE BUSCAM REVER A REFORMA PSIQUIÁTRICA
A Comissão
Intersetorial de Saúde Mental (CISM) do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
divulgou uma nota pública nesta terça-feira (10), Dia Internacional dos
Direitos Humanos, em repúdio ao Projeto de Lei nº 551 de 2024, o qual
inclui uma “perspectiva manicomial” e “representa um retrocesso inaceitável
no campo da saúde mental e uma violação dos direitos humanos das pessoas
que necessitam de cuidados
em saúde mental”,
afirma o documento.
Em sentido oposto
ao projeto que tramita no Congresso Nacional, a comissão defende a Lei
10.216 de 2001 como
um marco na construção de uma rede de atenção que prioriza a liberdade e a
autonomia, destacando que a lei em vigor respeita a dignidade e os direitos das
pessoas em sofrimento
psíquico.
“Qualquer tentativa
de desvirtuar esta legislação em favor de práticas manicomiais não apenas
contradiz os princípios da saúde mental, como também fere a ética e os
direitos humanos garantidos pela Constituição Brasileira e pelos tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário”, diz trecho da nota.
Segundo o órgão de
Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde, os projetos de lei que impactam
diretamente a vida das pessoas devem ouvir, em audiências públicas, a sociedade
civil, os profissionais de saúde, as famílias e, principalmente, as pessoas que
vivem com transtornos
mentais para
garantir que as propostas legislativas atendam às necessidades reais da
população e respeitem a trajetória já construída em defesa da inclusão.
“Ressaltamos que
toda iniciativa que privilegie uma abordagem
manicomial não
é apenas uma ameaça ao avanço das políticas de saúde mental, mas também um desrespeito
ao trabalho feito ao longo de décadas para desinstitucionalizar o cuidado e
garantir direitos essenciais. O fortalecimento da rede de cuidados em liberdade
deve ser o foco de políticas públicas que busquem a promoção da saúde mental,
valorizando a vida e a dignidade humana”, afirma a Comissão Intersetorial
de Saúde Mental.
·
Rio
Grande do Sul
O projeto de lei
que tramita em Brasília encontra eco no Rio
Grande do Sul,
onde o debate sobre o cuidado em liberdade em tratamento de saúde
mental veio à tona recentemente. Nos últimos dias, o (FGSM) se manifestou
para também repudiar “qualquer iniciativa que ataque a reforma psiquiátrica” e
que “retroceda na conquista de direitos do cuidado em liberdade”.
Ao destacar que o
cuidado em liberdade é um “princípio inegociável aos cidadãos com sofrimento
psíquico em saúde mental, álcool e outras drogas”, o fórum defende que
usuários, familiares e apoiadores participem da implementação do plano de saúde
do estado e do controle social para a efetivação da lei estadual
9.716/1992 e a lei nacional 10.216/2021.
A manifestação teve
como alvo a audiência pública realizada na Comissão de Saúde e Meio Ambiente da
Assembleia Legislativa, no último dia 04 de dezembro, promovida pelo deputado
estadual Thiago Duarte (União Brasil). Na ocasião, o parlamentar
explicou que o objetivo da audiência foi conscientizar a população, a rede de
proteção em saúde de assistência social e as forças de segurança pública, sobre
“os cuidados e a necessidade de diagnósticos preventivos e de tratamento
adequado para as pessoas que possam vir a ter ou tenham doenças mentais no
sentido de evitar tragédias sociais e a perda de vidas totalmente evitáveis”.
O deputado criticou
a redução dos leitos psiquiátricos e disse que na maioria dos municípios com
gestão plena em saúde não há atendimento de psiquiatra na atenção básica de
saúde. “Nosso grande objetivo hoje é, além de alertar a sociedade para essas
questões, começar a discutir toda a questão vinculada ao atendimento
psiquiátrico, tanto no que se refere à atenção básica de saúde e à atenção
especializada em saúde quanto no que se refere à atenção hospitalar em saúde,
sem deixar fora os atendimentos de emergência em saúde mental”, afirmou,
defendendo também a revisão da lei psiquiátrica estadual (Lei 9.716/1992).
Na audiência, o
diretor do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), o psiquiatra Ricardo
Nogueira,
também criticou o fechamento das vagas nos hospitais psiquiátricos e disse ter
havido uma “destruição da capacidade instalada da saúde mental no
estado”.
No entanto, para o
Fórum Gaúcho de Saúde Mental, muitas das falas proferidas na audiência
desprezaram a construção científica baseada em pesquisas qualitativas e
quantitativas que apontam o importante investimento da Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS) e a mudança de modelo de cuidado em saúde mental.
A entidade ainda criticou o debate sobre a possível volta da
eletroconvulsioterapia, chamada de eletrochoque pelos usuários, pois
o método “caracteriza tortura para muitos que sobreviveram a
essa psiquiatria ultrapassada”.
“Uma prática que
condenamos, por resultados cientificamente comprovando sua ineficácia, com
provas contundentes”, defende o fórum, para quem a retomada dos hospitais
psiquiátricos e o fortalecimento das comunidades terapêuticas não oferecem
dignidade às pessoas. Pelo contrário, a entidade destaca os muitos casos de
maus tratos, violações de direitos humanos, tratamento sem respeito e
dignidade, comprovadas em inspeções pelo Brasil.
“Nós como protagonistas,
fizemos, lutamos e somos construtores, implementadores da Reforma
Psiquiátrica, queremos este debate ético. Os participantes da referida
audiência onde estiveram nestes 32 anos da criação da Lei? Estiveram na criação
de serviços? Na composição das equipes na atenção básica? Nos cuidados nos
territórios? Na busca de financiamento para instituir a rede, para fazer chegar
o cuidado na pessoas que dele precisam? Onde estavam?”, questiona o Fórum
Gaúcho de Saúde Mental. De acordo com a entidade, o debate sobre o tema deve
ser amplo e não apenas com um segmento isolado e que “se baseia no lucro como
um de seus pilares maiores”.
Fonte:
Por Luciano Velleda, no Sul21
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